Josie Ho, nascida para cantar

Começou a cantar tão nova que nem se lembra. Hoje, entre música, trabalho, estudos e vida pessoal, mal lhe sobra tempo para dormir. Mas recusa-se a desperdiçar a voz com que nasceu. E mostra-se optimista quanto ao futuro do sector da música em Macau

 

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Texto Sofia Jesus | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Josie Ho apaixonou-se pela música quando os pais lhe apareceram em casa com um aparelho de karaoke. Não tem memória disso. Mas contou-lhe a família – e as imagens da época – que “cantava dia e noite”. Sem parar. E nunca mais parou.

A paixão começou em casa, alimentada a cassetes e CDs, mas Josie Ho, hoje com 27 anos, garante que não tem “qualquer gene musical” herdado da família. Assim como não tem qualquer base teórica sobre música.

Já compôs uma melodia – I am who I am –, mas não toca qualquer instrumento. Há cerca de três anos teve umas aulas de piano, para preparar uma actuação específica em que cantava e tocava ao mesmo tempo – algo que admira bastante em quem o faz. “Estava muito interessada em tocar piano, mas era muito difícil para mim continuar a aprender, por isso desisti”, conta, entre risos de algum embaraço.

Nascida em Macau, Josie Ho começou por cantar em coros no liceu, tendo desde então participado em diversos concursos musicais e sido muitas vezes premiada. Antes de entrar para a faculdade, chegou a ter uma proposta para assinar um contracto como cantora, mas recusou, porque queria ir estudar para o estrangeiro.

Antes de partir, gravou um CD onde cantava músicas de outros artistas e distribuiu o álbum pelos amigos. “Hoje, quando oiço essas músicas, soam-me tão mal”, confessa.

Foi nos Estados Unidos, onde se licenciou em jornalismo, que começou a pensar na música como algo mais do que um passatempo. Conheceu alguns artistas que a ajudaram a gravar um novo CD de covers. “Uma versão melhorada, mas que hoje também me soa horrivelmente”, ri-se.

De regresso a Macau, o Facebook ajudou-a a voltar a contactar velhos amigos ligados à música. “E as coisas simplesmente foram acontecendo. ”Foi o “vem cá”, o “canta para nós” – às vezes gratuitamente, às vezes sendo paga, “mas muito pouco”. “Eu não me importava. Eu basicamente só queria cantar.”

Mark Lam foi uma das pessoas que a inspirou a levar a música mais a sério. Proprietário de uma sala de música ao vivo em Macau, mostrou-se interessado na voz de Josie Ho, compôs uma música para ela, convidou-a para cantar no seu espaço. “E foi assim que mais algumas pessoas me ficaram a conhecer.” Hoje é mais conhecida em parte graças a dois amigos com quem cruzaria caminho.

 

Com os colegas de profissão AJ (à direita) e Hyper Lo (à esquerda)

 

Trio maravilha

Josie Ho conheceu AJ na operadora de jogo onde ambos trabalham. Mas nenhum sabia que o outro tinha queda para a música até 2013, quando AJ viu uma actuação de Josie Ho nos TDM Music Awards – transmitidos pela Teledifusão de Macau –, onde interpretou a canção original Panacea – letra e música de Siu Fan Cheng –, distinguida como uma das favoritas. AJ gostou do que viu e ouviu – e desafiou-a para novos projectos.

“A música aproximou-nos”, conta a artista. Começaram a trocar mensagens todos os dias a discutir o que poderiam fazer juntos na esfera musical. “Mas éramos duas pessoas sem qualquer equipamento, sem estúdio, enfim, sem grandes recursos.”

Até que AJ lhe apresentou o amigo Hyper Lo, um músico – cantor, compositor – já famoso em Macau. Reuniram-se. “E sentimos que houve química [entre os três].”

O primeiro projecto do trio foi o lançamento da música original Lucky Song, inspirada no Ano Novo Chinês – com letra de Hyper Lo e música de AJ –, e que contou com a colaboração de outros cantores. “Foi assim que tudo começou.”

Os três artistas têm aparecido muitas vezes em grupo. “Mas não somos um grupo”, esclarece Josie Ho.

Hoje, gerem em conjunto a empresa SP Entertainment. “O Hyper é o director e o dono, o AJ está encarregue da área do marketing e da gestão de eventos, e eu faço a parte das relações públicas.” O negócio é gerido, sobretudo, através da troca de e-mails ou de mensagens de WhatsApp.

