Dossiê MTC | Cinco grandes terapias

A acupunctura, a fitoterapia (uso de plantas medicinais), a massagem Tui Na, os exercícios Qigong e a Dietética Chinesa são, segundo Angela Hicks, os principais tratamentos disponibilizados pela MTC

dreamstime_l_3245324

 

Texto Sofia Jesus

 

A decisão sobre qual a terapia – ou as terapias – a aplicar varia consoante as circunstâncias. “Diferentes casos, diferentes soluções” para o problema, salienta o médico Wing Kuan.

 

  1. Acupunctura

Praticada “há mais de 3000 anos na China e noutros países asiáticos”, a acupunctura é “uma das componentes-chave” da MTC, explica à MACAU o professor da Universidade de Macau Chen Xin. O tratamento, lembra, tem vindo a tornar-se cada vez mais popular na Europa e na América do Norte.

Usada tradicionalmente pelos médicos de MTC no tratamento de “um vasto espectro de doenças”, a sua eficácia foi já reconhecida por diversas organizações internacionais. De acordo com o docente, em finais da década de 1990, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH, na sigla inglesa) concluiu que o tratamento por acupunctura “é eficaz em náuseas e vómitos provocados por operações e quimioterapia”, sendo também “útil” em casos como “dependência, reabilitação de apoplexia, dores de cabeça, dores menstruais, cotovelo de tenista, fibromialgia”, entre outros. Também a Organização Mundial de Saúde já concluiu que a acupunctura é “eficaz” no tratamento de vários tipos de doenças.

Ainda segundo Chen Xin, o maior estudo clínico sobre acupunctura foi levado a cabo na Alemanha e demonstrou a eficiência desta terapia sobre casos de dor crónica nas costas e osteoartrite. “Os mecanismos científicos da eficácia da acupunctura”, sublinha o docente, “têm sido divulgados nas mais prestigiadas publicações académicas”, como a Nature Medicine ou a Nature Neuroscience.

 

Desbloquear o qi

Em A Medicina Chinesa, Angela Hicks explica que a acupunctura (zhen) consiste na inserção de agulhas – muito finas, sólidas e de diferentes comprimentos – em determinados pontos do corpo, localizados em canais ou meridianos, ao longo dos quais flui a energia (o qi) – o objectivo é “dispersar qualquer bloqueio” e permitir que o qi volte a “circular livremente”, para restabelecer a saúde.

Foram já identificados mais de 700 pontos onde aplicar as agulhas – pontos que correspondem ao que pode ser imaginado como sendo “pequenos vórtices de energia que se formam onde a circulação de qi foi interrompida” e que são “cuidadosamente escolhidos” pelo terapeuta consoante o problema do paciente. Mais recentemente, a acupunctura tem vindo a ser aplicada no ouvido, por exemplo, em tratamentos para a toxicodependência, diz Angela Hicks.

A acupunctura tem também vindo a ser utilizada no tratamento de animais – é o caso, por exemplo, do Brasil, onde, segundo a Fundação Jardim Zoológico de Brasília, a acupunctura é “uma especialidade clínica reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária desde Fevereiro de 2014”.

 

Moxibustão

A moxibustão é frequentemente utilizada em conjunto com a acupunctura. Trata-se de queimar moxa – folhas de Artemesia vulgaris sujeitas a um processo de secagem –, por forma a aplicar calor em determinados pontos do corpo. Entre as suas formas de aplicação está, segundo Angela Hicks, acender uma espécie de charuto de moxa e mantê-lo “a cerca de cinco centímetros da pele”. Outra forma comum de aplicação é a de colocar a moxa na ponta de uma agulha e deixá-la acesa enquanto a agulha está inserida no corpo.

 

dreamstime_l_22020078

 

*****

Queixas gerais passíveis de tratamento por acupunctura

  • Problemas pulmonares e de respiração
  • Problemas circulatórios
  • Queixas ligadas à digestão e aos intestinos
  • Problemas de ouvido, olho, nariz, boca e garganta
  • Problemas emocionais e mentais
  • Problemas ginecológicos
  • Problemas e dores das articulações
  • Problemas neurológicos
  • Perturbações agudas súbitas
  • Problemas de pele
  • Problemas urinários e reprodutivos

Fonte: A Medicina Chinesa, de Angela Hicks.

