Texto Filipa Araújo | Fotos Tatiana Lages/Festival Literário de Macau
O Festival Literário Rota das Letras começa a deixar de ser uma novidade para os que neste território habitam. “Não é um festival direccionado para a comunidade lusófona”, assim começa a nossa conversa com Hélder Beja, vice-director do evento literário, que sublinha que o festival pretende acima de tudo dar “primazia à língua chinesa, aos seus autores, dando depois um peso muito parecido ou igual à literatura, língua e autores lusófonos”.
Depois de três edições passadas é impossível negar a evolução que a 4.ª edição da Rota das Letras sofreu. A âncora do festival continua a ser a mesma: “criar um evento que pudesse reunir durante alguns dias autores da lusofonia e da China e que além disso convidasse essas pessoas a escrever sobre Macau”, assim garantiu a organização. A partir daqui “o conceito foi evoluindo” e passou de uma ideia inicial de palestras para um grupo de actividades, tais como, exposições, concertos, workshops, projecção de filmes, entre outras coisas.
Relembrando o ano de nascimento do evento, Hélder Beja assume que “o local não foi o melhor”, tendo a organização percebido que eram necessários menos convidados e um espaço que os ligasse. E tudo isto aconteceu nesta quarta edição que reuniu mais de 40 convidados num único ponto de encontro: o antigo tribunal de Macau.
“Acho que o festival está muito bem organizado. Já conheço os organizadores e o facto de terem conseguido criar um espaço em comum, apesar de nem todos os momentos literários serem ali [no antigo tribunal], há um ponto de encontro, que foi muito bem aproveitado”, contou João Tordo, autor português e convidado para esta edição.
O vice-director olha para a edição agora terminada com a sensação de dever cumprido e leva uma certeza no bolso. O antigo tribunal “é o sítio ideal para a realização deste festival”. “Queremos que este seja o sítio deste evento, não queremos voltar para o teatro D. Pedro V [local que acolheu o evento nas segunda e terceira edições]”, reforça.
A agradar a todos
A adesão superou as expectativas criadas pela organização, que pela primeira vez viram as suas salas “sem cadeiras disponíveis”. “Tivemos palestras e workshops com sala cheia. A Rota das Escolas – actividade que fizemos com as escolas, onde levámos os autores às escolas para conversar com os alunos e responder a perguntas – foi um dos momentos que nos encheu de alegria. Foi muito bom ver as crianças interessadas e fazer perguntas”, exemplificou Hélder Beja.
Inquestionável foi também a adesão das várias faixas etárias. O público fez-se mostrar e as instalações do antigo tribunal receberam residentes de todas as idades, de todos os interesses e pessoas das regiões vizinhas. “Apesar de serem visitas pontuais, a nossa massa de visitantes é maioritariamente local, recebemos pessoas de Hong Kong, Taiwan e do Interior da China, como por exemplo Zhuhai. Estas são visitas principalmente de profissionais, de autores que conhecem outros autores, de ilustradores, tradutores, pessoas que estão mais na área”, esclareceu.
Variedade em cima da mesa
Do leque dos convidados fizeram parte escritores, tradutores, guionistas, escultores, fotógrafos e músicos. Adelino Gomes fez as honras da casa, num pré-evento no dia 18 de Março, com a apresentação do livro Os Rapazes dos Tanques em língua portuguesa, com tradução para inglês. No dia seguinte foi oficialmente inaugurada abertura a 4.ª Edição do Festival Literário, uma sessão em três idiomas – português, chinês e inglês. E é assim mesmo que a organização pretende ser, “um festival trilingue” que permita a todos estar, perceber e participar.
Muito mais nomes marcaram presença nas actividades. João Tordo conduziu algumas palestras em instituições de ensino de Macau, como por exemplo, o seminário “A Caminho de ser Escritor: Carreira e Criatividade” que aconteceu no novo campus da Universidade de Macau. A autora portuguesa Maria do Rosário Pedreira, juntamente com poetas locais, protagonizaram uma das sessões de poesia que aconteceu nesta edição.
Mas não só de letras viveu este festival. A música foi uma das personagens principais. Principalmente com a presença do Maestro António Victorino D’Almeida que brindou o público com concerto ao piano, de improviso. O rapper brasileiro Gabriel, o Pensador encheu o Cotai Arena, na noite que recebeu a primavera, dia 21 de Março, com a companhia de duas outras bandas musicais LMF (Hong Kong) e Blademark (Macau).
A missão do evento está cada vez mais delineada. “Queremos que o festival seja acima de tudo um espaço de reflexão e de pensamento, mas também queremos que seja uma celebração da arte e da cultura, que haja uma parte festiva permitindo que o festival não se fecha a si próprio”, argumenta Hélder Beja.
No programa reinou também uma surpresa. Pela primeira vez na ainda recente história do festival literário, que acontece sempre entre o Ano Novo Chinês e a Páscoa, decorreu um workshop em língua chinesa de escrita criativa pelas mãos da autora Yan Ge. “Do ponto de vista da programação e da conversa com os convidados nunca tinha surgido a oportunidade de marcar um workshop com autor chinês. Este ano surgiu com a autora Yan Ge. Foi a primeira vez que conseguimos isto”, partilhou o vice-director.
Mas muitos outros momentos marcaram esta edição que contou acolheu outros artistas, tais como, Chan Im Wa, escritora de Macau, também conhecida pelos pseudónimos Shen Shang Qing, Zhou Tong e Shen Shi; o autor David Machado; o poeta Hung Hung de Taiwan; o escritor Joe Tang; a colunista do South China Morning Post e autora de livros infantis Kelly Yang; o vencedor do Prémio Saramago 2013, o autor angolano, Ondjaki, entre muitos outros.
Os dez dias de festival terminaram com duas sessões de filmes do realizador português João Botelho – Filme do Desassossego e Os Maias. Esquecendo o cansaço físico que a organização de um evento desta dimensão traz, a única certeza é a de que “para o ano há mais”.