Negócios | O céu é o limite

Quatro décadas passaram desde que a China e o Brasil se tornaram parceiros comerciais. O sucesso é tremendo, mas ainda há muito por explorar. Empresas brasileiras falam na primeira pessoa e partilham as suas expectativas para o futuro

Xi Jinping e Dilma Rousseff

 

Texto Alexandra Lages

 

O Brasil e a China comemoraram no ano passado quatro décadas de parceria comercial graças ao estabelecimento de relações diplomáticas em 1984. Dados da Confederação Nacional da Indústria do Brasil apontam que na última década a corrente de comércio entre os dois países aumentou dez vezes, o que faz do país sul-americano o terceiro principal parceiro mundial dos chineses. No universo lusófono, os brasileiros ocupam a liderança absoluta e, neste momento, a China é o sexto maior destino de investimentos das multinacionais brasileiras. Ainda assim, empresários e analistas brasileiros acreditam que ainda há muito potencial por explorar.

Em declarações à MACAU, o analista Santiago Bustelo, do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), diz que existem cerca de 80 empresas brasileiras presentes no mercado chinês, focadas sobretudo em três áreas de actuação: prestação de serviços, como escritórios de advocacia, consultorias de negócios, tradings e bancos; produção de manufacturas, e recursos naturais. A Petrobras, empresa estatal, insere-se nesta última categoria. Começou a estabelecer uma relação comercial de sucesso com a China há 14 anos: “Hoje, vendemos petróleo para os principais refinadores detentores de cotas de importação naquele mercado”, afirma Terezinha Santos, porta-voz da multinacional.

A procura de petróleo por parte da China “continuará a crescer nos próximos anos”, e por isso mesmo, a Petrobras “pretende participar activamente neste mercado, comercializando petróleo”, garante a porta-voz. A empresa brasileira possui outros parceiros internacionais, mas a China representa um dos principais destinos das exportações.

Dados compilados pelo Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil mostram que no primeiro semestre de 2014 o Brasil exportou óleos brutos de petróleo para a China no valor de 1591 milhões de dólares norte-americanos, num total de 2398 toneladas. A Petrobras assinou acordos de cooperação com a chinesa Sinopec em 2004, no mesmo ano em que a firma brasileira inaugurou o seu escritório na China. O documento prevê a exploração conjunta de petróleo em águas profundas e o desenvolvimento de refinarias.

Em 2005, a Petrobras e a China National Petroleum Corporation (CNPC) assinaram um memorando de intenções para avaliar a viabilidade de uma parceria nas áreas de refino, dutos, exploração e produção de petróleo no Brasil, na China e em outras regiões do mundo. Actualmente, a companhia estatal brasileira é parceira da CNPC nos campos de pré-sal.

Apesar das relações com a China estarem a decorrer de vento em popa, Terezinha Santos prevê alguns desafios para o futuro. “Há sinais de que o governo chinês venha a flexibilizar a regulamentação do sector de petróleo permitindo que pequenos e médios refinadores tenham direito a cotas de importação de petróleo. Caso isso aconteça, estaremos diante do desafio de desenvolver este novo segmento de mercado competindo com outros produtores de óleo.”

O petróleo ocupa o terceiro lugar na pauta de exportações brasileiras para a China, representando 6,7 por cento das vendas na primeira metade de 2014. Em primeiro lugar, com 50,2 por cento, está a soja, seguida do minério de ferro.

 

Marco Polo

 

Momento de desenvolvimento

No sector dos serviços, a mais recente novidade foi a abertura da primeira agência do Banco do Brasil (BB) em Xangai, em Maio do ano passado. Sérgio Quadros, gerente da instituição na maior cidade chinesa, afirma que o objectivo “é actuar no fluxo de comércio entre o Brasil e a China, atendendo a empresas brasileiras que se estabelecem na China e empresas chinesas que estão investindo no Brasil, além de bancos chineses”. O balanço de quase um ano de abertura é positivo e o banco está a tentar tirar partido do crescente interesse de empresas brasileiras e chinesas de olho no comércio bilateral. “Somos especializados na participação em operações sindicalizadas e financiamento de investimentos fixos de empresas brasileiras na China. No Brasil, oferecemos várias linhas de crédito muito competitivas para auxiliar os investimentos das empresas chinesas no país”, refere.

Quando abriu portas, contava com 45 clientes dentre as cerca de 80 empresas brasileiras com negócios na China, mas o potencial de negócio ainda é grande. “O momento é de desenvolvimento e prospecção de oportunidades para apoiar a expansão do fluxo de comércio bilateral”, aponta Sérgio Quadros. Várias empresas chinesas que possuem negócios com o mercado brasileiro ou interesse em investir no Brasil estão a abrir conta no BB Xangai. “A nossa previsão é de contínuo crescimento em razão das oportunidades que existem entre os dois países, aumento do fluxo de comércio, vinda de empresas brasileiras para a China e chegada de mais empresas chinesas ao Brasil”, afirma.

