Festival da Lusofonia de Goa, o reatar de ligações históricas

Depois de em 2014 ter recebido a terceira edição dos Jogos da Lusofonia, Goa volta a impulsionar as suas ligações com o universo dos países de língua portuguesa. Durante um mês, entre Fevereiro e Março, o Estado indiano organizou pela primeira vez o Festival da Lusofonia. Macau esteve representado com uma exposição fotográfica sobre a vida quotidiana da cidade pelas lentes da artista Margarida Fernandes. O sucesso do evento já lhe ditou o futuro: ano que vem, há mais

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Texto Fernando Monte da Silva | Fotos Sanket Chavan e Arlindo d’Miranda

Em Goa, Índia

 

Uma colecção de fotografias do século XIX, exposições sobre Macau, Angola e Timor-Leste, aulas de samba e workshops de culinária foram os itens que compuseram o vasto cardápio do primeiro Festival da Lusofonia de Goa. De 20 de Fevereiro a 20 de Março, foram 30 dias recheados de sabores, danças, artesanato, música e cultura dos países de língua portuguesa. Aurobindo Xavier, presidente da Sociedade Lusófona de Goa, que organizou o evento, aponta que a iniciativa é “uma tentativa de reatar ligações históricas” e que veio para ficar.

“Depois de 1961 [quando os territórios portugueses de Goa, Damão e Diu foram anexados pela União Indiana], Goa perdeu muitas das afinidades que tinha com as antigas colónias portuguesas como Brasil, Moçambique, Macau e Timor-Leste. Por razões de natureza política, houve um esfriamento dessas relações e só nos últimos 20 anos a Índia facilitou os contactos de Goa com esses países lusófonos”, refere Aurobindo Xavier.

Um dos pontos altos do certame foi a exposição “Viagem ao Oriente”, da colecção do Museu de Lamego, que levou pela primeira vez ao estrangeiro um conjunto de fotografias dos primórdios do século XIX que retratam as aventuras das viagens marítimas de Lisboa a Timor, passando pelo Canal do Suez, o Egipto, Bombaim, Goa, Damão, Nagar-Aveli, Sri Lanka e Indonésia. “Trata-se de um conjunto de imagens inéditas, expostas pela primeira vez em Portugal no ano passado. É um projecto muito interessante que resultou da identificação e do inventário de espólios fotográficos familiares do Douro. As imagens transportam-nos para um mundo novo, no auge da descoberta e do fascínio da Europa pelo Oriente”, apontou o presidente da Sociedade Lusófona de Goa. Depois da Índia, a exposição segue para Londres.

De Macau chegaram imagens da vida quotidiana, da herança arquitectónica portuguesa e da harmonia entre portugueses e chineses. Pelas lentes de Margarida Fernandes, viu-se uma Macau quase que parada no tempo, com as tradições chinesas e o ambiente europeu combinados em cada retrato na exposição “Glimpse of Macau”, patente na galeria Sanskruti Bhavan de Panjim. Houve ainda mostras fotográficas sobre “as paisagens e povo” de Angola e um “olhar turístico” sobre Timor-Leste.

 

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Laços arquitectónicos e gastronómicos

A conservação arquitectónica em Portugal e Goa foram o tema de um debate entre arquitectos dos dois países, numa altura em que grande parte dos prédios antigos da região indiana já foram demolidos para abrir espaço para construções mais modernas. O português Gerson Rei de Coimbra e o goês Ketak Nachinolkar sentaram-se à mesa da Biblioteca Central do Estado de Goa, em Panjim, para discutir afinidades arquitectónicas e trocar impressões sobre a preservação de edifícios de grande valor histórico.

No que toca à gastronomia, muito mais do que provar, os goeses foram convidados a fazer. Um grupo de cozinheiras brasileiras ficou responsável por leccionar um workshop sobre a doçaria tradicional, que mereceu sala cheia. Durante uma tarde inteira, uma plateia composta anotou receitas do quindim, da torta de banana, do brigadeiro, da queijadinha ou da broa Caxambu. Fernanda Figueiró, brasileira que reside há quatro anos em Goa e a chefe das pasteleiras no evento, classifica a experiência como “altamente satisfatória”. “Há muitas semelhanças entre as cozinhas brasileira e goesa. Um festival deste género serve sobretudo para realçar essas semelhanças e aproximar culturas também pelo estômago”, referiu.

O Brasil teve ainda direito à uma festa com toda a popa e circunstância, sob o mote que já diz tudo: “Feijoada e Samba”, em Margão. “Esta foi a primeira vez que Goa teve contacto tão de perto com a cultura brasileira”, aponta o presidente da Sociedade Lusófona de Goa. Houve muita caipirinha – à semelhança do que acontece anualmente no Festival da Lusofonia de Macau – feijoada, pão de queijo e moqueca, e demonstrações de samba. Ao encontro juntou-se ainda os pastéis de bacalhau portugueses, a cachupa cabo-verdiana, o mufete angolano e ainda a quizomba, o kuduro e a zumba. “Esta é uma maneira de demonstrar aos goeses que temos mais semelhanças do que diferenças com estes povos lusófonos”, afirmou Aurobindo Xavier. Não houve, porém, espaço para a comida de Goa, por uma questão estratégica. “A ideia era que os goeses tivessem contacto com outros sabores, por isso deixamos os pratos locais de fora”, explicou o organizador.

 

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Surpresas do Sul e do Leste

Embora grande parte dos eventos do Festival da Lusofonia tenha se realizado no norte de Goa, do sul e da zona oriental sopraram ‘bons ventos’. Em Colva, a galeria Ray’s Atelier recebeu exposições sobre os recursos naturais de Angola e o despertar para o turismo de Timor-Leste e teve casa cheia durante o mês inteiro. Já na zona de Dharbandora, ao leste, uma inesperada multidão juntou-se para ouvir falar das ligações indo-portuguesas e celebrar, a 13 de Março, o “Dia Lusófono”. Para a grande maioria dos presentes no Goa Multifaculty College, esta foi a primeira vez que ouviram falar dos laços históricos entre Portugal e Índia e sobre o universo da lusofonia.

Com uma comunidade lusófona cada vez maior – prova disso é o facto de todos os eventos do festival se terem feito com a colaboração de residentes naturais de países de língua portuguesa residentes em Goa –, a Sociedade Lusófona de Goa quer retomar a festa em Fevereiro de 2016. “Como há muitos brasileiros a residir em Goa neste momento, decidimos dar destaque ao Brasil nesta edição, com uma grande participação também de cabo-verdianos, angolanos e portugueses. Para o ano, vamos ter outro país como destaque”, referiu Aurobindo Xavier.

Anualmente, a Sociedade Lusófona de Goa tem organizado a Semana da Cultura Indo-Portuguesa, com destaque para a música e a literatura. No ano passado, realizou-se também no Estado indiano o congresso internacional sobre a “Índia e o mercado lusófono”. Mas festa como esta, com a participação massiva de goeses, nunca se viu.

 

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