Texto Fátima Valente | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro
Para explicar a origem do Centro de Design de Macau (CDM), James Chu, actual presidente da Associação de Designers de Macau, recua até 1986, ao tempo em que a mesma foi fundada. “Fomos os pioneiros da chamada indústria criativa em Macau. Há 29 anos, o termo ‘indústrias criativas’ nem sequer existia, mas toda a gente sabia que o design está relacionado com a arte”, recordou.
As acções promovidas pela Associação multiplicaram-se ao longo dos anos com o Interior da China, Hong Kong e Taiwan, ou mesmo com a Coreia do Sul e Japão, e ajudaram a fazer negócios, a aumentar a qualidade do design e as trocas culturais. “Durante muitos anos, a Associação de Designers de Macau tentou fazer muito de diferentes formas”, sublinhou. Mas algo continuou a faltar: “As pessoas dizem sempre que a qualidade do design de Macau é boa. Temos muitos designers que ganharam prémios internacionais, como Victor Marreiros, Ung Vai Meng, eu próprio, e alguns designers da nova geração. Mas isto não chega. A questão fundamental é o negócio, e não a carreira artística individual. Por isso, era necessário construir este centro como uma plataforma”.
O Centro de Design de Macau tem uma vertente educativa, e por isso, desde que abriu portas oficialmente em Agosto deste ano, tem apostado em seminários e palestras, sobretudo para inspirar os mais jovens que chegam à indústria. “Precisamos de lhes apresentar o que está a acontecer fora de Macau, para que não olhem só para o seu monitor. Esta é uma parte do projecto: mais educação, e também reunir pessoas para partilhar ideias.”
A outra parte –“a mais importante”, segundo James Chu – “é ajudar a atrair para o centro as pessoas da área dos negócios para virem ver o que os designers de Macau estão a fazer”. A ideia, explicou, é servir de ponte para o mercado e dar a conhecer às empresas os trabalhos nos diferentes campos do design: “Não é só design gráfico, mas também multimédia, desenvolvimento de aplicações de telemóveis, design de websites, vídeo, animação”.
Nesse sentido, recordou a competição para o design do exterior do Macau Hollywood Roosevelt Hotel – actualmente em construção – ganha por um artista da terra, como “um bom exemplo” de como os investidores podem apostar no talento local em vez de contratarem em Hong Kong, Singapura, na China ou nos Estados Unidos. “Não é uma questão de orçamento; a questão está em querer dar oportunidades às pessoas de Macau. Isso significa que confiam em ti porque tens boa qualidade”, afirmou.
Apesar das dificuldades no arranque, nomeadamente ao nível do financiamento, muita gente já sabe da existência do CDM: “As pessoas estão muito curiosas sobre o que estamos a fazer, o que vendemos, o que podemos fazer em conjunto com eles. Mesmo que muitos não sejam de Macau, podemos na mesma tomá-los como exemplo, no sentido de ver como podemos desenvolver o projecto em conjunto”.
Uma questão de tempo
A necessidade de uma “casa” para o design demorou a ser entendida pelas gentes de Macau. “Na verdade, colocámos esta questão há dez anos, quando o anterior Chefe do Executivo foi visitar a zona de São Lázaro”, conta James Chu. Edmund Ho apontou então aquela parte da cidade como a área em que Macau iria “gastar algum tempo para desenvolver esta indústria”. Mas, “mais do que isso, ele fez uma declaração muito clara e inteligente, que fez com que continue até hoje a ser recordado como um visionário: ele disse que para desenvolver a indústria criativa em Macau ‘vai levar mais do que uma geração’”, sublinhou.
O artista e designer recorda estas palavras porque nessa altura alguns territórios vizinhos estavam a dar os primeiros passos. “Hong Kong estava só a planear ter um centro de design, a Coreia do Sul nem sequer tinha falado nisso. O governo de Hong Kong gastou muito dinheiro a construir um centro de design em Kowloon, e a Coreia do Sul construiu um espaço com formato de nave espacial, que é um dos ícones de Seul”, adiantou.
