Fórum de Macau com mais protagonismo

O Governo da RAEM, com do Governo Central, quer que a sua região assuma mais importância como plataforma entre a China e os países de língua portuguesa. O Fórum de Macau vê-se assim perante um desafio que implica mais dinâmica e intervenção. A sua 5.ª Conferência Ministerial, a realizar em Outubro, pode dar-lhe mais armas para superar as novas exigências.

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Texto Nuno G. Pereira

 

A nível bilateral, as relações económicas entre a China e os países de língua portuguesa continuam fortes. Em Julho, por exemplo, Angola tornou-se, pela primeira vez em 2016, o principal fornecedor de petróleo à China, e a quantidade de soja do Brasil comprada pela China aumentou para 77 por cento do total da sua soja importada. Já no início de Setembro, durante a cimeira do G20 realizada em Hangzhou, a China e o Brasil assinaram nove acordos de cooperação e investimento, nas áreas de aviação, energia e agricultura, com os valores totais dos negócios a atingirem números acima dos 5000 milhões de dólares americanos.

Estes dados e a expectativa oficial, por parte do Governo Central e do Governo da RAEM, de que Macau tenha um papel mais importante como plataforma entre a China e os países de língua portuguesa, colocam pressão sobre o trabalho do Fórum de Macau.

A 5.ª Conferência Ministerial do Fórum realiza-se nos dias 11 e 12 de Outubro, com a participação de delegações oficiais da China, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e Timor-Leste, esperando-se a presença do primeiro-ministro chinês, Li Keqiang. Sob o tema “Rumo à Consolidação das Relações Económicas e Comerciais entre a China e os Países de Língua Portuguesa: Unir Esforços para a Cooperação, Construir em Conjunto a Plataforma, Partilhar os Benefícios do Desenvolvimento”, a conferência tem por base a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”. Será assinado o Plano de Acção para a Cooperação Económica e Comercial para os próximos três anos (2017-2019) e, à margem da conferência, realizar-se-á ainda o Encontro dos Empresários entre a China e os Países de Língua Portuguesa.

Será desta conferência que deverão sair as respostas para melhor definir o rumo que o Fórum vai tomar. Para já, além da recente substituição no cargo de secretário-geral (onde está, desde 11 de Agosto, Xu Yingzhen) muito pouco se sabe. Cristina Morais, secretária-geral adjunta do Fórum, afirma não ter informação sobre os principais temas a abordar na conferência e que, por isso, não elabora expectativas sobre os seus resultados. Sobre o momento actual do Fórum, em particular na dinamização económica das relações entre a China e os países de língua portuguesa, já tem algo a dizer. “Macau desempenha activamente, desde 2003, por iniciativa da República Popular da China, o papel de plataforma no reforço da cooperação económica e comercial entre a China e os países de língua portuguesa, usando a sua ampla rede de contactos com o exterior e longa história de ligações com os países de língua portuguesa. Macau continua a desenvolver actividades, com vista à consolidação e ao aprofundamento do conhecimento mútuo, com destaque para o estabelecimento de parcerias diversas entre os agentes económicos dos países participantes do Fórum de Macau.” Os frutos dessa ligação, sublinha, são muito positivos. “O papel de Macau como plataforma e os resultados obtidos desde 2003 na promoção e no aumento das trocas comerciais e, mais recentemente, na cooperação na formação de recursos humanos, na cooperação financeira e no intercâmbio cultural, exemplificam que a plataforma de Macau está a ser gradualmente e com grande êxito concretizada, com o apoio do Governo Central, dos países de língua portuguesa, do Governo da RAEM e dos intervenientes empresariais e associativos dos países participantes.”

