Cultura | Da criatividade fez-se um bairro

Entre as sombras de um dos ex-libris de Macau, as Ruínas de São Paulo, nasceu aquele que é o primeiro de vários projectos na área das indústrias criativas, idealizados pela empresa privada Number 81. Cor, luz e arte invadiram as ruas e estão para ficar no primeiro bairro criativo de Macau

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Texto Filipa Araújo | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

A Rua de Nossa Senhora do Amparo e o Pátio de Chôn Sau não mais carregam entre si o silêncio de um espaço vazio e de entulho acumulado de vida de quem que por ali habita. Desde o início de Fevereiro que o silêncio desta artéria foi rasgado pela cor e movimento de um novo projecto.

Number 81 é o nome da empresa privada responsável por esta iniciativa. Preocupada com a cultura e ciente da urgência na aposta das indústrias criativas, a companhia dedicou-se por inteiro ao desenvolvimento de um ponto cultural em Macau.

Um ano depois este é o resultado: um bairro criativo que dá espaço a jovens artistas de expor e comercializar as suas criações. “O projecto conta com 12 lojas, mas apenas nove estão abertas ao público para já”, começa por partilhar Duarte Silvério, um dos gestores do projecto. Por ali há um pouco de tudo, a arte em variadas formas de o ser, comida, roupa, esculturas, quadros e até doces. Muitos são também os nomes de artistas que ali marcam presença de diferentes nacionalidades, sejam eles artistas locais, portugueses, chineses ou africanos.

São as estátuas animadas – principalmente de cabras coloridas, fazendo jus ao ano que acabou de começar – que saltam à vista de quem por ali passa. Com o chão carregado de cor, e com as montras das lojas a condizerem, esta nova rua ganha outra vida. Que o digam os que nos prédios antigos moram. “Tentámos durante todo o processo de criação deste pólo criativo, e continuamos a tentar, ter uma relação de respeito e entreajuda com os residentes desta zona”, explica o representante, sublinhando sempre a boa aceitação dos moradores. “Eles gostam de como ficou a rua: está mais animada, mais limpa, tem mais gente. Algumas das suas casas foram também remodeladas, pintámos algumas paredes, fizemos alguns arranjos em coisas estragadas, portanto há uma boa relação”, clarifica Duarte Silvério, adiantando que “tendo em conta o abandono da rua antes deste projecto, é normal que seja bem aceite”.

 

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Criatividade no topo

É de facto o sector das indústrias criativas que detém o papel principal neste projecto, sendo então a grande aposta da empresa, que conta com diversos apoios privados. “É inegável a nossa aposta nas indústrias criativas e nas artes, mas não deixa de ser verdade que também queremos trazer mais além disso”, adianta Duarte Silvério. A Number 81 quer por isso criar uma vasta variedade cultural na zona e por isso mesmo o processo de selecção de candidatos para ocupar as lojas não tem sido tarefa fácil.

“Algumas lojas foram propostas nossas por convites, mas desde que o projecto foi inaugurado tem existido uma grande procura por parte de investidores, que querem marcar presença neste espaço”, conta o representante, sem negar que a empresa pretende “crescer com calma e escolher bem os seus parceiros”. Segundo ele, a empresa “está com uma postura de total abertura”, mas será sempre feita uma avaliação ao tipo de lojas que se idealizaram e pensaram para o local. “Algumas são parceiras outras estão arrendadas”, aponta, adiantando que os preços das rendas são ligeiramente mais baixos que os praticados no actual mercado imobiliário. “No final das contas isto são negócios e os negócios só funcionam se os números concordarem entre si”, clarifica. Sem entrar em pormenores, avança apenas que o investimento total no projecto ultrapassou os nove dígitos de orçamento.

 

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Primeiro entranha-se

O retorno dos comerciantes, também ele, tem sido “bastante positivo”, conta Duarte Silvério. Caso disso é a pastelaria Cacao Patisserie, a terceira em Macau, que apostou “de forma bastante forte neste pólo”. “Este nosso parceiro trouxe um chef de França para esta loja e têm tido bastante sucesso.” As funcionárias confirmam-no: a procura tem sido grande.