 

dreamstime_l_41193648

 

  1. Plantas Medicinais

Sem qualquer químico, os medicamentos da MTC correspondem a fórmulas ancestrais que combinam diferentes plantas – há mais de 400, segundo Angela Hicks –, em formatos diversos, como raízes, hastes, folhas, sementes ou flores. A designação “medicina chinesa através das plantas” (ou fitoterapia) inclui ainda produtos de origem animal – por exemplo, alguns ossos ou peles de animais – e mineral – como conchas em pó.

Como explica à MACAU o professor Chen Xin, do Instituto de Ciências Médicas Chinesas da Universidade de Macau, as ervas chinesas constituem “cerca de 80 por cento dos materiais medicinais utilizados na MTC” e são usadas há muitos séculos “para a gestão de quase todas as doenças e perturbações”. Algumas destas plantas, salienta o académico, são muitas vezes prescritas com um fim terapêutico, sendo também frequente o uso de algumas como suplemento dietético para “manter a saúde ou fortalecer o bem-estar”.

De acordo com Angela Hicks, “a maior parte das plantas chinesas usadas no Ocidente” é importada da China ou de Hong Kong. São plantas colhidas numa altura específica e preparadas de uma forma também especial. Um dos métodos mais comuns de preparação é a decocção, isto é, a fervura das plantas secas.

O médico Wing Kuan explica, no entanto, que, hoje em dia, também se usam “alguns medicamentos modernos”, ou seja, “já preparados”, por exemplo, em pós, mas que seguem os mesmo princípios dos tradicionais. Uma opção “mais rápida”, e igualmente segura, garante o médico, que dispõe de alguns – geralmente importados do Interior da China, de Taiwan ou de Hong Kong – na clínica onde dá consultas.

 

As receitas

Segundo escreve Angela Hicks, muitas das receitas utilizadas hoje em dia datam do ano 200 a.C., altura em que o fitoterapeuta Zhang Zhong Jing sistematizou o uso das plantas medicinais num livro que tinha como objectivo lidar com doenças infecciosas comuns. Mas Cecília Jorge e Rogério Beltrão Coelho lembram, em Medicina Chinesa: Em busca do equilíbrio perdido, que “as primeiras ‘receitas’ sobre poções medicinais de que há registo apareceram sob a forma de inscrições em ossos de animais e carapaças de tartarugas”, muitos séculos antes.

As plantas, explica Angela Hicks, co-directora do College of Integrated Chinese Medicine, no Reino Unido, são classificadas consoante a sua acção principal – por exemplo, “Mover o qi”, “Secar a Humidade” ou “Espalhar o Frio”, existindo mais de duas dezenas de categorias principais de plantas.

A Farmocopeia de Shen Non, escrevem Cecília Jorge e Rogério Beltrão Coelho, classificava “quase 3000 raízes, ervas e produtos medicinais em três grupos”, mas há também a classificação destas ervas (designação que inclui também ingredientes de origem mineral e vegetal) em função das “quatro energias” – quentes, mornas, frias, ou refrescantes, consoante o efeito que têm no corpo – ou dos “cinco sabores” – amargas, ácidas, doces, picantes ou salgadas.

As receitas podem ser preparadas de diferentes formas, de caldos a chás, contando-se ainda as pomadas, os bálsamos, as cataplasmas ou as pílulas. No caso dos chás, muitos de sabor difícil de apreciar, é comum dar-se também um doce ao paciente – as pequenas lojas ou bancas que vendem chás medicinais são bastante procuradas, em Macau, havendo quem se desloque até lá regularmente, para prevenir certos problemas de saúde, consoante a altura do ano.

 

 

Quatro componentes principais numa receita

Uma receita de plantas pode conter “entre um e 20 ingredientes diferentes”, diz Angela Hicks, sublinhando que é dada muita atenção ao “equilíbrio”. Uma receita tem, geralmente, quatro componentes principais, explica a especialista:

 

Erva Imperador

Também designada por ‘erva soberana’, esta é “a parte principal” da receita, tratando a causa mais importante do desequilíbrio do paciente. O ingrediente que desempenha esta função ocupa a maior proporção da receita.

 

Erva Ministro

Tem como missão dar assistência à erva Imperador ou tratar outro desequilíbrio existente. Uma receita tem, muitas vezes, mais de uma erva Ministro, mas “a sua quantidade é sempre inferior à da erva Imperador”.

 

Erva Ajudante

Com o nome inspirado no de um oficial do exército incumbido de tarefas administrativas, “esta erva é adicionada à receita para moderar quaisquer efeitos das plantas principais, se tal for necessário”.

