Gestores da primeira geração

São alunos universitários e ao mesmo tempo empresários. A Universidade de Macau aproveitou o novo campus na Ilha da Montanha para reavivar um projecto que já existia e atribuiu quatro espaços comerciais para serem geridos por alunos. Da selecção nasceram dois estabelecimentos de comidas, uma loja que faz entregas de encomendas pelo campus, repara e vende bicicletas e um espaço dedicado às indústrias criativas. Tudo em nome do empreendedorismo jovem

 

Ma Beiping

 

Texto Sandra Lobo Pimentel | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

On the run é o nome que Ma Beiping, estudante de História de 19 anos, deu à loja que abriu no centro de actividades do novo campus da Universidade de Macau. O aluno, que veio do Interior do país para seguir os estudos universitários, nunca pensou em tornar-se gestor tão novo. Mas a veia para o negócio parece estar nele. Diz-nos que o negócio vai “mais ou menos”, mas durante a visita da MACAU ao campus na Ilha da Montanha, na loja de Ma Beiping não pararam de entrar clientes e a caixa registadora entoava a bom ritmo. No pequeno espaço no centro de actividades da universidade, amontoam-se pacotes nas estantes e há bicicletas por todo o lado.

A ideia de ter uma loja que faz entregas de encomendas no campus explica-se pela necessidade. O jovem estudante de História encontrou o seu nicho de mercado. “Muitos estudantes vêm do Interior da China e compram muitas coisas no TaoBao. Como o site não faz entregas em Macau, eu vou buscar e faço esse serviço aqui”, explicou.

 

Jarvis Mo_GLP

 

Ma Beiping escolheu História, mas confessa que sempre quis ter um negócio próprio, e até prefere a gestão. Mais uma vez, parece ter talento para se adaptar ao mercado, já que a faceta de venda e reparação de bicicletas é mais um sucesso da On the run, não fosse o transporte a duas rodas o eleito pela maioria no novo e extenso campus da Universidade de Macau.

Em frente à sua loja está o espaço de comidas gerido por Jarvis Mo. “Não sabia nada sobre comida antes deste projecto. Mas conheci uma rapariga cujo sonho era ter um restaurante. Encontrámos outros parceiros, entre eles, um aluno que trabalha como cozinheiro num hotel. E assim nasceu a ideia.”

Das 11h00 às 23h00, cinco dias por semana, são várias as comidas que a Miss U Recfectory oferece aos alunos. “Todos cozinhamos. Tivemos que aprender. Temos massa à carbonara, arroz ou noodles”. Sem assombro, Jarvis admite que “nem todos gostam da nossa comida”, até porque, acredita, “trata-se de algo muito pessoal”. Ainda assim, o espaço consegue vender entre 50 a 70 refeições por dia, ou seja, balanço positivo e foco no objectivo: “Queremos que as pessoas tenham saudade da nossa comida e voltem”.

Tal como o gestor da loja da frente, o curso de Jarvis Mo nada tem a ver com os negócios. O jovem de 23 anos está no terceiro ano da licenciatura em Estudos Ingleses. Para além disso, está à frente de um grupo de dança que faz várias performances na RAEM. “Já tenho essa experiência porque tenho a minha própria companhia de dança”, explica.

 

Jessica Lai

 

Lembranças diferentes

Fora do centro de actividades, na galeria perto da biblioteca do novo campus, Jessica Lai fez nascer a Creatist e o nome diz tudo: “Mistura a palavra criar com artista e isso define o que temos na loja”. Artigos únicos, alguns manufacturados, mas, essencialmente, produtos com design diferente. “No campus não temos nenhum local onde os alunos possam comprar estes artigos que servem também como lembranças que podem levar para casa, para familiares, amigos, uma recordação.”

Jessica Lai está à frente do projecto, mas tem outros três parceiros de negócios. “Para algumas ideias que temos, mandamos fazer na China. O nosso produto mais recente são cubos de açúcar personalizados, por exemplo.” A gestora acredita que na loja “é tudo muito barato” e confessa até que “o objectivo não é ganhar muito dinheiro”. Jessica, natural de Macau, também frequenta o curso de Estudos Ingleses e já está no quarto ano de licenciatura.

Sobre esta experiência, considera “pouco comum que um estudante universitário possa ter uma empresa” e, acima de tudo, diz que “não é fácil”, mas pode ajudar no futuro. “Se eu conseguir juntar esse capital, gostava de ter uma empresa no futuro e esta experiência em termos de gestão e marketing é muito boa.”

Um pouco longe da “Creatist”, na zona norte do campus, no complexo desportivo, Shere Tong montou um snack-bar cujo objectivo é oferecer alternativas saudáveis, ou não estivesse localizado onde os alunos procuram manter-se em forma através do exercício físico. Shere, de 22 anos, estuda Gestão de Recursos Humanos e considera que o negócio vai bem, mas sem grandes euforias. “Não ganhamos assim tanto dinheiro, porque os custos são elevados, por exemplo, a manutenção da máquina dos sumos. Mas se for correndo bem, num ano, conseguimos equilibrar as despesas”.

