Texto Catarina Domingues | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro
Leong Pek Kuan tem 76 anos. Escolheu para hoje uma combinação de ganga, camisa e calças; as unhas estão pintadas a duas cores, ora vermelhas, ora azuis –condizem com a pequena mochila que traz para a universidade. Leong senta-se à minha esquerda no gabinete da direcção da Academia do Cidadão Sénior do Instituto Politécnico de Macau (IPM); passa-me um cartão-de-visita. Não é só aluna deste estabelecimento de ensino, é também presidente da associação de estudantes. Depois mostra-me a revista da associação – são 12 páginas, todas escritas em chinês. O texto, a fotografia e o design são da autoria dos alunos da Academia. Leong sorri, sem nunca chamar a atenção.
Esta antiga professora do ensino primário, reformada há 11 anos, frequenta a Academia há sete. Aqui a vida nunca deixa de fazer sentido: são as aulas de mandarim, os módulos de fotografia ou de edição de imagem. São também as idas em grupo ao yam cha, viagens ao Interior da China, exposições de caligrafia e pintura.
Leong terminou o ensino secundário no Colégio Santa Rosa de Lima. Sem possibilidade de prosseguir os estudos universitários, foi só mais tarde, já como professora, que concluiu um curso de formação pedagógica subsidiado pelo governo local em parceria com a Universidade Normal de Va Nam, em Cantão.
A Academia do Cidadão Sénior apareceu como uma espécie de bóia de salvação para os tempos da reforma. E parece que dilata os dias, e a vida. Não que se sentisse entediada: Leong Pek Kuan tem três filhos, três netos, sempre dançou, fez exercício físico. Mas queria saber mais. “A vida agora é mais rica”, diz.
Inscreveu-se no mandarim “porque tinha vergonha de não falar a língua”, descobriu o mundo das novas tecnologias e a fotografia. Agora, depois das aulas, passeia pelas ruas da cidade com a máquina ao peito. Escolhe o melhor plano, é disso que gosta.
“São todos iguais”
Leong Pek Kuan e a directora desta Academia, Lam Wan Mei, são velhas conhecidas. Cruzaram-se pela primeira há várias décadas, também numa sala de aulas. Leong foi professora primária da responsável pela Academia. Os papéis inverteram-se agora. “Temos estudantes que foram directores de escolas secundárias, pessoas com cargos de topo num banco, mas quando aqui entram, são todos alunos, são todos iguais”, diz Lam Wan Mei.
A Academia do Cidadão Sénior foi criada em 1999. Quando abriu as portas, oferecia oito cursos para um total de 270 alunos; hoje, passados 17 anos, existem 32 cursos e actividades à disposição dos 480 alunos. A procura tem vindo a aumentar e, por ano, a Academia rejeita cerca de 400 candidaturas.
Os alunos que frequentam a Academia têm idades compreendidas entre os 55 e os 87 anos. “Já tivemos um aluno de 92 anos a estudar informática”, lembra a directora.
Quando desenhou o projecto, o Instituto Politécnico de Macau optou por criar apenas cursos de nível básico. A licenciatura não é um requisito de entrada, sendo apenas obrigatório saber ler e escrever. “Sem oportunidades de estudar, as habilitações literárias deste grupo etário são normalmente o ensino básico ou secundário, por isso foi decidida a abertura de cursos ao nível inicial”, explica ainda Lam Wan Mei. Tecnologias de informação, línguas, literatura, caligrafia ou assistência médica são algumas das opções da Academia do Cidadão Sénior, que conta com 30 professores a trabalhar em regime parcial, um grupo de assistentes e de voluntários. O programa foi desenhado para falantes de cantonês, deixando de fora quem não domina a língua oficial mais falada de Macau.
