Paz em Moçambique inspira negócios em português

Os países de língua portuguesa representam já cerca de um quinto das trocas comerciais da China com África. O X Encontro de Empresários para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa realizado em Maputo, em Agosto, vem reforçar ainda mais a ideia: a relação sino-lusófona está, mais do que nunca, de boa saúde

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Texto Henrique Botequilha | Fotos António Silva*

Em Moçambique

*Especial Agência Lusa/Revista Macau

 

Quando as delegações chinesas e de sete países de língua portuguesa começaram a afluir ao Centro de Conferências Joaquim Chissano, em Maputo, no mesmo local e no mesmo dia 24 de agosto, o Governo moçambicano e o principal partido de oposição selaram um acordo de paz, para encerrar uma crise de confrontações militares que se arrastava há um ano e meio.

A maioria dos recém-chegados para o X Encontro de Empresários para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa ignorava que, num plácido domingo e naquele centro de conferências, Moçambique estava a virar uma página histórica, ao fim de uma complexa e longa negociação política que contribuirá para quaisquer outras que se realizem no futuro no país africano, e, por coincidência de calendário, logo a partir do dia seguinte.

“Em guerra a economia não cresce, em paz a economia floresce”, observou o vice-primeiro-ministro português, Paulo Portas, que a, 25 de agosto, esteve presente na inauguração da 50.ª edição da Feira Internacional de Maputo (Facim), nos arredores da capital moçambicana, em paralelo com o início da agenda dos representantes da China e dos países de língua portuguesa em Maputo.

Segundo dados da organização do encontro, cerca de 400 participantes de agências de investimento, câmaras de comércio, associações industriais e empresas da China, Portugal, Brasil, Timor-Leste e todos os países africanos de língua portuguesa (à excepção de São Tomé e Príncipe) realizaram 500 contactos em bolsas de negócios, incluindo aqueles que decorreram na maior feira empresarial de Moçambique e onde se fizeram representar 2000 empresas e instituições moçambicanas e 700 estrangeiras.

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Investimento de Macau

Os números traduzem “o pulsar económico” moçambicano, segundo João Macaringue, presidente do Instituto para a Promoção das Exportações de Moçambique (IPEX), entidade organizadora da Facim e também anfitrião do encontro de empresários chineses e lusófonos, num país que, apesar das ameaças sombrias da guerra, insiste em crescer continuamente acima dos sete por cento e com perspectivas de grandes investimentos, inspirados pela descoberta de reservas imensas de recursos naturais.

A escala dos números encontra eco também nos memorandos alcançados no final das rondas de contactos empresariais e institucionais, a 26 de agosto, no âmbito do encontro empresarial, com o anúncio de um projecto de 50 mil habitações sociais em quatro províncias moçambicanas, no âmbito de um acordo entre o Fundo de Fomento de Habitação de Moçambique e a empresa Charlestrong Engenharia, Tecnologia e Consultoria, de Macau, num investimento de 5,5 mil milhões de dólares.

Os mesmos parceiros concordaram também construir 240 apartamentos na segunda fase da Vila Olímpica de Maputo, com um custo de 30 milhões de dólares, naquele que foi o segundo entendimento anunciado na reunião de Maputo, a que se somou uma carta de intenção para investimentos na indústria de processamento de caju moçambicana.

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Plataforma a dar frutos

O presidente do instituto para a Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), uma das entidades promotoras do evento, a par do IPEX e do Conselho Promotor do Comércio Internacional da China (CPCIC), adiantou que, desde o seu início em 2007, esta plataforma já reuniu mais de 3000 empresários e 2600 rondas de contactos nas áreas de infraestruturas, serviços financeiros e imobiliários, energia, turismo, comércio e produtos alimentares e agrícolas.

Jackson Chang disse também que um dos caminhos para o reforço das relações deste espaço empresarial é justamente o da alimentação e que os empresários de língua portuguesa vão ser convidados a apresentar os seus produtos em Macau.

“Em Outubro, vamos realizar um encontro, no qual pretendemos atrair exportadores dos países de língua portuguesa, sobretudo na área alimentar. Através desta plataforma, os empresários vão poder expandir os seus negócios e procurar oportunidades no mercado da China”, destacou.

Segundo Jackson Chang, “este encontro empresarial serve exactamente para procurar um maior equilíbrio nas relações entre a China e os países de língua portuguesa”, atendendo à estrutura das relações comerciais dentro deste espaço, com Pequim a apresentar um saldo desfavorável de 43,5 mil milhões de dólares em 2013, num volume total de trocas acima dos 131 mil milhões.

Apresentando um balanço das relações económicas de Pequim com os países de língua portuguesa, o secretário-geral do Fórum Macau, Chang Hexi, disse que, no primeiro semestre de 2014, as trocas comerciais foram superiores a 64 mil milhões de dólares, estimando que estes valores possam aumentar, atendendo aos acordos assinados pelos governos dos países-membros do Fórum durante a 4.ª reunião ministerial da plataforma, decorrida em Macau, em Novembro de 2013.

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Soluções conjuntas

Para facilitar essa ligação, Portugal ofereceu-se como intermediário, disponibilizando a sua experiência em mercados africanos, sobretudo nas economias de elevado crescimento e ricas em recursos naturais, como Angola e Moçambique.

“Infelizmente Portugal não tem recursos naturais, mas tem empresas com conhecimentos para explorar essas reservas”, lembrou Pedro Ortigão Correia, vice-presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), considerando que se trata de “um casamento perfeito” com a China e também com as firmas dos países africanos, que precisam de apoio para estabelecer parcerias.

Durante a Facim, o vice-primeiro-ministro português enfatizou que “Portugal é um país muito interessado no Fórum Macau”, lembrando o fundo de mil milhões de dólares, lançado em Junho de 2013 para financiar projectos empresariais no espaço lusófono, e que, segundo Paulo Portas, pode “direccionar do ponto de vista da construção e do progresso os mercados lusófonos”.

O Banco de Desenvolvimento da China informou em Maputo que o Fundo de Desenvolvimento para a Cooperação recebeu 50 candidaturas, cuja viabilidade está a ser analisada, com incidência no agronegócio, turismo, transportes, comunicações e indústria.

Além do incentivo à interacção entre a China e a Lusofonia e do financiamento de projectos, este espaço deve também favorecer o “empenho dos países na busca conjunta de soluções para a melhoria do ambiente de negócios”, defendeu o primeiro-ministro moçambicano, Alberto Vaquina, que, na abertura da reunião de Maputo, propôs ainda uma “reflexão sobre o modelo de gestão das economias”, com uma preocupação dirigida para os efeitos da recente crise financeira global.

A realização deste encontro de empresários decorre de um acordo celebrado em 2003 pelos ministros do comércio da China e de todos os países de língua portuguesa no âmbito do Fórum Macau. O Fórum foi criado pela China como plataforma de ligação aos países de língua portuguesa, devido ao seu desenvolvimento e à sua distribuição por quatro continentes, com grandes reservas naturais não exploradas e que, no seu conjunto, representam um mercado de consumo de mais de 200 milhões de pessoas.

A próxima reunião de empresários chineses e lusófonos decorrerá na Guiné-Bissau.