Cátia Miriam Costa*
*Investigadora no Centro de Estudos Internacionais (ISCTE-IUL), colaboradora no Centro de Filosofia das Ciências (UL) e consultadora no DaST (Design a Sustainable Tomorrow)
Testemunha deste facto é o seu património material, devidamente classificado enquanto Património da Humanidade pela UNESCO, e o seu património imaterial. Esta unicidade vem do encontro entre Ocidente e Oriente ou entre as águas doces dos rios chineses com as águas salgadas dos mares sulcados pelos portugueses, como muito bem observaram Chen Su Weng, secretário-geral da Associação de História de Macau, e Cheang Ko Keong, secretário-geral do Conselho do Património Cultural. Vem também da história prévia à presença portuguesa e posteriormente ao cruzamento de povos vindos de diferentes partes da Ásia e de África. É a transformação de uma vila piscatória numa cidade cosmopolita porque aberta, através do mar, a diversas presenças que tornou Macau muito peculiar.
Para além do cruzamento de indivíduos de diferentes proveniências, outros elementos contribuíram para a construção de uma identidade local, como, por exemplo, a introdução da indústria do jogo, incluindo jogos de origem chinesa e europeia. O jogo pode ser considerado um dos motores de mobilidade em Macau, como o tinham sido outras mercadorias e produtos culturais. Lembremos que quando se leva o chá para Portugal, mais do que um produto, está-se a levar um hábito, uma relação com o meio envolvente, um comportamento. Lembremos que foi uma rainha portuguesa, Dona Catarina de Bragança, que introduziu a rotina do chá no Reino Unido. Significa que muitos produtos considerados apenas mercadorias incorporavam já aquilo que definimos como valor cultural e, consequentemente, valor simbólico. Se o chá mudava comportamentos e despertava paladares e olfactos, o comércio da porcelana tinha sobretudo uma finalidade estética, era a sua forma e não o seu uso que determinaram o seu valor nos mercados europeus.
Ter sido porto de saída e entrada de gentes e produtos moldou Macau. A mobilidade que caracterizou desde cedo o território é um traço mantido até hoje. A criatividade e a dinâmica cultural vivem sobretudo da mobilidade, ou seja, dessa capacidade de atrair o mundo, com o que é produzido localmente, daí o interesse que os negócios da criatividade e cultura poderão ter por estes lados (ver caixa). O esforço de Macau na preservação das heranças culturais chinesa e portuguesa contribui para a originalidade dos produtos culturais que aqui se podem produzir.
O carácter único dos produtos criativos e culturais
Os produtos criativos e culturais diferenciam-se dos outros exactamente porque a criação do seu valor acrescentado resultado do valor simbólico incorporado. As marcas e o design de produto podem tornar um objecto funcional em algo com valor cultural e criativo. Já outros produtos, como os objectos de arte, filmes, livros, música, performance, que hoje são comercializados ancoram o seu valor de mercado no seu carácter simbólico. Enquanto produtos culturais são maioritariamente criados para fruição estética, logo o que está em causa é sempre o seu valor simbólico (ver caixa).
Como produtos que pretendem renovar-se permanentemente para não perderem o seu valor simbólico, é a sua unicidade que os torna atractivos. Assim sendo, não se pretende uma produção em escala, mas a produção de um bem ou serviço único. Esta tendência vai ao encontro de uma nova tipologia de consumo que assenta na customização do produto ou serviço para que o consumidor/cliente se sinta único. Ambas tendências podem ser úteis no cenário criativo e cultural em Macau como forma de potenciar a economia local e de dar lugar a uma reconversão do tecido empresarial. Tratar-se-á de aprofundar a secular vocação para a mobilidade, de dar resposta à tendência para a procura daquilo que é impar e manter a marca que Macau foi conseguindo, um espaço vocacionado para o lazer.
É, ainda, de referir que ao contrário da fruição passiva da herança cultural, as indústrias criativas e culturais são extremamente eficazes na recriação de tradições e na partilha de saberes. São, por essa razão, muito adaptadas a fins de recriação a par de uma base cultural. Os workshops de artesanato, a reinterpretação de espaços e a diversificação de finalidades dadas a objectos culturais podem constituir um atractivo específico para os que não gostam do aspecto contemplativo da cultura.
Criatividade, cultura e turismo
A preservação do património cultural, material e imaterial, são importantes na construção do valor simbólico de uma região. Alguns países, como Portugal, depois da aposta na valorização do património tangível, têm agora virado a sua atenção para o património intangível, tendo mesmo lançado um Kit de Recolha de Património Imaterial. O património é, indubitavelmente, uma âncora para o reconhecimento cultural de um lugar, mas o seu potencial pode ser bem maior. Um dos desafios das indústrias culturais e criativas é a criação de produtos e serviços que se renovem constantemente, dado os seus produtos serem geralmente de consumo efémero e se regularem por considerações estéticas que estão em permanente mudança.
De acordo com os dados do Centro de Investigação do Instituto do Turismo, 16,9 por cento das visitas turísticas são motivadas pelo património e 16,7 por cento pela culinária. Significa que duas áreas directamente ligadas à cultura e à criatividade lideram as causas de escolhas do território como destino turístico. Se nos concentrarmos apenas nestes dois aspectos, já é observável o que a oferta de produtos e serviços únicos poderá potenciar numa sociedade que tem um traço constante, a mobilidade e o encontro de diferenças. Os negócios da cultura e criatividade poderão ser a base da diversificação da economia local, mas em simultâneo o retorno a uma história de transacção de produtos culturais. O encontro entre economia e cultura constitui apenas o retomar de uma longa história de convergências baseadas no valor simbólico, como o testemunham o chá e as porcelanas.
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As Indústrias Criativas estão devidamente enquadradas em Macau, seja através de diplomas legais, seja no que concerne a instituições e projectos. Aqui ficam três exemplos deste facto:
- Conselho para as Indústrias Culturais
Criado em 2010, tem por objectivo debater as questões ligadas ao desenvolvimento das indústrias culturais e apresentar propostas de política pública para este sector. Divide-se em três grupos especializados: Grupo Especializado de Promoção das Indústrias, Grupo Especializado de Planeamento de Recursos, Grupo Especializado para o Estudo da Cooperação Regional.
- Quadro da Política do Desenvolvimento das Indústrias Culturais
Este documento define o que se entende por indústrias culturais e criativas e o modo como é expectável que estas contribuam para a diversificação da economia e para a restruturação industrial.
- Plataforma para as Indústrias Culturais e Criativas Portugal-Macau
Projecto desenvolvido no contexto do programa de inovação do ecossistema InovC, com o objectivo de fomentar a partilha de informação e comunicação a par da implementação de parcerias e projectos comuns e da formação e da mobilidade de investimento entre ambos territórios.
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O que está definido como indústria cultural?
Na China e de acordo com a classificação industrial nacional, as indústrias criativas podem ser abranger nove categorias: serviços de notícias, serviços de copyright; rádio; televisão e filmes; Serviços culturais e artes; redes de serviços culturais, serviços culturais e de recriação, outros serviços culturais; bens culturais, equipamentos relacionados com produtos; bens culturais, equipamentos e comercialização de produtos culturais.