A Associação queria ter aberto o Centro de Design mais cedo. Ainda assim esperou por um apoio oficial. E por fim acabou por antecipar-se às burocracias e dar o primeiro passo, arrendando o edifício industrial, que estaria votado ao abandono há mais de dez anos. “Vimos o espaço e fomos perguntar ao governo se nos apoiava a tornar isto num centro de design em Macau para desenvolver o negócio das indústrias criativas. Mas ficámos com medo de perder a oportunidade, porque muita gente estava à procura do espaço – a renda era muito barata e o contrato era a dez anos. Era um negócio bastante atractivo. Por isso não esperámos até que o governo respondesse, e arrendámos”.
Na altura em que receberam as chaves da antiga fábrica, no final de 2012, o espaço era apenas “uma carapaça”, sem água, luz, sistema contra incêndios ou ar condicionado. Foi preciso contratar um engenheiro para garantir a segurança do edifício, elaborar e submeter os desenhos técnicos e, até ao início da obra, passou mais de um ano. Entretanto seguiu-se uma candidatura a um apoio do Fundo das Indústrias Culturais, que chegou em Julho deste ano, pelo que a inauguração do espaço aconteceu a 15 de Agosto. James Chu já pensa na segunda fase do projecto, que passa pela compra de alguns equipamentos e obras no terraço para ajudar a evitar infiltrações no edifício com mais de 50 anos. Mas isso é algo que só deverá concretizar-se quando houver mais financiamento.
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Trabalhar em comunidade
Passa despercebido a quem circula na Estrada da Areia Preta, e até mesmo a quem não mora na zona há tempo suficiente para saber que em tempos ali laborou uma fábrica têxtil, bastante popular à época. À entrada, o visitante é atraído para o showroom com peças de roupa, artigos de couros e bijutaria colocados à venda por designers, e uns passos à frente encontra a cafetaria e um palco multiusos, para palestras e seminários, mas também espectáculos e concertos. Depois é subir pelas escadas (ou de elevador) e deixar-se guiar pela sinalética em caracteres chineses, reproduzida nas paredes de forma informal e descontraída.
“O ambiente é muito simples, muito cru. Quisemos manter o mais possível o antigo aspecto da fábrica, mas com novos elementos”, explicou James Chu. Uma das preocupações era “fazer com que as pessoas conhecessem a história do edifício”. Por isso foi mantido o placard na fachada, com o nome da fábrica em caracteres chineses, mas agora surge pintado a cinzento, em vez do vermelho de antigamente. “Já não está tão atractivo, porque as pessoas iam ficar confusas e pensar que isto era uma fábrica, mas pelo menos ficam a saber que antes existiu aqui uma fábrica.”
Pouco se sabe da história do edifício, porque quando os designers tomaram conta “estava tudo ao abandono e havia lixo por todo o lado”. Não há fotos desse tempo, mas muitos moradores conhecem bem o espaço; para alguns mais velhos foi inclusive o seu local trabalho. “Isto é importante. Tivemos alguns a visitar-nos: eles vêm cá contar-nos histórias, apesar de já não se lembrarem de como era o interior”, revelou James Chu.
No caso de Casber U, a história repete-se. A mãe trabalhava na fábrica quando estava grávida dele, em meados dos anos 1980, e agora ele, o filho designer, ocupa um dos 17 estúdios, com a sua empresa de multimédia que fundou com amigos do bairro. “Ela já visitou o nosso estúdio, mas as suas memórias estão muito turvas. Ela lembra-se de uma fábrica muito maior do que é o Centro, porque na altura o espaço não estava dividido”, disse Casber U, da NEBA, que em Setembro venceu o prémio para melhor espectáculo de mapping num concurso internacional, no Japão.
Além dos 17 estúdios alugados a empresas, as novas divisões incluem uma área para exposições, uma sala de reuniões, e ainda um terraço, que talvez a mãe de Casber U, não imaginasse outrora que hoje fosse a casa de seis cães adoptados, espaço para eventos, ou simplesmente para recarregar energias pelos que ali trabalham. “Já lá tivemos tomates, agora temos basílico. Estamos sempre sentados ao computador e o terraço é bom para fazermos um intervalo e darmos um descanso ao cérebro para nos concentrarmos outra vez. É um bom local para relaxar e brincar com os cães”, afirmou Casber U.