 

Erva Mensageiro

A tarefa desta erva é “conduzir as outras plantas da receita à área afectada”. Tem também a competência de “harmonizar todos os ingredientes”. Segundo a tradição, as plantas Ajudante e Mensageiro “constituem a porção mais     pequena da receita”.

 

dreamstime_l_14222174

 

Dois chás medicinais famosos

Leung Cha

De acordo com o académico Chen Xin, as ervas chinesas mais habitualmente usadas em Macau e noutras zonas da Província de Guangdong serão, provavelmente, os componentes do Leung Cha. Trata-se de um chá considerado “refrescante” – e tomado sobretudo no Verão –, à semelhança de outros chás famosos, como o tcheng pou leong ou o fú-t’chá.

 

Xia Sang Ju

Este chá, explica o professor Chen Xin, contém três ervas chinesas habitualmente utilizadas na MTC: xia ku cao (espigão de auto-cura), sang ye (folhas de amoreira) e ju hua (crisântemo). Registada inicialmente no livro Análise Detalhada de Doenças Epidémicas Quentes, publicado em 1798 pelo médico Wu Jutong, esta combinação de ervas é vista como tendo “um efeito positivo na drenagem do calor interno e na limpeza da toxicidade que se acumula dentro do corpo”.

 

dreamstime_l_34153717

 

  1. Massagem Tui Na

A massagem terapêutica chinesa, ou Tui Na, é uma das terapias mais antigas na China. O termo, explica Angela Hicks, significa “empurrar e agarrar”. Esta massagem tem por objectivos “descontrair” e “tratar doenças”.

À semelhança da acupunctura e da moxibustão, escrevem Cecília Jorge e Rogério Beltrão Coelho, a Tui Na assenta no princípio da existência de meridianos com pontos de contacto à superfície, que podem ser estimulados ou aquecidos para aumentar a circulação do Sangue e do qi, “com consequentes efeitos nos órgãos que estão relacionados com as regiões sobre as quais incide a massagem”.

De acordo com Angela Hicks, a Tui Na “é muito eficaz” no alívio de problemas de articulações, bem como no tratamento de problemas no pescoço e dores de cabeça. Os seus benefícios, sublinha, aplicam-se tanto a “queixas agudas” como a “problemas crónicos mais antigos”.

A forma como é exercida pode variar ligeiramente segundo o local onde é ensinada, mas há um conjunto de técnicas comuns, das quais a autora deixa dois exemplos:

 

Gun Fa

Técnica de rolar, onde as costas da mão giram e rolam de um lado para o outro, com flexão e extensão do corpo; usada para massagem profunda em grandes zonas do corpo.

 

Yi Zhi Chan

Oscilação de um dedo; a ponta do polegar é usada para fazer pressão num determinado local, criando um “poderoso estímulo” que pode ser trabalhado directamente num ponto de acupunctura.

 

dreamstime_l_22947468

 

  1. Qigong

O Qigong engloba uma vasta série de exercícios físicos que, segundo Angela Hicks, “fortalecem e transformam a energia qi”. A palavra qi remete para a “energia”, a “força que está subjacente a tudo o que existe no universo”, e a palavra gong pode ser traduzida como “prática”.

A prática de Qigong é utilizada para melhorar ou manter a saúde, bem como para o “desenvolvimento espiritual” – provoca um sentimento de tranquilidade e paz que, “por si só, promove saúde”. O tan tien – zona do corpo situada no baixo abdómen, logo abaixo do umbigo – é uma das áreas que deve ser fortalecida, já que é a sede da essência jing.

Os exercícios de Qigong podem ser feitos em diferentes posições – em pé, sentado ou em movimento – e são usados para fins específicos, por exemplo, para melhorar o funcionamento de determinados órgãos. “Muitos destes exercícios foram guardados como preciosos segredos durante milhares de anos”, explica a autora, que sublinha que esta prática já era mencionada no Clássico de Medicina Interna do Imperador Amarelo. A sua prática disseminou-se intensamente na China durante os anos 1980.

 

dreamstime_l_12133064

 

  1. Dieta

A dieta alimentar desempenha “um papel fulcral” nas teorias da MTC sobre a saúde, explica à MACAU Wang Chunming, professor no Instituto de Ciências Médicas Chinesas da Universidade de Macau.

A MTC, sublinha o académico, realça sempre a importância de “uma dieta equilibrada” – um princípio, diz, “muito útil, mas ainda largamente ignorado na vida de hoje em dia, sujeita a elevados níveis de stresse”. A ideia de uma alimentação equilibrada sugerida pela MTC implica “não ingerir nem muitas calorias, nem impor limitações dietéticas irrealisticamente rigorosas”, acrescenta Wang Chunming.

