Texto Catarina Domingues | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro
Receita para um mapa antigo:
- caneta técnica
- tinta acrílica
- chá
- documentos históricos
Eric Fok nunca teve muitos brinquedos, bastava-lhe uma caneta – além dos livros de manga e de uma televisão para ver desenhos animados, que tentava reproduzir no papel. “A caneta serve para gravar ou imaginar imagens”, diz.
Eric recebe-nos no ateliê que partilha com o escultor e melhor amigo Wong Ka Long, na Avenida Horta e Costa. Num cavalete de madeira, começa a tomar forma um mapa de Tainan, cidade histórica em Taiwan. A obra vai ser apresentada em Taipé, numa exposição colectiva.
Eric segura uma caneta preta; preenche com traços finos uma das figuras do mapa. Chama-se caneta técnica e é habitualmente utilizada em arquitectura, explica. A que costuma usar tem uma espessura de 0,1mm.
O papel tem a cor dos antigos mapas europeus de séculos passados. A fórmula é simples: Junta-se tinta acrílica – tons amarelados – a uma infusão de chá. “Esta é a mesma fórmula utilizada por Wong Ka Long para dar cor às esculturas”, refere.
Dois mapas antigos de Tainan estão ainda presos ao cavalete. São eles que ajudam o artista a perceber a dimensão e a história da cidade. “Depois de terem sido expulsos de Macau, os holandeses acabaram por ir para Tainan”, relembra. “Quero contar essa história.”
Uma semana antes desta entrevista, Eric Fok viajou até Tainan. De regresso a Macau, trouxe documentação sobre a história da cidade: fotografias, livros, mapas antigos que servem de base ao trabalho. E veio com novas ideias: “Antigamente, as pessoas iam para Taiwan por causa do comércio de pele de veado”.
Pela primeira vez, Eric vai abandonar o papel e desenhar em pele de veado.
Mentores e influências:
- Wong Ka Long
- Cai Guo-Qian
- Albrecht Dürer
- Antigos cartógrafos
Eric Fok nasceu em Macau, em 1990. Os pais, originários de Foshan, Província de Guangdong, chegaram à cidade na década de 1980. Eric é o mais novo de cinco filhos – e o único homem. “Nunca fui muito protegido por isso”, diz.
Em Macau, a mãe trabalhava numa fábrica têxtil, o pai vendia medicamentos numa farmácia tradicional chinesa. Foi com cerca de 12 anos que se começou a interessar pela pintura. “Os meus pais tinham medo que não conseguisse levar uma vida como artista, penso que preferiam que fosse funcionário público”, recorda.
A família vivia na zona norte da península, nas Portas do Cerco, e foi aí que Eric frequentou a Escola Xin Hua. Passava o tempo a desenhar nos manuais escolares, respondia aos exames com imagens em vez de palavras.
Foi durante o percurso escolar que conheceu Wong Ka Long, autor das esculturas do professor Jao Tsung-I, do poeta Luís de Camões e do jesuíta Mateus Ricci, todas elas espalhadas pela cidade.
Conheceram-se durante um curso de Verão de escultura promovido pelo Governo de Macau e viriam reencontrar-se, mais tarde, na Escola Xin Hua. “Wong foi convidado para dar cursos de curta duração e, como já nos conhecíamos do curso de Verão, perguntou-me se tinha tempo livre para o ajudar no ateliê, foi assim que me tornei assistente.”
Terminado o secundário, Eric foi estudar Artes Visuais no Instituto Politécnico de Macau. Mas é ao ateliê de Wong Ka Long e ao Museu de Arte de Macau, onde também assistiu o escultor em vários cursos, que o jovem artista de 25 anos chama de escola. Foi durante este período que começou a reformular a ligação que tinha à arte. Antes fazia “sketches, coisas normais”, entretanto iniciou a série de mapas que hoje distinguem o seu trabalho.
Influências: O artista contemporâneo chinês Cai Guo-Qiang, residente em Nova Iorque e que utiliza pólvora para desenhar – “é parecido com o meu pai”, nota Eric; o pintor alemão renascentista Albrecht Dürer e outros artistas anónimos que criaram mapas antigos.
Conhecer a história:
- Porta de Santiago, Malaca
- Emmanuele Yu Wen-Hui
- Alphonse Eugène Jules Itier
Quem entra neste ateliê dá de caras com o universo artístico de Wong Ka Long – quadros, esculturas e tintas ocupam o espaço; uma jovem que trabalha com o escultor debruça-se sobre a mesa a pintar, quase sem dar pela nossa presença.
Numa das divisões encontra-se o local de trabalho de Eric Fok. É aqui que o artista passa mais de dez horas por dia a trabalhar. E há tanta coisa: livros de arte e de história estão divididos por várias estantes; depois há pincéis, caixas chinesas, diplomas, objectos que acusam a passagem por Berlim, Düsseldorf, Praga, Amesterdão; na secretária está uma chávena de chá, um frasco de tinta; as paredes azuis estão preenchidas com os quadros do pintor – mapas de Macau, de Taiwan e de outros lugares estão pendurados em molduras antigas, grossas e trabalhadas.
Foi em 2012 que Eric Fok desenhou o primeiro mapa. Estava no terceiro ano da faculdade. A ideia surgiu em Malaca, numa visita à Famosa, fortaleza construída no século XVI por Afonso de Albuquerque. Da Famosa, destruída pelos britânicos no início do século XIX, resta hoje apenas a Porta de Santiago.