Ao percorrer a rua os olhos são atraídos por uma mancha de cores vivas e cheiro doce. É a Buddy, um loja de guloseimas. “Queríamos ter um espaço que agradasse a qualquer tipo de público, mulheres, homens, novos e velhos”, começa por explicar o representante, adiantando que “para além de toda a cor que esta loja tem nada melhor que doces para agradar às crianças”, não sendo só elas as seduzidas. A colaboradora que ali passa os dias conta que muitas têm sido as pessoas que ali entram, “principalmente pelo tecto ser todo decorado com balões”, e são muitas, diz, as que não resistem e compram doces. “E não é só para as crianças”, brinca.

Bem lá no fundo está a Kuso, uma galeria onde o artista Mário Reis está representado com as suas peças em cerâmica. Ao lado surgem os tons quentes da África do Sul, com a loja de artesanato Paper Scissors Rocks. À espreita está a loja Tow, com peças de arte de vários artistas chineses, sendo que um deles se dedica quase por inteiro à criação de mobílias tradicionais chinesas, desenhando-as “de uma forma moderna: em acrílico”. De Itália surge ainda a Murano Glass, bem conhecida pelas suas obras em vidro, que segundo se percebe ao entrar na loja e pelo número de peças vendidas, muito tem agradado ao público. Duarte Silvério assim o confirma: “A arte e as indústrias criativas têm conquistado o público chinês e pode ser uma excelente aposta para a diversificação da economia da Macau”. “Como se pode ver pela variedade de lojas, queremos trazer uma diversidade, coisas que não existem cá em Macau.” Para breve está também a abertura do café macaense SAB8 que fará as delícias dos admiradores da gastronomia local.

 

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Ver, comprar e saborear

Sem levantar o véu quanto às próximas parcerias e possíveis lojas, Duarte Silvério garante que o projecto “não vai ficar por aqui”, adiantando apenas que a empresa Number 81 já chegou a acordo com um investidor do imobiliário para construir novos pólos criativos, que incluem galerias e ruas coloridas. Este não foi o primeiro projecto da empresa privada. No ano passado, a Number 81 foi a responsável pela abertura de uma galeria no Largo do Lilau. “Esta também foi uma tentativa para reabilitar aquela zona que apesar de tão característica e ponto de turismo de Macau não tem vida, pouco ou nada se passa por lá, para além da Casa de Mandarim”, explica. “A aposta nas indústrias criativas e na criação deste tipo de pólos criativos traz outra coisa a Macau e às suas gentes: uma aposta na reabilitação de bairros antigos”, que é uma também um dos planos contemplados no projecto e idealizados pela empresa. A dedicação a este tipo de projectos passa também por trazer um mercado turístico diferente à região. “Macau não é só jogo, há mais, temos muito mais”, defende. É, então, no conjunto destes três factores – diversificação económica, reabilitação dos bairros antigos e turismo, unidos às industrias criativas – que o projecto detém as suas bases.

O próximo projecto surgirá ainda este ano noutra zona de Macau. “Queremos, como tenho sempre defendido, crescer de forma orgânica, natural. A empresa não está interessada num boom de crescimento, isto porque, a dona da empresa é uma pessoa muito ligada às artes e ao mundo artístico, gosta claramente das indústrias criativas e considera que isso faz falta a Macau. Esses factores e o facto de termos pessoas com vontade de o fazer, trouxe-nos até aqui e levar-nos-á a outros sítios com certeza.”

Nestes primeiros meses de existência a Rua da Nossa Senhora do Amparo e o Pátio de Chôn Sal já foram local de visita de milhares de curiosos, turistas e locais, e alvo de outras milhares de fotografias. “É engraçado ver as pessoas que começam a espreitar curiosas e depois claro tiram imensas fotografias. Macau nunca viu nada assim.”

 

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