Para o futuro, acredita que esta experiência, juntamente com os estudos, pode ajudar muito na carreira profissional que escolher. “Adquiri experiência a equilibrar lucros e despesas e a gerir de forma mais eficiente a actividade. O que aprendi vai ajudar-me no futuro porque gostava de continuar ligada a algum negócio.”

 

Shere Tong

 

Aposta no empreendedorismo

No enorme campus na Ilha da Montanha surgiu a possibilidade de expandir um projecto que permite aos alunos um primeiro contacto com a vida profissional, e logo como donos dos seus próprios negócios. Desde Agosto, a Universidade de Macau ofereceu os quatro espaços para serem geridos por alunos de forma a incentivar o empreendedorismo.

Em conversa com a MACAU, Elvo Sou, responsável pela secção de aconselhamento e desenvolvimento dos estudantes, justifica a iniciativa com a maior diversidade que a economia global apresenta. “O empreendedorismo jovem tornou-se uma das políticas mais importantes do governo nos últimos anos.” E, por isso mesmo, a Universidade de Macau abraçou a “missão de fazer parte deste esforço e criar condições para que os alunos desenvolvam essa faceta empreendedora”.

No antigo campus, na Taipa, este projecto já estava em marcha, mas as instalações na Ilha da Montanha trouxeram “mais recursos em termos de espaço”. Assim, em vez de uma loja, passou a haver quatro, todas localizadas onde faz sentido: duas no centro de actividades do campus, uma perto da biblioteca e outra no complexo desportivo.

Com apenas uma loja nas antigas instalações da Taipa, a oferta de comida saiu vencedora, mas no projecto deste ano, com mais lojas, aumentou também a oferta. “Temos duas lojas que vendem comida e outras duas que oferecem algo diferente. Uma faz entregas e reparações de bicicletas e outra está ligada à cultura e indústrias criativas, por isso, garantimos a diversidade.”

 

Elvo Sou_GLP_02

 

As bicicletas são o meio mais utilizado no campus e, por isso, esse espaço é visto como um facilitador de serviços, enquanto a outra loja que vende vários artigos de design próprio e alguns manufacturados, entre outros, vai na senda de outra das apostas da região que são as indústrias criativas.

Elvo Sou sublinha que, deste modo, e com esta oferta, “a universidade proporciona mais oportunidades e os alunos podem captar as tendências e dirigir os seus negócios para as necessidades deste novo campus”.

O processo foi organizado em duas partes. Primeiro, os alunos interessados apresentaram os seus projectos detalhados para serem sujeitos a uma avaliação. Depois de seleccionados os projectos que interessavam do ponto de vista da universidade, foi a vez de dar a palavra aos destinatários desses produtos e serviços.

Uma espécie de concurso teve lugar para fazer a escolha final de quem ficaria à frente das quatro lojas do campus. “Os alunos apresentaram, por exemplo, as comidas que pretendiam oferecer e fizeram um pequeno concurso de provas e os restantes alunos fizeram parte de um painel de juízes.”

A única condição que foi colocada foi de que duas das lojas fossem de oferta de comida, uma no centro de actividades, outra no complexo desportivo, na zona norte do campus. “As outras duas ficaram abertas às ideias que nos apresentaram.”

A universidade oferece os espaços remodelados e prontos a serem usados, sem pagamento de renda, mas tudo isso ficou no papel. “Depois de feita a selecção, os alunos que ganharam assinaram um contrato com o governo como empresários em nome individual, tal como qualquer empresa o faria.”

Mas os equipamentos que queiram ou precisem para desenvolver os negócios são da sua responsabilidade, bem como o pagamento de água e electricidade e mesmo os empregados que têm que garantir o serviço durante a hora de expediente. “Por aquilo que constatámos, contratam outros alunos para garantir o serviço, mas desde que sejam pessoas a trabalhar legalmente em Macau, se quiserem, podem contratar fora da universidade. Porque é assim que um verdadeiro negócio funciona”, sublinhou.

No capítulo das contas, a universidade apenas determina que seja apresentado um relatório a cada três meses. Mas caso algo corra mal no negócio e estes estudantes não consigam manter a actividade de modo a, pelo menos, custear as despesas, a universidade presta apoio através do centro de saídas profissionais, mais especificamente, de uma equipa dedicada ao empreendedorismo que funciona para aconselhamento e suporte a estas actividades.

A ideia de expandir este projecto criando mais espaços para atribuir a alunos não é algo que já não tenha sido solicitado à Universidade de Macau, e pode ser uma realidade já nos próximos anos, no entanto, como aponta Elvo Sou, “a possibilidade de criar mais negócios seria boa, mas é preciso garantir que os actuais sejam sustentáveis. Temos apenas 10 mil alunos aqui. E apenas isso. Não há possibilidade de atrair mais clientes do que estes que aqui temos.”

O maior objectivo passa, assim, por garantir que os projectos consigam sobreviver e, criando mais concorrência, poderia ser a própria universidade a fazer a vida difícil a estes jovens empreendedores. “Não queremos criar uma má concorrência.”