Rota das Letras | Letras que formam um todo

Na sua 4.ª edição o Festival Literário de Macau começa a ganhar forma de adulto. Foi em 2012 que dois amantes das letras, palavras e textos decidiram partilhar o seu gosto com a sociedade de Macau. Quatro edições depois a Rota das Letras já conquistou jovens e adultos, artistas profissionais e amadores. O antigo tribunal foi a casa que acolheu esta nova edição que se destacou por ter o primeiro workshop em língua chinesa

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Texto Filipa Araújo | Fotos Tatiana Lages/Festival Literário de Macau

 

O Festival Literário Rota das Letras começa a deixar de ser uma novidade para os que neste território habitam. “Não é um festival direccionado para a comunidade lusófona”, assim começa a nossa conversa com Hélder Beja, vice-director do evento literário, que sublinha que o festival pretende acima de tudo dar “primazia à língua chinesa, aos seus autores, dando depois um peso muito parecido ou igual à literatura, língua e autores lusófonos”.

Depois de três edições passadas é impossível negar a evolução que a 4.ª edição da Rota das Letras sofreu. A âncora do festival continua a ser a mesma: “criar um evento que pudesse reunir durante alguns dias autores da lusofonia e da China e que além disso convidasse essas pessoas a escrever sobre Macau”, assim garantiu a organização. A partir daqui “o conceito foi evoluindo” e passou de uma ideia inicial de palestras para um grupo de actividades, tais como, exposições, concertos, workshops, projecção de filmes, entre outras coisas.

Relembrando o ano de nascimento do evento, Hélder Beja assume que “o local não foi o melhor”, tendo a organização percebido que eram necessários menos convidados e um espaço que os ligasse. E tudo isto aconteceu nesta quarta edição que reuniu mais de 40 convidados num único ponto de encontro: o antigo tribunal de Macau.

“Acho que o festival está muito bem organizado. Já conheço os organizadores e o facto de terem conseguido criar um espaço em comum, apesar de nem todos os momentos literários serem ali [no antigo tribunal], há um ponto de encontro, que foi muito bem aproveitado”, contou João Tordo, autor português e convidado para esta edição.

O vice-director olha para a edição agora terminada com a sensação de dever cumprido e leva uma certeza no bolso. O antigo tribunal “é o sítio ideal para a realização deste festival”. “Queremos que este seja o sítio deste evento, não queremos voltar para o teatro D. Pedro V [local que acolheu o evento nas segunda e terceira edições]”, reforça.

 

Maestro António Victorino de Almeida - Foto de Festival Literario de Macau - Tatiana Lages 3

 

A agradar a todos

A adesão superou as expectativas criadas pela organização, que pela primeira vez viram as suas salas “sem cadeiras disponíveis”. “Tivemos palestras e workshops com sala cheia. A Rota das Escolas – actividade que fizemos com as escolas, onde levámos os autores às escolas para conversar com os alunos e responder a perguntas – foi um dos momentos que nos encheu de alegria. Foi muito bom ver as crianças interessadas e fazer perguntas”, exemplificou Hélder Beja.

Inquestionável foi também a adesão das várias faixas etárias. O público fez-se mostrar e as instalações do antigo tribunal receberam residentes de todas as idades, de todos os interesses e pessoas das regiões vizinhas. “Apesar de serem visitas pontuais, a nossa massa de visitantes é maioritariamente local, recebemos pessoas de Hong Kong, Taiwan e do Interior da China, como por exemplo Zhuhai. Estas são visitas principalmente de profissionais, de autores que conhecem outros autores, de ilustradores, tradutores, pessoas que estão mais na área”, esclareceu.

 

150321_20H_09 Gabriel o Pensador

 

Variedade em cima da mesa

Do leque dos convidados fizeram parte escritores, tradutores, guionistas, escultores, fotógrafos e músicos. Adelino Gomes fez as honras da casa, num pré-evento no dia 18 de Março, com a apresentação do livro Os Rapazes dos Tanques em língua portuguesa, com tradução para inglês. No dia seguinte foi oficialmente inaugurada abertura a 4.ª Edição do Festival Literário, uma sessão em três idiomas – português, chinês e inglês. E é assim mesmo que a organização pretende ser, “um festival trilingue” que permita a todos estar, perceber e participar.

Muito mais nomes marcaram presença nas actividades. João Tordo conduziu algumas palestras em instituições de ensino de Macau, como por exemplo, o seminário “A Caminho de ser Escritor: Carreira e Criatividade” que aconteceu no novo campus da Universidade de Macau. A autora portuguesa Maria do Rosário Pedreira, juntamente com poetas locais, protagonizaram uma das sessões de poesia que aconteceu nesta edição.

Mas não só de letras viveu este festival. A música foi uma das personagens principais. Principalmente com a presença do Maestro António Victorino D’Almeida que brindou o público com concerto ao piano, de improviso. O rapper brasileiro Gabriel, o Pensador encheu o Cotai Arena, na noite que recebeu a primavera, dia 21 de Março, com a companhia de duas outras bandas musicais LMF (Hong Kong) e Blademark (Macau).

A missão do evento está cada vez mais delineada. “Queremos que o festival seja acima de tudo um espaço de reflexão e de pensamento, mas também queremos que seja uma celebração da arte e da cultura, que haja uma parte festiva permitindo que o festival não se fecha a si próprio”, argumenta Hélder Beja.

No programa reinou também uma surpresa. Pela primeira vez na ainda recente história do festival literário, que acontece sempre entre o Ano Novo Chinês e a Páscoa, decorreu um workshop em língua chinesa de escrita criativa pelas mãos da autora Yan Ge. “Do ponto de vista da programação e da conversa com os convidados nunca tinha surgido a oportunidade de marcar um workshop com autor chinês. Este ano surgiu com a autora Yan Ge. Foi a primeira vez que conseguimos isto”, partilhou o vice-director.

Mas muitos outros momentos marcaram esta edição que contou acolheu outros artistas, tais como, Chan Im Wa, escritora de Macau, também conhecida pelos pseudónimos Shen Shang Qing, Zhou Tong e Shen Shi; o autor David Machado; o poeta Hung Hung de Taiwan; o escritor Joe Tang; a colunista do South China Morning Post e autora de livros infantis Kelly Yang; o vencedor do Prémio Saramago 2013, o autor angolano, Ondjaki, entre muitos outros.

Os dez dias de festival terminaram com duas sessões de filmes do realizador português João Botelho – Filme do Desassossego e Os Maias. Esquecendo o cansaço físico que a organização de um evento desta dimensão traz, a única certeza é a de que “para o ano há mais”.

 

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