Negócios que falam muitas línguas

São parceiras de negócios, rampas de lançamento para ideias e produtos que vêm de fora, ou, como não podia deixar de ser no contexto local, plataformas para quem deseja investir na RAEM. As câmaras de comércio que Macau viu nascer nos últimos anos, fruto do rápido desenvolvimento económico, estão a crescer e ultrapassam, em muitos casos, as fronteiras dos países que estão a representar. Diversificar é a palavra de ordem.

 

 

 

Texto Sandra Lobo Pimentel | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

 

A câmara de comércio norte-americana em Macau (AmCham, na sigla inglesa), foi estabelecida em 2007 e começou com apenas 15 membros. Nos últimos anos expandiu-se e aproxima-se já da meta dos 100 membros. Desses, 72 por centro são empresas, 18 por cento pessoas individuais e 10 por cento não residentes. São estas as categorias que a AmCham integra, explicou à Macau, Charles Choy, presidente da organização. As empresas envolvidas são variadas, incluindo operadoras de jogo, hotéis, sector imobiliário ou restauração.

De acordo com Charles Choy, a maioria dos membros individuais são cidadãos americanos ligados às mais diversas áreas, enquanto que os não residentes são, na maioria, de Hong Kong ou da China e até dos Estados Unidos, “pessoas que se mostram interessadas em saber mais sobre o que se passa em Macau”.

 

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Sobre a evolução das actividades de matriz norte-americana na RAEM, o presidente sublinhou que “nos últimos dez anos, o investimento directo chegou perto dos 10 mil milhões de dólares americanos”, sublinhando que se trata de “um número fantástico”.

A representante britânica, British Business Association of Macau, conhecida pela sigla em inglês, BBAM, encontra-se em actividade há oito anos, tendo sido estabelecida em 2006. Esta câmara de comércio divide-se em várias categorias, tendo sido criada recentemente a figura dos membros que mais contribuem, no caso, companhias de maior dimensão, permitindo “gerir o escritório de forma mais eficiente e profissional”, explicou Eileen Stow, empresária local que está agora à frente dos destinos da BBAM. “As novas categorias foram criadas há cerca de um ano e têm feito, de facto, a diferença na organização”.

As trocas comerciais entre Macau e a Grã-Bretanha “têm aumentado”, garante Eileen Stow, sublinhando que o crescimento tem-se notado mais nos bens de luxo, o que não surpreende a responsável. “Sempre acreditei que havia espaço para os produtos britânicos em Macau. Nunca vamos competir com a França em termos de vinho ou comida gourmet”, reconhece, mas aos poucos o espaço tem sido conquistado. “Felizmente, o Governo de Macau terminou o embargo à carne britânica, que é um mercado enorme para explorarmos”.

 

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Fundada em 1978, a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa é a mais antiga de Macau. Ganhou vida quase a seguir ao 25 de Abril e numa altura em que Portugal estabeleceu relações diplomáticas com a República Popular da China. A sede fica em Portugal e tem mais de 300 associados. A delegação em Macau, chefiada por Filipe Cunha Santos, tem 35 membros, não só de matriz portuguesa, mas também de origem chinesa, entre os quais, bancos e muitas empresas de engenharia, que estão na região há bastantes anos. “O papel da Câmara tem sido o de ajudar as empresas em termos de lobby e de estabelecer contactos com a Administração e as entidades oficiais”.

Já a Associação Empresarial França-Macau, conhecida como FMBA, surgiu em 2008 e conta com 96 membros, um crescimento verificado em 2014, em especial em termos de empresas. Rutger Verschuren é o actual presidente. De nacionalidade holandesa, acredita que esse pormenor, aparentemente caricato, demonstra bem o sentido de “grande família” que a organização tem. “Somos um grupo internacional de pessoas que trocam experiências sobre os negócios que fazem e que vivem em Macau. Parece-me um ângulo muito interessante, por isso me associei de forma mais activa”.

