Chá | Entre as lojas tradicionais e os supermercados

Dois homens do chá, duas gerações e dois modelos de negócio. Andrew Chan distribui para supermercados, Tsang Chi Fai tem três lojas no centro de Macau

 

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Texto Catarina Domingues | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Numa das prateleiras do supermercado do New Yaohan já só restam quatro dos 12 tipos de chá da empresa Ying Kee (Hong Kong) Tea House. A Man Tong Trading, distribuidora desta marca em Macau, encomendou perto de 600 latas de chá, com preços que variam entre as 70 e as 150 patacas, para vender durante o período do Ano Novo Chinês. “Foram praticamente todas [latas] vendidas”, diz Andrew Chan, director executivo da empresa. Os pacotes redondos e prensados de 150 gramas do envelhecido puer custam 575 patacas. “Venderam-se apenas 17.”

Andrew Chan imprimiu uma série de papéis com informação sobre o negócio em inglês: a Ying Kee, que importa chá do interior da China e de Taiwan, abriu as portas em 1881 em Cantão, na Província de Guangdong; chegou 70 anos depois a Hong Kong, onde já estabeleceu 13 lojas; em Macau está representada há meia década em dois supermercados.

Ao longo de um mês, os produtos da empresa estiveram em promoção no sétimo andar deste supermercado. Macau é o principal consumidor; segue-se o Interior do País. “Existe ainda muita desconfiança dos chineses em relação à qualidade dos produtos no país e, por isso, preferem comprar aqui”, diz Andrew Chan.

 

Andrew Chan_GLP_01

 

No caso de Tsang Chi Fai, responsável pela distribuidora Va Luen, é mesmo do continente chinês que chega a maioria dos interessados. E aqui a confiança volta a falar mais alto: “Para o chá chegar a Macau, tem de passar por exames de qualidade e inspecções apertadas”, diz. Realça, porém, que na China ainda prevalece a ideia de que a qualidade está directamente ligada ao preço. Por isso, Tsang admite que o negócio “não é muito lucrativo porque o chá é mais barato em Macau”.

Na Rua de Cinco de Outubro, onde se concentraram no passado importantes salões de chá, este empresário abriu três lojas. Já lá vão 50 anos. À porta do número 106, onde acabamos por entrar, está um letreiro com o logótipo do Grupo COFCO, a gigante estatal alimentar chinesa. Foi a relação deste homem com Pequim que abriu caminho para o negócio do chá. Já depois da fundação da República Popular, em 1949, o governo chinês iniciou a reorganização do mercado do chá, criando uma rede de distribuição. “Na altura, eu era membro do Associação Comercial de Macau, já fornecia localmente vários produtos agrícolas e tinha experiência na área da importação, por isso fui convidado para ser o distribuidor local.”

Tsang era um jovem de 30 anos quando começou a erguer este pequeno império em Macau –três espaços comerciais e quatro armazéns. “Se tivesse de pagar uma renda, já teria fechado a empresa”, diz enquanto enche uma taça com chá.

O puer é o chá que mais vende nestas três lojas. O mais caro data de 1954 e custa 700 mil patacas. Tsang abre um dossiê, que deixa na mesa, e retira um papel. “Tenho aqui o certificado de qualidade dos meus produtos”, diz com orgulho.

Bules em cerâmica, sacos, caixas e bolos de chá estão alinhados nas prateleiras; à entrada, foi colocado um vaso com tangerinas do Ano Novo Chinês – são as laranjas da sorte. Da porta são necessários poucos metros para chegar aos números 108 e 113 da mesma rua, onde funcionam as outras duas lojas.

 

Tsang Chi Fai_GLP_01

 

Também presidente da Associação da Arte do Chá, o especialista acredita que em Macau existe uma crescente consciencialização dos jovens para com os benefícios da bebida – e aqui mostra um novo papel, onde estão descritas algumas das propriedades medicinais das ervas.

Pelas mãos deste homem já passaram mais de mil alunos nos cursos de formação organizados pelo governo. “São os mais novos que sabem escolher o chá, mais do que as gerações anteriores”, refere, enquanto volta a encher a chávena.

E de regresso ao supermercado do New Yaohan, Andrew Chan mostra-se pessimista: “Os jovens não bebem chá”, lamenta.

A dificuldade em chegar a um grupo de pessoas mais vasto fez com que em Hong Kong o modelo de negócio da Ying Kee começasse a ser repensado. Na loja que abriu no aeroporto preparam-se agora sobremesas e pratos de dim sum para acompanhar a xícara de chá.

Com o objectivo de atrair a população mais jovem, a Man Tong Trading também começou a distribuir em Macau chás de fruta e flores de uma outra empresa da região vizinha, a Florte. Lavanda, hortelã-pimenta, misturas de gengibre e romã são alguns dos aromas que chegam de países como a Alemanha ou o Irão. “Quero aumentar o meu lucro e a verdade é que este género vende três vezes mais em Macau do que os chás tradicionais que ponho no mercado.” A aposta em produtos estrangeiros e em embalagens mais modernas está direccionada também para os compradores chineses. “Especialmente no Interior da China, as pessoas interessam-se por estes produtos, que não são facilmente acessíveis no país.”

 

 

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Importação de chá em Macau

 

2015 – 1077 mil kg

2014 – 997 mil kg

2013 – 960 mil kg

2012 – 930 mil kg

2011 – 1015 mil kg

2010 – 974 mil kg

2009 – 861 mil kg

2008 – 976 mil kg

2007 – 1145 mil kg

2006 – 938 mil kg

2005 – 839 mil kg

2004 – 736 mil kg

2003 – 666 mil kg

2002 – 586 mil kg

2001 – 632 mil kg

2000 – 669 mil kg

1999 – 666 mil kg

1998 – 488 mil kg

 

Fonte: Direcção dos Serviços de Estatística e Censos

 

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Os portugueses na rota do chá

O negócio do chá aproximou chineses e portugueses a partir de meados do século XVII. Macau era nessa altura o grande porto do comércio do chá proveniente das províncias de Guangdong, Fujian e Yunnan.

Antes disso, os navios portugueses que partiam da pequena cidade em direcção ao Sudeste Asiático não costumavam transportar chá. De realçar ainda que, em Portugal, a bebida não fazia parte dos hábitos da população. Só a partir de 1669 é que o comércio das folhas chinesas ganha fôlego.

Os portugueses, que funcionavam como intermediários, forneciam a Companhia Holandesa das Índias Orientais (VOC) e os ingleses através de outras regiões do Sudeste Asiático.

O último quartel do século XVII fica associado a um crescimento exponencial do consumo de chá na Europa e na Inglaterra em particular.

As primeiras décadas do século que se seguiu são favoráveis aos mercadores portugueses de Macau, que se aproveitaram da proibição temporária Qing à navegação, que impedia o comércio para fora da China. Macau tinha acesso livre aos mercados chineses e foi durante uma década o único fornecedor importante da VOC.

Ao longo da segunda metade do século XVIII a VOC entra em concorrência aberta com a Companhia Inglesa das Índias Orientais, com vantagem para a segunda e prejuízos para os fornecedores portugueses e chineses de Macau.

Os portugueses não conseguiram contrariar esta tendência, e após 1756 e o encerramento da VOC na Batávia (actual Jacarta), o negócio de chá mudou definitivamente de mãos. Macau continuou a exportar pequenas quantidades para países como o Vietname, mas a posição dos portugueses neste sector nunca mais alcançou os níveis observados no início do século XVIII.