Cozinha portuguesa com novo fôlego

A cozinha portuguesa em Macau está mais luxuosa, criativa e contemporânea. A MACAU foi conhecer os chefs dos novos restaurantes que abriram nos últimos dois anos para perceber o que os diferencia da oferta já existente

Restaurante Fado

 

Texto Cláudia Aranda | Fotografias Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Para os mais de 29 milhões de turistas que todos os anos chegam e visitam a cidade, Macau é a capital da comida portuguesa, do pastel de nata, dos biscoitos de amêndoa, das igrejas de estilo europeu e dos casinos. Tendo em conta que o número de turistas que visitam a região tem crescido todos os anos, abrir um restaurante aparenta ser negócio garantido para quem seja capaz de atrair esse filão interminável de clientes.

Alguns dos grandes casinos e empreendimentos turísticos estão a contratar chefs portugueses para garantirem a autenticidade do cardápio da cozinha lusa, que fazem questão que conste da sua oferta de restaurantes. A maior parte destes chefs tem em comum o objectivo de querer oferecer “os sabores genuínos da cozinha tradicional”, que depois revestem com algum refinamento e contemporaneidade na preparação e apresentação dos pratos. Estes, dizem, são os factores diferenciadores em relação à cozinha portuguesa que existe em Macau, muitas vezes entregue a cozinheiros chineses e filipinos tendo, por isso, adquirido outras influências.

No ano passado, sete restaurantes portugueses passaram a ser recomendados pelo Guia Michelin – António, Banza, Castiço, Clube Militar, A Petisqueira, A Lorcha e o Guincho a Galera. De acordo com dados dos Serviços de Turismo, havia em no ano passado 37 restaurantes de autêntica cozinha portuguesa em operação no território.

 

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“Cozinha cuidada” no Fado

Marco Gomes, que assina com o sócio Luís Américo o menu do restaurante Fado, aberto no Hotel Royal primeiro à experiência em Maio de 2013, e a todo o vapor desde Junho, explica que o que os torna diferentes “é a maneira de olhar e de ver a cozinha portuguesa”. “Nós sabemos que temos uma cozinha muito rica, mas foi uma cozinha que ao longo de muitos anos andou quase sempre de fato-macaco. Era um diamante em bruto, que na realidade já marcava pela diferença a nível mundial, só que não saía da travessa, não havia cuidado na apresentação, na finalização”, explica Marco Gomes. “Com esta nova geração de chefs, o que se fez foi pegar na mesma gastronomia e, respeitando o produto, a tradição e o sabor, demos-lhe um toque refinado, mais cuidado. Acho que é isso que nos define”, explica o empresário, dono do Restaurante Foz Velha no Porto, cujo sócio, Luís Américo, criou alguns conceitos novos de degustação dos sabores portugueses no mercado do Bom Sucesso, também no Porto.

O Fado é a primeira incursão internacional da dupla de sócios que ambiciona crescer no Interior da China. Ambos visitam regularmente Macau para supervisionar o restaurante, mantendo no terreno dois chefs de execução. Presentemente a assumir a parte executiva está o chef João Pereira.

Os empresários reconhecem que, em termos de clientela, o restaurante Fado tem beneficiado do facto de estar associado ao Hotel Royal, cuja gerência é quem se encarrega de trabalhar os contactos e trazer clientes. “Ainda estamos muito observadores e atentos ao mercado. Temos um público que vem sobretudo da China, que é uma clientela diferente, temos que ter estas leituras e ir de encontro ao mercado que o hotel e o Fado recebem, ir ajustando?. Temos que estar atentos ao nosso público, que é o que nos faz andar para a frente”, aponta Marco Gomes.

 

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Tradição e alta cozinha no Guincho a Galera

A “tradição associada ao conceito de alta cozinha”, a “autenticidade da cozinha portuguesa, mas com um espírito mais contemporâneo, mais moderno” é o que distingue o Guincho a Galera, cuja casa-mãe é a Fortaleza do Guincho, um dos 12 restaurantes em Portugal classificado no Guia Michelin com uma estrela.

Este espaço situado no terceiro andar do Hotel Lisboa conta já com uma recomendação no Guia Michelin e é o único restaurante português na RAEM que consta pelo segundo ano consecutivo na prestigiada lista da Tatler dos 20 melhores restaurantes de Hong Kong e Macau, apesar de ter caído da 14.ª posição em 2013 para a 20.ª em 2014.