A FMBA quer “continuar a crescer” em termos do número de membros e de actividades. Os eventos organizados pela câmara estão abertos a qualquer pessoa e empresa, sublinha Rutger Verschuren, desse modo surgem também convites para que se tornem membros, até porque, “os preços são competitivos”, diz.

 

Palavra-chave: diversidade

Na AmCham, Charles Choy acredita que entre as principais mudanças verificadas, para além dos produtos e outros serviços que já se trocavam entre os territórios, a cultura e o entretenimento surgem como elementos novos “no último ano ou dois”, estando convicto de que “o mercado está, obviamente, a diversificar-se” e que 2014 foi um ano importante para isso. “Recordo-me de que, quando estabelecemos a AmCham, as operadoras norte-americanas estavam a consolidar-se no mercado. Mas, na altura, falámos que era necessária a diversificação da economia”.

No ano que passou, diz, “o objectivo da diversificação tornou-se ainda mais real”, em especial com os ganhos do mercado de massas sobre o mercado VIP do jogo. “O turismo está a mudar. Não vêm apenas jogadores, mas mais famílias. Vejo, pessoalmente, mais crianças”, sublinhou. Isso significa negócios de natureza diferente, obrigando aos operadores que cá estão a inovar e fazer diferente. “Em 2016, quando os novos complexos começarem a abrir no Cotai, esperamos muito mais entretenimento”.

O contributo da AmCham para esse objectivo, o responsável não tem dúvidas de que será conseguido através da coordenação com os membros da câmara de comércio. “Temos quatro companhias que têm contribuído com uma larga porção no passado, e também para o futuro, para concretizar o objectivo de tornar Macau um centro internacional de turismo e lazer.”

Mas outra vertente importante para conseguir este objectivo, entende Charles Choy, passa pelo aproveitamento da Ilha da Montanha, e a AmCham tem mantido conversações com os responsáveis de Hengqin. O presidente não esquece ainda Nansha e Zhongshan, “duas regiões fortes com as quais a RAEM está a trabalhar de perto para aumentar a cooperação regional, através de elementos como o turismo, para fortalecer a diversificação da economia de Macau”.

A questão da mono indústria também preocupa Eileen Stow, mas reconhece que a ideia de estabelecer a BBAM surgiu em 2002, precisamente coincidindo com a liberalização do mercado do jogo em Macau. “Conseguimos perceber o que se iria passar aqui, mas sem nunca antevermos que iríamos estar tão envolvidos. Demos apoio à ideia mas sem nunca vislumbrar que negócios poderiam, de facto, ser feitos com companhias britânicas. Mas no fim de contas, vieram os grandes projectos”.

A diversificação da economia encontra obstáculos, diz. “Por muito que queiramos diversificar, penso que não é isso que os turistas procuram. Seria agradável ver grupos de visitantes mais orientados para as famílias e esperamos que isso aconteça porque com isso seria mais fácil a diversificação do que é a oferta de produtos e serviços”. E a BBAM pode ajudar. Eileen Stow acredita que “basta ser vigilante e dar ideias, em especial, aos casinos, em coisas que não foram ainda pensadas”.

 

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Pequena dimensão lusa fica de fora

Na Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa, diz Filipe Cunha Santos, os novos membros não têm vindo necessariamente da parte portuguesa, contando-se, por exemplo, quase todas as concessionárias de jogo. “É bom termos as operadoras como membros porque dão outra dimensão à câmara, e alguns advogados portugueses também se têm juntado”.

Contam-se também algumas companhias ligadas à tecnologia. No entanto, o presidente explica que o processo normalmente passa por empresas que são associadas em Portugal e procuram os serviços da delegação de Macau para marcação de reuniões com vista a parcerias.

Sobre empresas de matriz lusa na RAEM, Filipe Cunha Santos afirma que as companhias de engenharia estão bastante representadas, mas, por exemplo, os restaurantes têm ficado à margem da Câmara. “Temos feito a nossa promoção, mas, talvez por razões de ordem económica, a restauração e outras lojas e empresas comerciais de pequena dimensão têm ficado de fora”.