“Foi a última estação dos portugueses antes de chegarem a Macau, achei a edificação, as esculturas e cores muito semelhantes às que temos e, numa altura em que Macau se estava a desenvolver tão rápido, decidi que queria saber mais sobre a história da cidade”, refere Eric, que admite ter partido do zero. “Na escola não estudei a história de Macau e sabia apenas que foi em tempos uma vila piscatória com influência portuguesa”, acrescenta.
Fok refere ainda dois acontecimentos históricos que contribuíram para o interesse pela história de Macau: A primeira pintura a óleo feita por um chinês na China é de autoria de Emmanuele Yu Wen-Hui (1575-1633), natural de Macau, e trata-se de um retrato do missionário jesuíta Mateus Ricci; também as primeiras fotografias da China e Macau de que há registo são obra do geólogo, funcionário da alfândega francesa e fotógrafo amador Jules Itier. “Macau foi no passado um local extremamente importante e com muita influência na China.”
Estes são os paraísos de Eric Fok:
- Cidades em silêncio
- Macau
- Taiwan, Singapura, Nova Iorque…
Eric gosta de “cidades históricas e em silêncio”: Lisboa, Edimburgo, Florença e Bolonha são alguns dos exemplos apontados pelo artista. Macau, sublinha, é onde se sente em casa.
Na série “Paraíso”, um dos trabalhos que marcou o início da carreira do artista, Eric trabalha o “desenvolvimento extremamente rápido” de Macau – uma cidade confusa, meio real, meio inventada, que combina tradição e modernidade. Nos mapas criados pelo autor, estradas estão entupidas por shuttle buses, os estaleiros de obras estão lá, os casinos também.
O trânsito caótico, a cidade em mutação e a falta de espaço são temas de eleição no trabalho de Eric Fok.
O artista, que já desenhou mais de 200 mapas, tem feito o mesmo exercício com outras cidades: Nova Iorque, Lisboa, Taipé, Singapura são alguns exemplos.
Algumas das obras do autor foram seleccionadas para a edição de 2013 da Exposição Internacional de Ilustradores de Bolonha, integrada na Feira do Livro Infantil de Bolonha, e para outras mostras, como a Art Nova100 of China e a Art Revolution Taipei. Erik Fok foi ainda o vencedor da segunda edição do Prémio Fundação Oriente Artes Plásticas.
Na Galeria da Fundação Rui Cunha, o jovem expôs em 2014 a série “Paraíso”. “Repleto de fantasia, inteligência e sabedoria, Eric Fok experimenta uma interessante combinação do skyline e da cartografia nos seus trabalhos, cruzando o passado com o presente num encontro entre o leste e o oeste, tornando a realidade e a imaginação inseparáveis. Casinos gigantes, a Torre de Macau que se ergue grande, e engarrafamentos ilustrando cada mapa antigo de Macau são a forma como o artista articula eloquentemente as preocupações que tem em relação a esta terra minúscula, a que chama de casa”, escreve Chichong Choi, curador da mostra.
Numa outra exposição individual, realizada no mesmo ano, em Lisboa, na Galeria Arte Periférica, Eric Fok imaginou uma frota comandada por Zheng He, navegador chinês do século XIV, a chegar a Portugal, à Torre de Belém.
O futuro:
- Explorar o Interior da China
- Entrar para a história
- Novos materiais, cores e obras de maior dimensão
“Ainda estou a tentar perceber qual o caminho a seguir”, refere Eric Fok.
Para já estes são os planos do jovem artista a curto prazo: trabalhar com novos materiais, utilizar mais cores e criar obras de maior dimensão “que se adaptem melhor a museus e grandes galerias”.
O artista local, que tem obras na colecção do Governo da RAEM, do Instituto Cultural de Macau, da Fundação Oriente e também em colecções privadas nos Estados Unidos, Itália, Reino Unido, Singapura, Macau e Hong Kong, nota que um dos grandes objectivos passa por entrar no mercado chinês. “O mundo é gigante, eu cruzo a fronteira e ninguém conhece o meu trabalho”, salienta o jovem, admitindo que o consumo de arte “ainda não é muito comum entre os chineses”.
Eric Fok quer “entrar para a história” e através da arte “gravar a história de Macau”. “Quero que no futuro as pessoas olhem para o meu trabalho e entendam o que pensavam as pessoas sobre Macau, como é que a cidade se desenvolveu, que problemas sociais existiam, é isso que quero deixar registado”, diz.
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Raio-x
Que diz o nome chinês Fok Hoi Seng?
Fok é o meu apelido; Hoi é um carácter utilizado na palavra 凯旋 (Hoi Suen), que significa ‘regressar em triunfo’, já que os meus pais deixaram o Interior da China e mudaram-se para Macau e esperam um dia regressar a casa em triunfo. Já Seng quer dizer ‘próspero’, ‘florescer’.
Destro ou canhoto?
Destro.
Pessoa que mais admira?
Os meus pais.
A cidade de eleição?
Todas as cidades têm uma sensibilidade diferente, mas prefiro cidades em silêncio e históricas: Edimburgo, Florença, Bolonha, Lisboa. Em Macau sinto-me em casa.
E o filme?
Os filmes de Hong Kong dos anos 1980 e 1990.
Livro?
Diferentes géneros, são muitos.
Qual a cor preferida?
Preta.
E o local favorito em Macau?
Meia Laranja.
Café ou chá?
Geralmente chá, mas a primeira coisa que bebo de manhã é um café.