“Somos um restaurante português de luxo, tentamos caminhar para alcançar o topo, que é a estrela Michelin, tentando sempre sermos os melhores ou trabalhando para isso”, afirma o chef Martinho Moniz, que está à frente do Guincho a Galera desde a sua abertura em 2012. Para conseguir chegar ao topo é preciso cuidar do serviço, garantir que o cliente se sente bem e confortável, que os pratos chegam à mesa no momento certo. É necessário “desenvolver, inovar, criar novas receitas”, diz o chef, de 33 anos, proveniente da aldeia de Barreira de Leiria, em Portugal, e que trabalhou com chefs internacionais como os franceses Aimé Barroyer e Paul Bocuse.

A par do investimento que é realizado na inovação dos pratos é preciso divulgar o conceito do restaurante e continuar a agradar a um número cada vez maior de clientes e de críticos gastronómicos. “Mesmo que o cliente venha uma única vez na vida a Macau e faça apenas uma refeição no restaurante, ele depois passa a palavra, publica fotografias dos pratos, faz comentários nas redes sociais, em blogues, nos guias. Os chineses adoram comer e também consomem revistas sobre comida.” É assim que a reputação do restaurante se vai construindo.

Martinho Moniz reconhece as vantagens e a segurança que dá trabalhar num restaurante inserido num hotel e lamenta a perda de autenticidade de alguns estabelecimentos que têm que adaptar-se para sobreviver. “É cada vez mais difícil encontrar espaços em Macau onde se possa encontrar comida portuguesa genuína, as rendas do imobiliário estão cada vez mais altas e os restaurantes vão fechando ou, então, perdem a cultura do autêntico. Nós temos esta facilidade, temos um espaço que é nosso.”

 

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Reformular o conceito no Gosto

O Gosto é a nova aposta do Galaxy Macau, situado no Cotai, em termos de oferta de “autêntica comida portuguesa”. O chef Mário Gil, 30 anos, original de Vila Franca de Xira, aceitou o desafio em Abril de 2013 de reformular todo o conceito e filosofia do restaurante que abriu em 2011 como estabelecimento de cozinha macaense. Durante algum tempo quem liderou o projecto foi Dominic Tang, um chef chinês criado em Calcutá, na Índia, que aprendera a cozinhar em restaurantes portugueses em Macau.

Mário Gil têm vindo a criar um novo menu e a moldar o conceito do estabelecimento para “restaurante português com chef português”. Por isso, mantém no menu alguns pratos de cozinha macaense, que foram todavia revistos. “Há uma maior atenção aos sabores e na apresentação”, explica Mário Gil, que introduziu em Novembro passado um menu de tapas portuguesas.

 

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Os desafios de reinterpretar a cozinha

Fora da segurança dos casinos, os restaurantes que abriram mais recentemente são A Baía, na Rua de Londres, no NAPE, do casal Noémia e Constantino José, e o In – Wine & Tapas, na vila da Taipa, de Francisco Isöo de Noronha, vizinho do bem sucedido restaurante António, um projecto com 17 anos, de António Coelho, recomendado pelo Guia Michelin.

Estes empresários individuais enfrentam um desafio redobrado. Além de terem que garantir que o negócio vá para a frente, atraindo e agradando os clientes, têm que fazer face à pressão do mercado imobiliário. A par das rendas, os empresários têm que contornar a escassez de mão-de-obra, já que é difícil contratar trabalhadores residentes para funções de ajudantes de cozinha ou empregados de mesa.

Ainda assim, os empresários não desanimaram e abriram os seus projectos: Noémia e Constantino José, acabados de chegar do Algarve, criaram um conceito de tasca portuguesa com aparência cuidada, que inauguraram em Junho de 2013. Francisco Isöo, arquitecto de profissão e chef por paixão, instalado em Macau há seis anos, mas com incursões na Ásia desde os anos 1990, optou por um projecto arrojado e inovador em termos de arquitectura e design do espaço e de menu.

O restaurante, aberto desde Outubro de 2013, está integrado numa lógica de grupo empresarial, o In Asia Group, onde se inclui uma empresa importadora de vinhos, outra de design, e que tem como sócio o proprietário do restaurante Miramar, em Coloane. “Temos pratos tradicionais portugueses reinterpretados”, explica Francisco Isöo, filho de pai português e de mãe húngara, criado no seio de uma família tradicional do norte de Portugal ligada à produção de vinhos desde há 600 anos. O projecto de Francisco Isöo, que renovou um prédio de vários pisos na vila da Taipa, pelos quais se distribuem um bar, uma sala de jantar e um terraço ao ar-livre com mesas, pretende ser uma montra dos vinhos importados pelo grupo.