Tal como a NEBA, a maior parte dos ocupantes do espaço são jovens empreendedores que estão a lançar as suas empresas. Nesse sentido, a renda acessível – fixada em sete patacas por pé quadrado – foi determinante para se instalarem no CDM. “No ano passado as rendas estavam muito altas e tivemos sorte porque coincidiu com a altura em que andávamos à procura de um espaço”, explicou Wallace Chan, da CRAXH, que trabalha em vídeo e animação. “O Centro de Design de Macau é bastante representativo da indústria na cidade e nós sentimo-nos orgulhosos de fazer parte do projecto”, acrescentou o jovem. Para Zoe Sou, directora administrativa do CDM, as vantagens são recíprocas e todos ficam a ganhar: “A maior parte está a começar os seus negócios e nós estamos orgulhosos por apresentarmos esta nova geração que está a trazer poder à cidade. Eles são jovens e já estão a sair-se bastante bem”.
Já Loïc Faulon, director da Loco Creative Works, aponta como mais-valia o facto de terem como vizinhos empresas de ramos complementares: “Traz sinergias porque estamos especializados em diferentes áreas das indústrias criativas”. Outra das vantagens é “o acesso ao espaço durante 24 horas, e o facto de estar localizado perto da fronteira com a China, pelo que rapidamente podemos ir às fábricas e acompanhar a produção dos produtos”, acrescentou. A promoção conjunta também beneficia as empresas, como por exemplo, o catálogo que o Centro de Design de Macau preparou para apresentar na Feira Internacional de Macau (MIF, na sigla inglesa). “É muito positivo. Demora algum tempo até desenvolver os contactos. Agora está a acontecer, mas precisamos de mais tempo”, concluiu Loïc Faulon.
Diversificar e mostrar a diferença
As primeiras 12 empresas a ocuparem os estúdios, em Novembro de 2014, foram seleccionadas entre cerca de 50 candidaturas. Entretanto, em Março deste ano, com a procura e necessidade de rentabilizar o espaço, foram acrescentados mais cinco estúdios, aumentando para 17 as empresas residentes. Foi levada em consideração o facto de empresas de diferentes áreas. “Senão estaríamos só a fomentar a competição, por isso temos design gráfico, multimédia, moda, design de produto. Só não temos arquitectura, talvez pela natureza do seu trabalho”, assinalou James Chu. “Não podemos dizer que fomos bem-sucedidos porque abrimos há poucos meses, mas tenho de dizer que a maioria das empresas mais importantes enviou pessoal – talvez não o seu director executivo, mas o departamento encarregado pelo design – para visitarem o nosso espaço”. Não obstante, James Chu deixa clara a missão do CDM: “Não estamos só a trabalhar para estes 17 estúdios, estamos a trabalhar para todos os que são ou se querem estabelecer como designers em Macau”.
Além dos estúdios, o Centro de Design de Macau criou recentemente uma área de trabalho partilhada – o “Good Lab” – destinado a freelancers ou estudantes, que por mil patacas por mês apenas precisam de trazer o computador pessoal para ter direito a um lugar na mesa grande de trabalho e usar as facilidades sem custos adicionais com a electricidade, internet ou impressora, durante 24 horas. “A ideia é permitir que mais pessoas trabalhem umas com as outras e, por outro lado, trazer o máximo número de pessoas até cá”, afirmou James Chu.
A designer Cake Cake foi uma das primeiras a reservar um lugar no Good Lab. Trabalhou em publicidade em Macau, mas recentemente optou por se despedir para se focar no seu trabalho de ilustração. “Pensei em trabalhar em espaços públicos, como uma biblioteca, por exemplo, mas não é o ambiente mais adequado. Aqui além do espaço de trabalho, posso estar sempre a par do que está a acontecer no mercado. E é conveniente porque só preciso de trazer o computador.”