Experience | “Quero criar algo que pertença a Macau”

Música com guitarra portuguesa e letra em cantonês é apenas uma das inovações dos Experience. A banda da RAEM, que recebeu a MACAU no seu estúdio, cruza várias influências, numa abordagem experimentalista liderada por Bruce Pun. A meta do compositor é ambiciosa: criar um género musical que seja próprio de Macau

 

 

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Texto Sofia Jesus | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Primeiro, o dedilhar balançado de uma guitarra portuguesa. Depois, o grito-convite de pronúncia carregada – “Senhoras e senhores!” –, electrizado logo de seguida por acordes rock. Aos 32 segundos, a maior surpresa: o regresso à melancolia da guitarra de terras lusas, agora sob uma voz… em cantonês. Assim começa My Fado, o cartão de visita dos Experience.

“Sempre quis criar algo único. Tal como a Argentina tem o tango e o Brasil a bossa-nova, eu quero criar algo que pertença a Macau”, explica Bruce Pun, compositor e fundador do projecto musical Experience. O objectivo, admite à MACAU, ainda não foi alcançado, mas “é a direcção a seguir”.

Na casa-estúdio desta banda de Macau, num andar alto sem elevador, bem no centro da cidade, a fusão musical está por todo o lado. Sobre o piano, dois livros de pautas: um com 100 clássicos dos The Beatles, outro com a Arte da Fuga, de Bach. Numa das portas, um poster de Bob Marley, e, encostado a uma das paredes, o álbum de fundo roxo The Jimi Hendrix Experience, que serviu de inspiração ao nome da banda.

 

Fado e Youtube

Neto de um macaense que tinha o hábito de ver programas da RTP, o fado e a guitarra portuguesa não eram estranhos a Bruce Pun. Foi, no entanto, em 2008, quando estudava em Paris, que passou a olhá-los de outra forma, durante uma viagem a Portugal, numas férias de Verão.

Depois de uma visita ao Museu do Fado e de uma conversa inspiradora com o guitarrista português Mário Pacheco, Bruce Pun saiu de Portugal com uma bagagem extra: uma guitarra portuguesa. Formado em guitarra clássica, e com veia de autodidacta, aprendeu a tocar sozinho o novo instrumento musical, com a ajuda do Youtube. Estava aberto o caminho à nova aventura experimental da banda.

 

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Da prática à inovação

Licenciado em Educação Musical pelo Instituto Politécnico de Macau, Bruce Pun rumou a França, em 2004, para estudar guitarra clássica na École Normale de Musique de Paris. “Todos os Verões, voltava a Macau para dar aulas a alguns alunos ou participar nalguns espectáculos. Basicamente, queria tocar o que aprendia em Paris”, explica, adiantando que a primeira formação dos Experience, há cerca de dez anos, surgiu precisamente dessa intenção, reunindo, assim, alguns dos seus alunos. A experiência, diz, arrancou num estilo mais rock – com direito a presença no festival Hush! de Macau – e foi ganhando algumas influências latinas.

Depois de regressar à RAEM em 2009, já concluídos os estudos em Paris, o compositor chamou outros dos seus pupilos e deu um novo fôlego ao projecto Experience. Hoje, além de Bruce Pun na voz e guitarra portuguesa, a banda é composta por John, na guitarra eléctrica, Kelvin, no baixo, e Billy, na bateria.

A nova aposta de Bruce Pun, que vai no sentido de “misturar música portuguesa com letra em cantonês”, surpreendeu, mas também agradou. “Nunca tinha ouvido esta guitarra [portuguesa] antes, porque sempre vivi em Macau e nunca fui a Portugal. Para mim, era uma ideia nova. Achei fantástico”, comenta Kelvin, de 24 anos.

 

A experiência dos Experience

É no estúdio montado no apartamento da família de Bruce Pun – também fundador da editora musical AUM Publishing – que os Experience ensaiam uma a duas vezes por semana. Foi também aqui que, depois do EP Now Peace, a banda conseguiu gravar e produzir o seu primeiro álbum, Experience of Experience, de que faz parte My Fado. Segundo o professor de guitarra clássica e guitarra eléctrica, My Fado, premiada no ano passado num concurso lançado pela TDM – Teledifusão de Macau, fala sobre a necessidade de “nos concentrarmos no que temos, de laisser tomber” o que não importa.