O restaurante, explica, “é um projecto novo, com pretensões diferentes”. “Aqui o arquitecto é o chef, tem outra visão da relação do design, do espaço como influenciador do comportamento humano. Comer tem de ser uma experiência variada. A fórmula, a visão que eu quero para aqui – sou talvez um romântico – é fazer alguma coisa diferente do que vejo ao meu redor. Até tenho um sócio completamente tradicional nos moldes de Macau, mas estou a fazer aqui qualquer coisa radicalmente diferente.”

O chef e arquitecto, com experiência de trabalho em restaurantes de topo de todo o mundo está ainda a testar e a avaliar o modelo que inventou para o seu restaurante de tapas e vinho e admite poder ter que vir a mudar daqui a algum tempo para ajustar-se mais ao que as pessoas estão habituadas. “O cliente chinês procura a experiência da comida portuguesa e os restaurantes portugueses locais mais antigos tendem a adaptar a comida ao gosto do cliente, o paladar está entrosado com o chinês. O consumidor chinês é muito exigente, é capaz de ser o povo que mais come fora de casa. E não deixa de ser um público informado e sofisticado.”

Para já, para atrair os clientes bastou “abrir a porta, eles foram entrando e passando palavra”, refere. “Acho que fomos dando nas vistas, talvez por o projecto não se enquadrar no esquema normal. Há aqui uma grande necessidade do local, do residente, do expatriado de ter novas ofertas. Então procurámos uma alternativa aos restaurantes sofisticados de hotel.”

 

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A Baía, de ouvidos abertos

Para Constantino, que partilha com a mulher Noémia a cozinha e a propriedade do restaurante A Baía, aberto em Junho de 2013, “o sucesso é a pessoa comer e dizer que está gostoso”. Saídos do Algarve onde foram donos de um restaurante durante mais de 30 anos, o casal já se acostumou a ver os seus pratos avaliados por desconhecidos e os comentários a serem publicados em sites como o TripAdvisor ou Facebook.

O restaurante, inclusive, já consta, em chinês, num guia de Hong Kong, o Smart Guide, distribuído com o Sing Tao Daily, num artigo feito por alguém que foi ao restaurante, encomendou, fotografou, comeu, pagou e saiu sem nunca dizer quem era ou que tencionava publicar a sua experiência. O certo é que desde que abriram, Noémia, na cozinha, e Constantino, na sala a orientar os pedidos, não têm mãos a medir. Há dias que servem 50 refeições ao almoço e outras 70 ao jantar.

“Ao criar este restaurante em Macau o que tínhamos definido à partida é que ou eu ou a minha esposa cozinhávamos. Qualquer casa que eu tenha, a comida tem que ser cozinhada por pessoas portuguesas. Neste momento é a minha mulher que está a cozinhar, de vez em quando eu dou uma ajuda”, explica. Para o empresário, oriundo do Alentejo mas que viveu quase toda a vida no Algarve, Macau está a ser uma boa aposta. “Tenho quase garantidos em 90 por cento os ingredientes portugueses. As pessoas têm muito o hábito de comer fora. O mercado aqui é um dos melhores do mundo em termos de consumidores.”

 

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Os novos chefs e restaurantes portugueses

Fado

Hotel Royal, Macau

Abertura: Junho de 2013

Chefs principais: Marco Gomes e Luís Américo, chef executivo: João Pereira

Tel. (853) 28552222

 

Guincho a Galera

Hotel Lisboa, Macau

Abertura: Janeiro de 2012

Chef Martinho Moniz assina o projecto desde a inauguração.

Tel. (853) 28883888

 

Gosto, Galaxy Macau

Cotai

Abertura: 2011

Chef Mário Gil, assina a reformulação do projecto, desde Abril de 2013

Tel. (853) 88832221

 

In – Wine & Tapas,

Rua Correia da Silva, nº 56, Vila da Taipa

Abertura: Outubro de 2013

Chef Francisco Isöo

Tel. (853) 28576700

 

A Baía

Rua de Londres, nº88, NAPE, Macau

Abertura: Junho de 2013

Chefs Noémia e Constantino José

Tel. (853) 28751465