O Banco do Brasil é o primeiro banco da América Latina a abrir portas em território chinês. “Conhecemos muito bem o mercado brasileiro e podemos apoiar nossos clientes na China, porque já temos relacionamento de longo prazo no Brasil. Estamos aptos também a apoiar as empresas chinesas que estão se instalando no Brasil, ou que pretendem aumentar as suas vendas para o mercado brasileiro, com um amplo portefólio de produtos e serviços para oferecer.”

Num estudo que avaliou as exportações do Brasil para a China e o consumo do mercado chinês, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX) identificou um novo nicho de oportunidades na área agro-alimentar. Três quartos das exportações brasileiras concentram-se apenas na soja, e a agência aponta que o milho tem potencial para “tornar-se relevante na pauta das exportações” dado o crescente consumo na China. As carnes de porco, vaca e de frango, mel, vinho, cerveja, café e sumos de fruta são outros itens que devem captar a atenção dos empresários brasileiros.

 

Embraer

 

Dificuldades pelo caminho

Um relatório do CEBC divulgado em 2012 aponta que são muitas as dificuldades encontradas pelos brasileiros para operar na China, como as diferenças culturais, a distância física, a falta de informações sobre o mercado chinês e de como entrar nele, a regulamentação de diversos sectores pelo governo local, as divergências estratégicas com parceiros locais e o não reconhecimento da China de práticas internacionais de respeito à propriedade intelectual.

Nesse sentido, o Banco do Brasil pretende oferecer produtos e serviços à medida das necessidades das empresas brasileiras para driblar estas dificuldades. “Acredito que o mesmo ocorra com as empresas chinesas que se instalam no Brasil, em especial no que tange a mercado e legislação, principalmente a tributária”, diz Sérgio Quadros.

Olhando para o futuro, o executivo entende que a China vai continuar a ser o principal parceiro comercial do Brasil e as relações comerciais vão aumentar ainda mais. “Isso tende a ocorrer não só pela importação de commodities, mas de outros produtos agregados. Vale citar, como exemplo, o interesse que vem sendo demonstrado pela China em relação à carne brasileira. Além disso, cada vez mais as empresas brasileiras enxergam a China como um mercado consumidor – e não somente exportador de manufacturados –, o que propicia o aumento na quantidade de empresas brasileiras em instalação na China,” afirma.

De acordo com o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil, o fluxo comercial entre o Brasil e a China totalizou, no ano de 2013, 83,3 mil milhões de dólares, reflectindo-se num aumento de 10 por cento em relação ao ano anterior. Foi ainda um recorde histórico, superando, em oito por cento, o antigo pico de 77,1 mil milhões registado em 2011.

A fabricante de aviões comerciais Embraer, que figura entre as líderes no mercado mundial, é uma das mais conhecidas empresas brasileiras actuantes da China que conseguiu superar barreiras e ganhar o seu espaço. A companhia inaugurou uma fábrica em 2002 e, após um período de dificuldades, retomou as actividades em 2012 por meio da assinatura de um acordo para o fabrico de jactos executivos – modelo Legacy 600/650 – usando infra-estruturas, recursos financeiros e mão-de-obra da joint venture Harbin Embraer Aircraft Industry Co., Ltd. (HEAI). Segundo a Embraer, o mercado chinês é um dos mais importantes para a indústria aeronáutica e em mais de dez anos de operação, a empresa constituiu uma base sólida de clientes chineses, que incluem companhias como China Southern Airlines, China Eastern Airlines, Tianjin Airlines, Hebei e Henan Airlines Airlines.

Outra empresa brasileira que também investe na área de transportes na China é a Marcopolo, fabricante de carroçarias de autocarro instalada no sul do Brasil desde 1949. Em 2001, abriu uma fábrica de componentes na Província de Jiangsu, que abastece fabricantes de autocarros chinesas e de outros países da Ásia. A aproximação com o governo chinês e a instalação no país foram importantes para romper as barreiras de exportação que empresa enfrentava.

 

Café do Brasil

 

Simplificar é preciso

Em 2006, o casal João Bonatto e Marianne Novaes reparou num número crescente de brasileiros interessados em importar produtos da China, e de chinesas com vontade de exportar para o Brasil. Por isso, decidiu criar uma empresa em Hong Kong – a Fama – que servisse de elo de ligação entre os dois lados, prestando assessoria a empresários. O café entrou na lista das prioridades quando João e Marianne repararam que o interesse dos consumidores chineses em relação à bebida estava a mudar. Criaram a empresa Red Gold Coffee no ano passado e começaram a importar café directamente do produtor, que faz parte da família da dupla de empresários.