Ainda assim, o presidente acredita que, sendo uma parte importante, trata-se de um mercado “mais retalhista”, confessando que tem abordado alguns empresários e representantes, mas estes “não mostram interesse”. O foco encontra-se, por isso, em “empresas de média e alta dimensão”, explicou.

Mas a ideia de Macau como plataforma para a China tem colhido o interesse das empresas portuguesas. Filipe Cunha Santos dá como exemplo desse sucesso a última Feira Internacional de Macau (MIF, na sigla inglesa), dizendo que ficou “agradavelmente surpreendido com a presença portuguesa, em especial, na área agro-alimentar, vinhos, azeites, enchidos, entre outros”. No entanto, reconhece que “essas empresas passam ao lado da câmara”.

 

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Actividades famosas

Todos os meses, e dos mais famosos eventos das câmaras de comércio em Macau, a câmara de comércio francesa organiza pequenos-almoços com convidados de vários sectores de actividade. Os temas são variados e, mais uma vez, as iniciativas estão abertas a todos os ramos de negócios, pessoas individuais, e, mais importante, de todas as nacionalidades. “As empresas francesas não têm apenas funcionários franceses. Por isso, estamos sempre abertos a receber pessoas e empresas”, explicou Rutger Verschuren.

Os “amigos da FMBA” também são uma parte importante da estratégia da câmara de comércio para conquistar mais membros para a organização. “Começam por fazer parte apenas como ‘amigos’, mas depois, mais tarde, pode crescer o interesse”.

Sobre a parceria com a Alliance Française, uma organização com um peso conquistado na região, o presidente sublinha que passa, principalmente, pela promoção mútua de eventos. “Promovemos as actividades da Alliance Française na nossa rede, como eles promovem as nossas”.

As outras câmaras de comércio também são parceiras em algumas actividades. “Por exemplo, quando sabemos que vamos ter um convidado ou orador importante, contactamos a câmara de comércio britânica ou americana, para saber se teriam interesse em promover o evento”.

Rutger Verschuren acredita que estas sinergias são importantes para actividade das várias câmaras e “juntar as comunidades de negócios”, ainda que o trabalho de promover os produtos e negócios de cada país representado não seja esquecido.

Depois do Interior da China e da região vizinha de Hong Kong, os produtos franceses são os mais desejados em Macau. Entre eles estão os artigos de luxo e os vinhos, mas também, sublinha o presidente, utilitários e infra-estruturas. A França é um dos maiores parceiros comerciais de Macau e o tipo de produtos que geram interesse tem-se mantido. “Cerca de 98 por cento das importações são bens de consumo, num total de sete mil milhões de patacas em 2014 de valor importado. O vinho tinto e o conhaque são os produtos que ocupam maior percentagem”, indicou. “As pessoas de Macau gostam muito dos produtos franceses, mas também os visitantes, sejam do Continente ou de Taiwan, são grandes apreciadores. Macau é um paraíso para fazer compras”, sublinha.

Outro facto que aponta é a confiança dos consumidores em comprarem esses produtos na RAEM. “Aqui os produtos são 100 por cento originais. Não há engano. As pessoas sentem-se seguras a comprar, e Macau oferece também um bom preço”, apontou.

Rutger Verschuren tem confiança no futuro, mas não ignora o panorama que envolve a RAEM e a dependência da indústria do jogo. “O crescimento nos últimos cinco ou seis anos quase não foi normal. Meses atrás de meses com dois dígitos de crescimento”. O cenário agora é outro: as receitas do jogo estão a descer. Mas o presidente da FMBA prefere olhar para os números na sua totalidade. “Talvez seja uma espécie de despertar, para não tomarmos tudo por garantido”. A solução está em diversificar, mas o futuro, já em andamento, pode voltar a ser risonho. “Penso que podemos, eventualmente, ter outra vez um grande crescimento com a segunda fase do Cotai”.