III Colóquio da Identidade Macaense: Pa únde nos ta vai?

Um questionário sobre a identidade macaense revela uma nova geração menos ligada à língua portuguesa e com curiosidade pelo patuá. Entre os mais novos há mesmo quem apele a uma maior tolerância das gerações mais velhas para com a utilização de outros idiomas no seio da comunidade macaense

 

Identidade macaense

 

 

Texto Catarina Domingues | Fotos António RJ Monteiro

 

“Todos falam do grande desenvolvimento que vem aí e é altura de nos sentarmos e pensarmos sobre nós.” O presidente da Associação dos Macaenses (ADM), Miguel de Senna Fernandes, sabe que para olhar em frente é necessário continuar a “questionar o problema da identidade macaense”. E há que pôr em causa o estereótipo do macaense. Já não é apenas “o tal homem que une dois mundos, fala as três línguas, e professa a religião católica”, defende.

Quem é então a nova geração de macaenses? O que a diferencia das anteriores? E o que espera do futuro? Parece difícil encontrar respostas para estas e muitas outras questões em apenas duas tardes, mas foi ao que a ADM se propôs durante a terceira edição do colóquio da Identidade Macaense com o tema “O testemunho para o futuro”.

 

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Português perde terreno

Se há apenas meio século o português era a língua privilegiada nas casas dos macaenses, hoje em dia, o inglês e o cantonês começam a ganhar força entre a faixa etária mais jovem. De acordo com os resultados preliminares de um inquérito online sobre a identidade macaense, 42 por cento dos 412 inquiridos dizem falar português. José Basto da Silva, autor do questionário e vice-presidente da ADM, alerta que a percentagem vai diminuindo à medida que decresce a faixa etária. “As camadas mais velhas privilegiam muito a língua portuguesa, a ligação à religião católica, mas isso não acontece com os mais jovens”, diz o responsável à MACAU, destacando um “equilíbrio crescente da utilização do inglês e do cantonês” entre as novas caras da comunidade. “Notam-se novos laivos, uma diversificação do que é ser macaense”, salienta.

E por que não recuperar o crioulo macaense? José Basto da Silva explica que a proposta partiu dos inquiridos mais jovens que, na secção de respostas abertas, sugeriram a promoção do patuá como elemento decisivo na preservação da identidade da comunidade.

Fazer filmes no crioulo de Macau, abrir mais restaurantes macaenses e organizar encontros onde os jovens possam falar patuá são outras sugestões deixadas pelos mais novos. “O importante é não deixar que esta identidade morra”, conclui Basto da Silva, constatando que há um grupo de macaenses menos envolvido na vida da comunidade e que se começa a “diluir nas culturas onde se insere”.

 

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“Não os ataquem”

Elisabela Larrea subiu ao palco e falou em inglês. A opção, natural para a macaense, tinha outra razão de ser. “Quero dizer às pessoas, principalmente aos mais experientes, que sejam mais tolerantes com a geração jovem. Alguns podem saber falar português, outros não tão bem, mas não os ataquem por causa disso”, afirmou após a sessão.

A oradora, que está a fazer um doutoramento em Comunicação Intercultural, nota que o que caracteriza a cultura macaense é a diversidade e a união. “Temos de nos unir, os mais velhos e os mais novos, porque não existe o certo nem o errado, apenas a diferença.”

E para ilustrar como o sentido de identidade macaense tem sofrido “mutações ao longo dos tempos”, Elisabela comparou duas récitas de patuá – Olâ Pisidénte, apresentada em 1993 no Teatro D. Pedro V, e Qui Pandalhada, que subiu ao palco do Centro Cultural de Macau em 2011.

Larrea registou mudanças ao nível do tema escolhido, dos idiomas falados e mesmo da origem do público presente. “Antes falava-se mais na portugalidade, mas após a transferência de soberania, os temas são mais localizados, o que demonstra que nos distanciámos de Portugal”, vinca a investigadora, realçando ainda que entre os espectadores há agora mais público chinês. Em 1993, sublinha Larrea, 99 por cento da récita era em patuá e um por cento em português e cantonês. Hoje, o crioulo macaense ocupa 61 por cento do guião, e o inglês ganhou território ao chinês e ao português.

 

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Falar mais alto

Em entrevista à MACAU, a oradora lamentou a fraca participação dos macaenses na vida política da RAEM, chamando a atenção para uma maior necessidade de dar voz à comunidade. Elisabela Larrea relembrou ainda o projecto da Casa-Museu Macaense Oriente-Ocidente, que continua há vários anos à espera de apoio para avançar. “Esta é uma cultura que pertence unicamente a Macau, que diferencia [a cidade] de Xangai, Suzhou ou de outros locais na China. Com este museu, os turistas poderão ver o que é diferente na região, não apenas os casinos ou a arquitectura, mas uma prova viva da nossa cultura.” Uma voz mais activa poderia facilitar aspirações como estas, conclui.

 

 

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Identidade na gastronomia e tradições

Os resultados do questionário sobre a identidade macaense revelam que a gastronomia e as tradições são os principais elementos de afirmação desta comunidade. Já a religião encontra-se no fundo da tabela, com apenas 36 por cento dos inquiridos a apontarem a crença religiosa como uma das características principais da identidade macaense.

O inquérito, lançado em formato electrónico em três línguas e dirigido aos macaenses residentes na RAEM ou no estrangeiro, pretendia “testar a sensibilidade da comunidade”, vinca o presidente da ADM, Miguel de Senna Fernandes. Dos 412 inquiridos, oriundos de 23 países e regiões, houve uma resposta “menos sonante das faixas etárias inferiores”.

A Associação dos Macaenses está a estudar a possibilidade de manter o inquérito aberto por mais tempo a “todos aqueles que se sentem macaenses”.

 

  • 76% acreditam que as características mais importantes da identidade macaense são a culinária e as tradições; 67% apontam a língua como um factor determinante e apenas 36% escolheram a religião

 

  • 42% defendem que a cultura macaense vai perdurar no tempo

 

  • 51% não querem ou não sabem se vão ficar a viver em Macau

 

  • 90% acreditam que é importante passar a cultura macaense aos filhos

 

  • 64% não planeiam regressar a Macau

 

 

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Papiando no colóquio

 

“Macau não é feudo dos velhos mais velhos, é de todos”

Carlos Marreiros, arquitecto

 

“Onde está a história escrita, para além da tradição oral que se vai perdendo? Pouca coisa tem sido feita para documentar”

Hugo Cardoso, produtor executivo de filmes e eventos

 

“Macau vai mudando, o conceito de macaense também muda, e as línguas que nós falamos também. Os nossos filhos devem falar as três línguas, porque está nos genes dos macaenses a capacidade de absorver as línguas com facilidade e naturalidade. Agora compete-nos a nós, pais, estimular e motivá-los”

André Ritchie, arquitecto

 

“Ainda me lembro de alguns reis de Portugal, de algumas estações de caminhos-de-ferro, de alguns concelhos portugueses, mas aqui [sobre a história] de Macau, esta informação não me foi passada”

Sérgio Perez, realizador

 

“Interessa-me a cultura macaense e perceber os impactos que ela sofreu com duas condicionantes grandes: a liberalização do jogo, com todo este advento de novas gentes, e novas culturas, e também o grande número de turistas”

Maria José Freitas, arquitecta

 

“Quando o dinheiro entra, a cultura sai. É tão simples quanto isso”

José Luís Pedruco Achiam, Coordenador de Actividades do Comité Consultivo para o Bem-Estar dos Trabalhadores da SJM