 

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Reforçar a intervenção

Se aquilo que se pretende para Macau é que exerça com maior protagonismo o papel de plataforma China-países de língua portuguesa, o que pode a região ambicionar num quadro de maior cooperação, em particular nas áreas turística e cultural? E como vai o Fórum ser o instrumento decisivo para concretizar tal ambição? Cristina Morais expressa a tranquilidade da instituição nesse contexto. “Macau tem um papel de grande relevo a desempenhar como ponte de ligação privilegiada entre a China e os países de língua portuguesa, tirando partido das suas vantagens, como o bilinguismo e uma tradição secular de relacionamento com o espaço lusófono dos países participantes do Fórum. As vertentes de cooperação cultural e turística poderão afirmar-se como as áreas em que Macau poderá ter uma mais-valia, pelas razões já expostas, de proximidade cultural ao espaço dos falantes de língua portuguesa. O projecto de ‘Um Centro, Uma Plataforma’ vem evidenciar o enorme potencial da cooperação cultural e na vertente do turismo entre a China e os países de língua portuguesa, apoiando a diversificação da economia de Macau.”

No que diz respeito ao turismo, lembra que a área já merece maior atenção desde 2006. “O enfoque sobre a cooperação turística, foi em rigor já enunciado no 2.º Plano de Acção, onde se faz referência aos países de língua portuguesa como destino para os grupos de turistas chineses (China Approved Destination Status – ADS). Posteriormente foram assinados vários memorandos de entendimento em matéria de turismo entre a Direcção dos Serviços de Turismo da RAEM e as direcções e serviços homólogos de vários países de língua portuguesa. Esta cooperação contempla ao nível do Fórum de Macau o intercâmbio de informações, com a participação em feiras, fóruns empresariais e também formação de vários quadros, através de estágios de formação em Macau e nos países de língua portuguesa.”

A cooperação cultural com os países de língua portuguesa, garante a secretária-geral adjunta, é também uma grande aposta do Governo da RAEM e sustenta os esforços de consolidação do projecto de tornar Macau um centro mundial de turismo e lazer. “Diversas actividades culturais têm sido realizadas na RAEM, entre as quais se destaca a realização anual da Semana Cultural da China e dos Países de Língua Portuguesa. Esta actividade cultural, realizada pelo Secretariado Permanente do Fórum, em colaboração com várias outras entidades governamentais, procura consolidar a relação entre a China e o espaço lusófono, celebrando o intercâmbio cultural e a amizade entre os povos.”

Olhando para os próximos anos, quais são então as principais mais-valias que o Fórum pode trazer à relação entre a China e os países de língua portuguesa? “As vantagens de Macau, fruto do seu relacionamento histórico com o mundo de língua portuguesa são sobejamente conhecidas. Língua, história, cultura, são os elementos que mais evidentemente serão recordados, mas Macau tem outras valências, como um sistema fiscal, bancário e legal de matriz lusófona que irá contribuir, de forma muito significativa e cada vez mais afirmada, para o enquadramento desta relação económica e comercial. São esses factores, entre outros, que no seu conjunto tornam Macau esta plataforma de relacionamento privilegiado entre a China e os países de língua portuguesa. O Fórum, sediado em Macau, procura evidenciar e potencializar estas mais-valias.”

 

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Quatro conferências que marcaram uma relação

O Fórum de Macau é um mecanismo de cooperação entre a China e sete países de língua portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e Timor-Leste, cujo Secretariado Permanente, por vontade expressa das partes, foi sediado na RAEM. As Conferências Ministeriais são o momento mais emblemático da cooperação entre os países participantes, com a assinatura dos Planos de Acção para a Cooperação Económica e Comercial. Desde o seu estabelecimento em 2003, o Fórum realizou quatro conferências ministeriais, em 2003, 2006, 2010 e 2013.

 

1.ª Conferência

Marcou o ponto de partida para a cooperação entre os países participantes do Fórum nas áreas da cooperação intergovernamental, comércio e investimento, cooperação agrícola, construção de infra-estruturas, recursos naturais e recursos humanos.

 

2.ª Conferência

Veio alargar o escopo da cooperação, enriquecendo os conteúdos e introduzindo novas áreas de cooperação, entre as quais se destaca a vontade plasmada no plano de acção de estudar a possibilidade de criação de um mecanismo de financiamento próprio do Fórum. Este plano de acção consagrou o papel de Macau como plataforma, com a introdução no texto de um parágrafo dedicado à Plataforma de Macau.

