Memória de Pessanha quase esquecida em Macau

O mais consagrado poeta português a viver em Macau morreu há 90 anos, mas o que resta na memória de Camilo Pessanha é uma estátua e uma rua: “Pe san ié kai”, sendo que ‘kai’ significa rua.

O carácter “minoritário” da literatura portuguesa em Macau, e ainda mais da poesia e da corrente do simbolismo, explica, na opinião de académicos, a aparente ausência de Camilo Pessanha da cidade onde o poeta viveu 32 anos.

Esta aparente ausência deve-se, na opinião do presidente do Centro Pedagógico e Científico de Língua Portuguesa de Macau, a Pessanha “ter sido um poeta português” numa “cidade chinesa”. “Há 600 mil pessoas que vivem em Macau, 20 mil falam português. Portugueses de Portugal serão uns 4.000. Desses, quantos leem poesia?”, questiona Carlos André, que dirige aquele centro do Instituto Politécnico.

Além disso, “Pessanha não é um ortodoxo, é exactamente o contrário, era um poeta um tanto marginal no seu tempo e não deixou de o ser. Mesmo na literatura, é um poeta de um movimento minoritário, que é o simbolismo”.

Além de ter “contra si” a poesia simbolista, uma corrente literária “excêntrica”, “que não perdurou”, Pessanha não foi “particularmente fecundo”, o que “ajuda a perceber algum apagamento da parte dele”, acrescenta.

É, no entanto, “a maior figura de Macau na literatura portuguesa” e Carlos André admite que lhe “causa estranheza” que, ao entrar no Cemitério São Miguel de Arcanjo, não seja fácil identificar a sua campa.

O académico afasta da equação questões relacionadas com o facto de Pessanha ter sido crítico de Macau, que considerou “um meio acanhadíssimo, mexeriqueiro e boçal”.

“No seu tempo isso poderá ter tido importância, mas hoje já ninguém se lembra”, diz.

Reacção semelhante tem Fernanda Gil, directora do Departamento de Português da Universidade de Macau: “A relação dos poetas com os contemporâneos normalmente não se repercute no futuro de maneira muito decisiva”.

Para a investigadora, a ausência de Pessanha estará mais relacionada com “a simples razão de pertencer a uma minoria linguística em Macau” e a “ter sido uma figura silenciosa”, que se inscreveu “num movimento de poesia bastante elitista”.

O arquitecto Carlos Marreiros, presidente do Instituto Cultural de Macau entre 1989 e 1992, explica que “houve várias ideias” para eternizar Pessanha, incluindo uma Casa da Poesia e um museu.

Mas nessa época de fervilhante actividade em antecipação à transferência de Macau para a China, havia muito que fazer: “Nem um centro cultural tínhamos, nem um museu de arte. Estávamos a desbravar tudo, a consolidar o festival internacional de música, a lançar o festival de artes, a preparar uma rede de bibliotecas públicas”.

Mas há um projecto que continua de pé: uma Casa Museu Macaense, projectada para o bairro de São Lázaro, que aguarda autorização e financiamento do Governo, que reconstituiria uma casa tradicional do final do século XIX e teria uma secção dedicada a Pessanha. “Teria manuscritos, fotografias, autógrafos de Camilo Pessanha. E o clímax deste percurso [dentro da casa-museu] era uma sala multimédia em que a pretensa voz de Pessanha declamava os seus poemas”, descreve.

O Instituto Politécnico e a Universidade de Macau não têm qualquer actividade planeada para o 90.º aniversário da morte do poeta. Já a Escola Portuguesa de Macau organiza, no dia 1 de Março, uma romagem ao cemitério onde Pessanha está enterrado com três turmas de alunos que aí vão declamar poemas