As Crónicas de Wu Li no Colégio de S. Paulo

O novo documentário de Silvie Lai e James Jacinto conta a história do Colégio de S. Paulo, a primeira universidade de estilo ocidental da China, através da passagem do poeta, pintor e missionário jesuíta chinês Wu Li por Macau. As Crónicas de Wu Li no Colégio de S. Paulo estreou em Novembro e foi uma aposta audiovisual na recriação histórica do ambiente vivido durante o século XVII no interior e exterior deste espaço

 

 

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Texto Catarina Domingues

 

Wu Li tem várias faces. Foi poeta e discípulo de Qian Qianyi, pintor e missionário jesuíta. Tem também um nome católico: Simão Xavier da Cunha. Nasceu em 1632 na Província de Jiangsu, leste chinês, viveu a queda da Dinastia Ming, a ascensão ao poder da Dinastia Qing e tornou-se, já depois dos 50 anos e após a morte da sua mulher, num dos primeiros padres católicos chineses de que há registo.

Macau, onde chegou em 1680, teve um papel importante na transformação deste religioso. Ia a caminho de Roma, mas acabou por ficar uma temporada no pequeno território sob administração portuguesa. O Colégio de S. Paulo foi casa, foi retiro espiritual, e uma viagem pelos caminhos da fé. Foi escola.

 

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É exactamente a passagem deste intelectual por Macau na segunda metade do século XVII que serviu de fio condutor ao documentário As Crónicas de Wu Li no Colégio de S. Paulo, exibido no final de Novembro no cinema do resort Galaxy, em Macau. “É uma viagem dentro de outra viagem”, define a autora e produtora Silvie Lai, ao explicar que é a partir desta breve passagem de Wu Li por Macau que o público pode ficar a conhecer mais sobre a história e o ambiente vivido dentro do Colégio de S. Paulo, a primeira universidade de estilo ocidental erguida há mais de 400 anos pelos jesuítas.

 

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Centro de formação religiosa, era por aqui que passavam os missionários que partiam para o Extremo Oriente. “Pode dizer-se que [Wu Li] teve um papel importante nessas primeiras trocas, nesse primeiro intercâmbio cultural de uma forma mais profunda entre o Ocidente e a China.”

Foi com base na colecção de poesia de Wu Li, estudos académicos desenvolvidos sobre o autor e entrevistas a especialistas e historiadores, que Silvie Lai e James Jacinto, também produtor e o realizador deste projecto, recriaram “com credibilidade e rigor” os factos históricos. Mas houve também uma “componente ficcionada e criativa”, assume a autora, que filmou ainda em Pequim, Hong Kong e Portugal.

 

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Reconstituição histórica

João Pedro Marques vestiu a pele de um mercador português endinheirado: peruca tons claros, e o risco à esquerda bem delineado; no corpo, um fato aveludado grená de calças curtas, acompanhado por uma camisa com gola de folhos, collants brancos e uns sapatos pretos de fivela e salto. Foi a estreia do jornalista do Canal Macau da TDM no cinema. “Participei numa cena filmada na biblioteca do edifício do IACM com dois jesuítas, que mostravam planos do que queriam construir e tentavam persuadir o mercador a participar no financiamento. Era uma prática comum os portugueses com dinheiro ajudarem os jesuítas. Normalmente queriam contribuir, era bom para Macau e para a pátria”, resume o jornalista.

A reconstituição histórica de episódios como este foi a opção dos produtores para passar para o ecrã o mundo que girava à volta do Colégio de S. Paulo e dos missionários da Companhia de Jesus. A história desta instituição, que após um incêndio conservou apenas a fachada da igreja adjacente – as Ruínas de S. Paulo – já era há muito um interesse de trabalho de Silvie Lai. Mas em termos visuais, poderia tornar-se num projecto “monótono”, explica a autora. “Por isso, achámos interessante recriar ambientes do século XVI e XVII da cidade de Macau e também da China.”

 

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A inauguração da Igreja da Madre Deus ou mesmo episódios da vida do jesuíta Matteo Ricci foram alguns dos ambientes recuperados. Todas as reconstituições foram feitas em Macau, com excepção da chegada a cavalo de Wu Li à cidade, filmada em Hong Kong, e com treino prévio dos participantes na escola de equitação de Coloane.

 

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Ao todo, mais de 100 actores e figurantes participaram nas filmagens do documentário. Não foi fácil encontrar profissionais para o projecto, diz Silvie Lai, que contou com Wu Chong Wai para dar vida a Wu Li. “É um actor de Macau, tem experiência sobretudo ao nível do teatro, mas tem outra ocupação profissional.”

João Pedro Marques, jornalista a tempo inteiro, mercador e actor apenas por um dia, fala de uma experiência nova. “Uma coisa é trabalhar na televisão com dinâmica de telejornal e outra é trabalhar em cinema em que se tem outro tipo de pretensões estéticas”, salienta.

 

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Made in Macau

As Crónicas de Wu Li no Colégio de S. Paulo é um projecto de Macau, e que tentou aproveitar os recursos locais, vinca a autora. Apenas a maquilhagem e a direcção das cenas equestres foram realizadas por uma equipa especializada de Hong Kong, “o que faz com que 85 por cento da equipa de produção seja local”, sublinha Silvie Lai, acrescentando ainda que todos os actores e figurantes presentes no projecto, entre portugueses, chineses ou de outras nacionalidades, são residentes em Macau.

O guarda-roupa foi confeccionado de raiz para este projecto por um grupo de designers de moda local, embora algumas peças de vestuário tenham vindo directamente de Portugal.

Também a banda sonora do filme tem vários nomes associados a Macau, incluindo temas de Rão Kyao com a Orquestra Chinesa de Macau, da Orquestra de Macau, do padre Áureo Castro ou do compositor e director coral Aurelio Porfiri. A música escolhida para o trailer pertence ao compositor de origem indonésia Njo Kong Kie, que cresceu em Macau, passou por Portugal e vive actualmente no Canadá.

 

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Nos Bastidores

 

  • Mais de 100 actores e figurantes participaram no projecto

 

  • Equipa envolvida na produção composta por cerca de 20 elementos

 

  • Maquilhadores e equipa de direcção equestre veio de Hong Kong

 

  • O documentário teve um orçamento de 2,3 milhões de patacas e foi financiado pela Secretaria para os Assuntos Sociais e Cultura do Governo da RAEM, Fundação Macau, TDM e Galaxy Entertainment Group

 

  • Foram necessários quatro anos para concluir o projecto

 

  • Estão disponíveis cinco versões deste documentário, com narração em português, inglês, cantonês, mandarim e uma versão para a estreia.

 

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