 

3.ª Conferência

Será lembrada pela participação de dirigentes ao mais alto nível, incluindo o primeiro-ministro da China, Wen Jiabao. O encontro foi marcado pelo anúncio de seis medidas de apoio da China a favor dos países de língua portuguesa. Introduziu-se também, pela primeira vez, a temática da formação de recursos humanos bilingues, mas o ponto mais relevante foi o anúncio, pela parte chinesa, do lançamento de um fundo financeiro para financiar projectos do Fórum de Macau, no valor de um mil milhões de dólares norte-americanos.

 

4.ª Conferência

Serviu de palco para o anúncio, pela parte chinesa, de oito novas medidas de apoio aos países de língua portuguesa, para o triénio 2014-2016:

1-Apoio ao desenvolvimento económico e social dos países participantes de África e Ásia, com a concessão de empréstimos em condições favoráveis no valor de 1800 milhões de RMB, principalmente direccionados para a construção de infra-estruturas e projectos de desenvolvimento de unidades de produção;

2-Implementação de Zonas de Cooperação Económica e Comercial nos países de língua portuguesa, na base da experiência adquirida por empresas chinesas na construção, e operacionalização destas zonas;

3-Apoio aos países participantes de África e Ásia para construção de infra-estruturas destinadas ao ensino e formação, assim como doação de equipamentos de rádio, televisão e telecomunicação, e ainda projectos de energia solar para iluminação pública;

4-Apoio na qualificação de recursos humanos com acções de formação para 2000 elementos dos países de língua portuguesa;

5-Atribuição de 1800 bolsas de estudo para incentivar o intercâmbio de estudantes;

6-Apoio ao sector de saúde e medicina com o envio de 210 médicos para os países participantes de África e Ásia;

7-Promoção da plataforma de Macau como ponto de referência para a formação de bilingues qualificados;

8-Promoção da cooperação trilateral em sectores prioritários como educação e formação, agricultura, protecção ambiental e energias limpas, entre outras.

 

CAIXA

A palavra aos delegados do Fórum

Malam Camara, delegado da Guiné-Bissau

Aproveitando as vantagens de Macau, têm-se estabelecido acordos institucionais entre serviços públicos e privados de Macau com as instituições da Guiné-Bissau, com a assinatura de vários acordos de cariz cultural, de difusão de informação, económicos e comerciais. Porém, o papel de Macau poderá ser reforçado. Só terá de utilizar as suas vantagens, se as instituições e a classe empresarial se envolverem mais no papel da plataforma. Para que Macau reforce então este papel deverá: implementar os acordos existentes entre a RAEM e os países participantes do Fórum de Macau, saindo do papel e tornando-se realidade; estabelecer mais acordos entre as instituições públicas e os países participantes de língua portuguesa; utilizar Macau, baseando-se no acordo CEPA, como plataforma logística de importação de produtos dos países participantes do Fórum de Macau; aproveitar as medidas do Governo Central na 5.ª Conferência Ministerial, assim como os documentos que serão assinados no âmbito da capacidade produtiva, para reforçar o seu papel como plataforma, e tornar Macau um centro de cultura ocidental e oriental, através de semanas culturais durante todo o ano, como muitas das associações lusófonas de Macau vêm reclamando faz tempo.

 

Francisca Reino, delegada de Moçambique

A República de Moçambique atribui uma importância especial ao papel de Macau pelo facto de possuir um legado e valores históricos, linguísticos e culturais comuns aos de Moçambique. Como plataforma, o Fórum de Macau poderia fazer mais a nível económico, no sentido de encontrar e promover um espaço onde as associações e empresas dos países de língua portuguesa pudessem fazer a sua internacionalização. Reconhecemos que existe um esforço no estabelecimento de mecanismos apropriados como o caso da criação de plataformas, como os “Três Centros”. Porém, é urgente que a China – em vez de priorizar a comercialização – estabeleça mecanismos de financiamento flexíveis para o sector produtivo, com objectivo de criar uma base de oferta de produtos diversificados, para um intercâmbio comercial sino-moçambicano, superando a relação actual de países consumidores e fornecedores. A identificação e a implementação de projectos concretos para a promover parcerias entre as empresas chinesas e dos países de língua portuguesa é um passo importante para esta relação. É indispensável a formação de recursos humanos para constituir condições fundamentais de sustentabilidade e desenvolvimento social, colaborando para a diversificação económica da relação entre os países participantes do Fórum de Macau. “Macau, um mercado livre” deve ser por isso uma placa giratória do empresariado dos países de língua portuguesa para a China e daquele país para os países de língua portuguesa.