Rejuvenescer
Lai Pou Yun tem 68 anos. E uns sapatos rosa, brilhantes, de sola fina. Manteve-se até agora em silêncio, enquanto Leong Pek Kuan e Lam Wan Mei iam falando. Os dias desta estudante da Academia do Cidadão Sénior têm horas marcadas. É às cinco da manhã que se levanta; é perto de casa, na zona do reservatório, que pratica bem cedo tai chi; depois toma o pequeno-almoço, lê o jornal, investe na bolsa. Da rotina diária desta viúva faz ainda parte uma ida ao mercado, a preparação do almoço, do jantar.
Oriunda de Punyu, na Província de Guangdong, a adolescência de Lai Pou Yun foi apanhada pela Revolução Cultural (1966-1967). Depois do secundário trabalhou nos campos, na agricultura. “Só mais tarde me tornei professora primária, ensinava chinês e matemática”, conta.
Chegou a Macau com 31 anos, já lá vai metade de uma vida. O ano de 1979 ficou marcado pelo início de importantes reformas económicas na China, mas Lai deixa Punyu para acompanhar o marido que se muda para Macau para trabalhar numa empresa ligada à construção. “Em 2009, o meu marido morreu num acidente.”
Uns anos mais tarde, Lai toma a decisão de entrar para a Academia do Cidadão Sénior. “Havia uma grande variedade de disciplinas e já que não tive oportunidade de estudar na universidade, decidi inscrever-me. Isso ajudou a superar a minha perda.”
A caligrafia era um interesse que tinha desde pequena. E a poesia chinesa também – hoje sabe dizer “quais são os poetas que pertencem a quais dinastias”. Prefere Li Bai (701-762), o poeta da dinastia Tang, que já a família gostava de ler. “São poemas que influenciaram a sociedade daquela época”, reforça a estudante, que frequenta ainda aulas de medicina tradicional chinesa. “Uma pessoa rejuvenesce aqui.”
A caminho de uma “sociedade hiper-idosa”
De acordo com inquéritos realizados pela Academia, a maioria dos alunos que frequenta este estabelecimento de ensino superior diz que quer continuar a estudar depois de terminar o curso. Mas são permitidas apenas duas matrículas por estudante, ou seja, depois de dois períodos de quatro anos não podem voltar a inscrever-se. Para muitos é complicado deixar a Academia, admite Lam Wan Mei. “Há quem opte por ingressar noutras escolas ou em cursos oferecidos por centros de idosos.”
A Academia, realça ainda a directora, tornou-se numa segunda casa para muitas destas pessoas. “Lembro-me de uma aluna me dizer: há coisas que posso falar consigo e não com os meus filhos, porque em casa sou mãe, aqui sou aluna.”
Em entrevista à MACAU, Lam Wan Mei assume ainda a importância da educação numa sociedade cada vez mais envelhecida. “Temos de perceber que no futuro a população idosa vai aumentar.”
Segundo dados oficiais, nove por cento da população de Macau tem mais de 65 anos. Estimativas apontam que até 2036 quase 21 por cento da população ultrapasse esta idade – a Organização das Nações Unidas considera que uma sociedade se encontra em situação de envelhecimento quando pelo menos sete por cento da população global pertence a esta faixa etária.
“Face ao crescimento da população idosa, a baixa taxa de fertilidade, bem como a queda consistente da taxa de natalidade, acompanhada do envelhecimento da população, o processo do envelhecimento demográfico poderá vir a tornar-se ainda mais acentuado, sendo altamente provável que em 2036 a sociedade de Macau seja considerada hiper-idosa”, refere um documento do Governo, que está a estudar novos mecanismos para a protecção da população idosa.
Entre as propostas avançadas pelo Executivo da RAEM, está a criação de um regime de trabalho a tempo parcial para ajudar à integração dos mais velhos no mercado laboral.
Lam Wan Mei nota que são vários os alunos da Academia que querem regressar ao trabalho. É o caso de uma antiga especialista em medicina tradicional chinesa, que integra agora o corpo de docentes da escola.
Leong Pek Kuan não descarta a hipótese. Já Lai Pou Yun diz que ainda tem muito que aprender.