A mistura de influências é de resto notória noutras faixas do álbum de originais, como a número três. Os ritmos latinos de La Experiencia tocam-se num diálogo entre a guitarra clássica e a eléctrica, numa música cantada em espanhol – apesar de não dominar a língua, a letra foi escrita pelo próprio Bruce Pun, que para tal se socorreu de um livro e do Google Translate.

La Experencia fala no facto de a vida ser uma experiência. Quando deixarmos este mundo, o nosso corpo desaparecerá, mas a experiência continuará viva”, explica o compositor, músico e vocalista, actualmente a dar aulas no Conservatório de Música de Macau.

Do álbum, lançado em 2014, fazem parte também músicas cantadas em mandarim, como Copy Beats, que traduz “uma crítica” a todos aqueles que “querem apenas copiar” os outros, ou Human Hero, sobre como “o mundo precisa de heróis” e eles “não existem apenas nos livros de banda desenhada”.

“Há heróis em todo o lado”, explica Bruce Pun. “Basta haver quem assuma uma posição”. O compositor afasta a ideia apontada por muitos de que Human Hero tem uma conotação política, garantindo que o que se pretende transmitir é mais a ideia da necessidade de interajuda. “Também adoro o Bob Marley e ele tinha uma conotação política, mas eu gosto mais da mensagem de paz e amor.”

O álbum de nove faixas – cuja maior parte das letras foi escrita pelo irmão de Bruce Pun – fecha com um instrumental. God Oil, explica o mentor do projecto, resulta de um “improviso”. Chamada “a viagem do espírito” em cantonês, a música, que nos transporta para um universo enigmático, é mais uma iniciativa “experimental” do artista, que admite querer “sempre tentar coisas diferentes”. Neste caso, é a Mongólia que serve de inspiração: lá para os lados do Centre Pompidou, em Paris, havia um mongol que tocava um dos instrumentos típicos do seu país; Bruce Pun gostou da sonoridade e decidiu incorporar esse tipo de elementos em mais uma das suas composições.

Criado no seio de uma família católica, Bruce Pun admite que, aqui e ali, “talvez haja, de facto, alguma influência” religiosa nas suas composições – “quando me sinto em baixo, leio a Bíblia”, confessa. No entanto, esclarece que também já leu muito sobre taoismo quando estava em Paris e a sua abordagem perante a religião é semelhante à que faz da música: “Penso sempre que não existe religião. Eu quero misturar as religiões, tal como faço com a música. Porque, no fundo, [as religiões] são muitas, mas são a mesma coisa. Eu quero descobrir qual é o ponto comum.” Uma resposta que ainda não encontrou.

 

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O futuro

Bruce Pun é o único dos elementos dos Experience que faz da música a sua profissão. Kelvin trabalha na área das vendas e quer fazer música apenas a tempo parcial. Billy, 17 anos, o mais novo do grupo, é estudante do ensino secundário e não sabe ainda o que esperar do futuro. Para já, uma coisa é certa: os Experience vão apalpando terreno, a pouco e pouco.

Com várias actuações em Macau, Zhuhai e Hong Kong, os Experience lançaram recentemente o seu álbum no iTunes e entraram também no mercado de Taiwan. Em Macau, o número das vendas “é segredo”, mas Bruce Pun mostra-se satisfeito.

Membro do projecto Macau Jazz Experience, que conta com a presença de músicos portugueses, Bruce Pun, hoje com 33 anos, não esquece as dificuldades que sentia quando era mais jovem e lamenta que existam poucos espaços para os adolescentes de Macau tocarem. “Não há apoios suficientes (…). É preciso haver oportunidades para os jovens actuarem. Por exemplo, podia haver um clube para uma jam session, mas não há locais grandes o suficientes”, lamenta, acrescentando que o cenário contrasta com o de Taiwan, por exemplo, onde há muitos espaços para os jovens actuarem.

O líder dos Experience, que já compôs música para performances artísticas e participou por diversas vezes no Festival de Artes de Macau, garante estar aberto a novas experiências no futuro. “Por exemplo, misturar elementos da música portuguesa com a ópera chinesa.” Para já, concentra-se em desenvolver a mestria da guitarra portuguesa e espera encontrar, em breve, um vocalista que cante fado.