 

Vítor Sereno, delegado de Portugal

A República Popular da China assume-se como um mercado incontornável para Portugal, bem como Portugal um parceiro-chave para a China, em especial no contexto com os países de língua portuguesa e a Europa. As relações bilaterais, nomeadamente a nível do comércio e investimento, têm-se intensificado significativamente nos últimos anos. Entre 2010 e 2015, as exportações portuguesas para o mercado chinês cresceram a uma taxa média anual de 36 por cento. O futuro faz-se hoje e é indubitável que o papel de Macau é e continuará a ser muito importante no relacionamento bilateral Portugal-China. É de salientar a importância da cooperação a nível da educação e de recursos humanos no quadro do Fórum de Macau, que coloca a tónica na importância do ensino das línguas chinesa e portuguesa e na formação de quadros bilingues. Os idiomas são centrais nas relações internacionais, desempenhando um papel fulcral no aprofundamento dos relacionamentos entre os mercados. Este é assim um projecto intemporal, de máxima prioridade, que contribui para o estreitar das relações económicas e comerciais entre os países participantes do Fórum de Macau. Esta é uma das muitas áreas, em diversos sectores de actividade económica, que estão a ser trabalhadas no quadro do Fórum, com os olhos no futuro. Há ainda aspectos que consideramos críticos em todo este processo e que importa realçar, tais como a mobilização de mais e melhores empresas e produtos a entrar na China, numa lógica de diversificação da oferta e sectores, uma maior e melhor promoção da oferta portuguesa, o relaxar das barreiras existentes à entrada no mercado chinês (formais e informais); o fortalecimento do conhecimento mútuo dos mercados e players; a multiplicação de canais e veículos de entrada no mercado; a intensificação do networking institucional e empresarial, e do estabelecimento de parcerias. Neste mundo tão novo e global e tão mais competitivo, a gestão de relacionamentos é crítica, sendo que o crescimento de uma economia depende do posicionamento que assume na teia de ligações em que se insere. As parcerias são assim claramente estratégicas, constituindo-se como factores de regulação da globalização e de projecção das economias a nível mundial, em especial para mercados pequenos como Portugal. A partilha de um passado, de uma língua, de valores comuns, de recursos complementares (conhecimento, capital e networking) e de objectivos alinhados, posicionam, legitimam e valorizam Macau como um parceiro estratégico de Portugal no acesso presente e futuro ao mercado da China.

 

Danilo Henriques, delegado de Timor-Leste

O Secretariado Permanente para a Cooperação Comercial e Económica entre a China e Países de Língua Portuguesa (Macau) desempenha um papel fundamental para o fortalecimento dos laços económicos e comerciais entre Timor-Leste e a China. A plataforma de Macau actualmente existe numa maneira activa através dos contactos feitos entre os representantes de autoridades, empresas e outras entidades de Timor-Leste e a RAEM nos vários eventos organizados pelo Fórum de Macau e pelo IPIM. Estes contactos contribuem positivamente para a facilidade de fazer negócios e a eficiência dos processos administrativos e outros. Quando se fala de economia e comércio, naturalmente pensa-se em dados e números do comércio, importação e exportação, valores financeiros relativos aos montantes de investimento e cooperação, certamente algumas das medidas mais “evidentes” dos laços entre os países. No entanto, também há outras, talvez não tão evidentes, mas que também podem colher recompensas benéficas. Exemplo disso são a assinatura de um acordo com a Autoridade da Zona Especial Económica de Mercado Social para desenvolver um resort turístico no enclave de Oecusse-Ambeno e ainda a assinatura de um acordo na edição de 2015 da Feira Internacional de Macau, onde uma empresa timorense iniciou a exportação do seu óleo de noz molucana de alta qualidade para Macau.