Marianne até está a completar um doutoramento em consumo na Universidade Sun Yat-Sen, e depois de já ter vivido em Hong Kong, Pequim e Shenzhen, não tem dúvidas em afirmar que há ainda muito trabalho a ser feito pelos brasileiros na China. “Quem tem olho grande não entra na China, já dizia um velho ditado. O mercado é muito grande e próspero, mas muito trabalho ainda deve ser feito”, diz o marido João.

Actualmente, a empresa Fama tem dez clientes brasileiros. Já no que diz respeito aos clientes chineses, é um segmento ainda a desenvolver. Contudo, segundo João Bonatto, a empresa já tem quatro clientes chineses a importar café. O empresário acredita que o volume de negócios entre a China e o Brasil poderia ter uma dimensão muito maior, e por isso apela aos governos de ambos os países para facilitarem os processos alfandegários para as pequenas e médias empresas.

O brasileiro acredita que Macau e Hong Kong têm uma palavra a dizer na melhoria das relações comerciais entre a China e o seu país. “Pode ser uma grande chance para Macau e Hong Kong conseguirem se identificar ainda mais com o comércio internacional entre os dois países, auxiliando ambas as partes, simplificando e estimulando o comércio entre os dois países. Promovendo a facilidade de serem portos livres e desmistificando os processos.”

Neste momento, a empresa Fama está a desenvolver um projecto de energia solar e um portal onde os fabricantes chineses podem divulgar os seus produtos directamente parara regiões e clientes no Brasil. Os dois projectos deverão ser lançados em breve.

 

Petrobras

 

Plataforma para a América Latina

Após quatro décadas de relações comerciais, o Brasil procura agora atrair investimento chinês para o país, principalmente na área dos transportes e da logística. O presidente do CEBC, Sérgio Amaral, acredita que os dois países entraram numa nova fase de cooperação e de parcerias empresariais mais diversificadas. O Brasil pode beneficiar da experiência e tecnologia chinesas para actualizar infra-estruturas de transportes, entre outras.

Numa visita oficial ao Brasil em Julho do ano passado, o presidente chinês Xi Jinping apresentou objectivos muito para além da cooperação bilateral. Apesar de já ter grandes investimentos na América Latina, os chineses querem usar o Brasil como plataforma de lançamento para novos projectos com os vizinhos latino-americanos. O Chefe de Estado chinês propôs a criação de dois fundos, no valor de 25 mil milhões de dólares, e de uma linha de crédito especial de até 10 mil milhões para os países da América Latina e do Caribe. Durante a reunião com países da região, organizado em Brasília, o presidente chinês também propôs a criação do Fórum América Latina-Caribe e China, que deve reunir-se pela primeira vez este ano em Pequim.

Até então, a relação da China com a América Latina tem sido a de concentrar investimentos em áreas de matéria-prima, especialmente minério, mas sem associações com empresários locais e relações políticas mais profundas. A excepção tem sido o Brasil, com quem a coordenação tem sido maior, incluindo os projectos de cooperação, e onde o país tem aumentado os investimentos em parcerias. A intenção chinesa de usar o Brasil como plataforma pode ampliar os benefícios para os brasileiros, até a manutenção de mercados tradicionais do país na região, que poderiam ser perdidos se os chineses actuassem por conta própria.

 

*****

 

China_Brasil

 

Top das importações brasileiras para a China

1

Aparelhos eléctricos para telefonia ou telegrafia

US$ 1,4 mil milhões

 

2

Produtos químicos orgânicos

US$ 1,01 mil milhões

 

3

Aparelhos e partes para rádio e televisão

US$ 910 milhões

 

4

Partes e acessórios para máquinas e equipamentos mecânicos

US$ 742 milhões

 

5

Ferro fundido, ferro e aço

US$ 656 milhões

 

 

Top das exportações brasileiras para a China

1

Soja

US$ 12 mil milhões

 

2

Minérios de ferro e seus concentrados

US$ 6,7 mil milhões

 

3

Óleos brutos de petróleo

US$ 1,6 mil milhões

 

Balança comercial em 2014
Exportações               US$ 23,9 mil milhões                        +4%

Importações               US$ 18,4 mil milhões            +5%

Saldo                           US$ 5,5 mil milhões              +2%

Corrente                     US$ 42,3 mil milhões            +4%

 

Projectos de investimento chinês no Brasil 2012-2013

Anunciados                7

Confirmados              24

 

Valor dos projectos

Anunciados                US$ 1,6 mil milhões

Confirmados              US$ 6,9 mil milhões