Para já, a empresa promove apenas o trabalho dos três músicos, mas também convida habitualmente outros cantores sem contrato para participarem em determinados projectos, consoante os pedidos dos clientes. A companhia gere eventos, serve de agente, produz microfilmes, em parceria com terceiros. E planeia crescer.

Em 2014, os três amigos lançaram a música Get ready, para apoiar o boxer de Macau KK Ng, patrocinado pela Sands China, empresa onde Josie Ho e AJ trabalham. “A música tornou-se muito popular. Muita gente a adorou.” E isso inspirou-os. “Queremos fazer mais músicas destas: são positivas, energéticas, têm um bom significado, são muito animadas, e são muito bem-recebidas pela geração mais nova.”

Get ready, explica, fala da coragem que um boxer tem de ter, das dificuldades que tem de ultrapassar constantemente. É uma “metáfora para a vida”, que encoraja os jovens a não desistirem facilmente dos seus objectivos. “Quando deparamos com obstáculos, temos de encontrar uma forma de nos desenvencilharmos, temos de manter a paixão pelo que fazemos, em vez de ganharmos medo e de nos deixarmos derrubar facilmente”, resume.

Josie Ho acredita que “viver em Macau é algo abençoado”, devido ao apoio que o Governo dá aos residentes, em especial na área da cultura, sublinha. Mas esta bênção, avisa, também faz com que as pessoas estejam demasiado habituadas a ser ajudadas. “Muitas vezes não sabem dar valor às oportunidades que lhes aparecem pela frente.”

 

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O primeiro álbum

Josie Ho lançou o seu primeiro EP em 2015. Ho Chi Cheng – o nome chinês da cantora – reúne um conjunto de sete canções que procuram transmitir diferentes aspectos do mundo interior da artista, como a própria descreve.

Josie Ho não esconde o gosto especial que tem por “músicas românticas” ou mesmo “tristes” – um pouco inspirada no cantopop, que ouve com frequência. “As pessoas gostam de músicas comerciais: melodias fáceis de decorar e que sejam sobre amor. Mas eu não quero limitar-me a cantar apenas um tipo de música.”

Daí que o seu primeiro EP inclua diferentes estilos musicais. “Quero que as pessoas conheçam a minha versatilidade e me digam o que gostam mais”, explica. Uma cantora que a inspira é Joey Yung, de Hong Kong, famosa também por ser muito versátil.

“[Cantar] é uma forma de expressar os meus sentimentos, sobretudo quando estou em baixo”, conta a artista, que prefere cantar em cantonês. Por outro lado, adora estar em palco, onde desde criança se sente à vontade. “Tem tudo a ver com a interacção entre mim e o público. Gosto de ver como as pessoas reagem.”

 

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Ser cantor é algo que ainda não é muito bem visto por algumas pessoas em Macau, diz. Porque consideram que o salário não é estável, porque acham que não é uma carreira muito profissional. Mas há também cada vez mais pessoas a apreciar música Made in Macau, ao contrário do que acontecia há alguns anos, explica. Sobretudo jovens: “Seguem as nossas actividades, as nossas notícias, as nossas canções. Quando actuamos fora, cantam connosco, pedem autógrafos e fotos. Sentimos que optam por ouvir música com base na qualidade da mesma e não na popularidade dos cantores.” Algo que entende aplicar-se ao sector da música em geral em Macau.

O que falta, por vezes, no território, diz, é alguma iniciativa por parte dos artistas em promover o seu próprio trabalho. Mas o certo é que o que se faz em Macau começa a despertar curiosidade em Hong Kong. “Podemos ver um futuro [para o sector musical de Macau]. Se eu pudesse viver de uma carreira como cantora a tempo inteiro, adoraria”, admite. Esse não é, para já, o objectivo, mas assegura que também não vai abrir mão de continuar a cantar.

Josie Ho acredita que nasceu com uma voz boa para cantar e tem “de fazer uso disso”. “Não quero desperdiçá-la.” E assim se desdobra entre a música, o trabalho no departamento de relações públicas da Sands China, um mestrado à distância e um companheiro para a vida que, garante, muito a apoia.

Josie Ho olha à sua volta e vê muitas pessoas com uma vida “estável”, trabalho-casa, “a passar o tempo a fazer coisas muitas chatas”. “Querem ganhar a vida, mas não estão a vivê-la de uma forma produtiva.” Ela não consegue ser assim. “Morreria.”

 

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