O professor explica que a MTC incentiva a ingestão de frutos, vegetais e leguminosas como os grãos de feijão. Ao mesmo tempo, este tipo de medicina salienta a importância da relação entre a dieta alimentar de um indivíduo e os seus níveis de energia, a sua aparência e a sua disposição. “Há cada vez mais provas, apresentadas quer pela medicina tradicional, quer pela medicina moderna, de que uma dieta equilibrada pode ajudar-nos a melhorar não apenas a saúde física, mas também a saúde mental”, defende o académico.

“Não ingerir bebidas ou comidas frias”, evitar alimentos “picantes” ou “fritos”, contenção nas gorduras ou no açúcar são alguns dos conselhos deixados pelo médico Wing Kuan aos seus pacientes. Entre as recomendações destinadas a casos especiais, adianta, pode estar a de “não comer vegetais crus”.

Angela Hicks salienta “cinco princípios dietéticos básicos” a que os chineses dão atenção: as proporções entre os diferentes tipos de alimentos, a temperatura, o sabor, a qualidade dos alimentos, e como e quando nos alimentamos.

Os alimentos, explica a autora, são classificados como “quentes” (como a pimenta preta, a gordura de galinha, o chocolate ou o café), “mornos” (como a carne de vaca, o açúcar amarelo, o queijo ou a castanha), “neutros” (como o damasco, o chá preto, a beterraba ou o pão), “frescos” (como a amêndoa, a maçã, os espargos ou a cevada) ou “frios” (como a banana, os rebentos de feijão o pepino ou o pato), consoante o efeito que têm no organismo – não a temperatura do alimento em si.

Ainda de acordo com Angela Hicks, os chineses defendem que se deve cozinhar ligeiramente a maior parte dos alimentos, já que a comida crua é “fria” e mais difíceis de digerir. Por outro lado, explica, o ideal é conseguir uma dieta onde exista um equilíbrio de todos os cinco sabores, sem que qualquer um deles seja ingerido em quantidades excessivas.

Outras ideias defendidas pela MTC dizem respeito à necessidade de “dar tempo à digestão”, “mastigar muito bem os alimentos”, “não beber muito” durante a refeição e não comer até nos sentirmos completamente cheios.

Cecília Jorge e Rogério Beltrão Coelho lembram, por outro lado, a importância da escolha dos alimentos nas diferentes épocas do ano. Durante a estação quente, exemplificam, é aconselhável beber “líquidos refrescantes” – mais uma vez, assim classificados devido ao efeito que têm no organismo e não devido à sua própria temperatura –, “muita verdura” e “fruta sumarenta”. Já o Inverno é a altura em que predomina a componente yin e o organismo “tem tendência para trabalhar menos e arrefecer”, necessitando de um “suplemento energético de aquecimento” – por isso, sublinham, é comum encontrar, nesta época, em Macau, escaparates cheios de “chouriços fumados, toucinho curado, presuntos e patos espalmados”.

 

Os efeitos dos cinco sabores

Angela Hicks explica que na MTC os sabores têm diferentes efeitos no corpo, com os ácidos, amargos e salgados a apresentarem um efeito mais yin e as plantas de sabor doce ou acre a exercerem uma influência mais yang. Ficam aqui alguns exemplos:

 

Acre

Efeitos: Dispersa e move as obstruções do qi e do Sangue; muito usado para constipações e gripes; combate a infecção, “abrindo os poros e fazendo suar”.

Exemplos: Alho, gengibre, chili, pimenta preta, hortelã-pimenta, canela.

 

Ácido

Efeitos: Faz parar as descargas e tem uma acção adstringente; usado, por exemplo, em situações de incontinência urinária, hemorragias ou diarreia.

Exemplos: Vinagre, ameixas verdes, limões, maçãs azedas.

 

Doce

Efeitos: Tonificante, se tomado em pequenas quantidades.

Exemplos: Alcaçuz, tâmaras chinesas, ginseng.

 

Amargo

Efeitos: Elimina o calor e limpa o organismo; usado, por exemplo, para estimular a digestão ou para fazer baixar a febre.

Exemplos: Dente-de-leão, chicória, laranja amarga.

 

Salgado

Efeitos: Amolece inchaços duros; diurético, elimina o excesso de água do organismo.

Exemplos: Algas, plantas marinhas, mexilhão, ostra.