Sob o feitiço da Lua

Mais conhecido do que o calendário solar tradicional é o que se baseia nas conjunções entre o Sol e a Lua (Lua Nova) que se repetem ao longo do ano. A Lua Nova entre 21 de Janeiro e 20 de Fevereiro, a mais importante de todas, marca o início do ano lunar e do seu primeiro mês.

 

 

 

Texto Luís Ortet | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro | Ilustração Rodrigo de Matos

 

O calendário baseado no ciclo das quatro estações é um calendário solar que decorre do movimento aparente do Sol ao longo do ano e que tem um grande paralelismo com o calendário ocidental. Consequentemente, corresponde a datas fixas do calendário gregoriano, apenas com pequenas variações de um ou dois dias de ano para ano, o que decorre do desfasamento existente entre os 360 graus zodiacais e os 365 ou 366 dias de um ano (e que é comum a todos os calendários solares).

Ao passo que o calendário lunar é o que se baseia no período de tempo que decorre entre duas conjunções entre o Sol e a Lua (isto é, Lua Nova). O dia da Lua Nova é o primeiro dia do novo mês lunar, o dia que se segue é o segundo dia, e assim por diante. Diversas civilizações adoptaram este tipo de calendário e, mesmo na Europa, ele foi utilizado, por exemplo, na medicina medieval.

No dia 19 de Fevereiro do corrente ano (2015) houve uma conjunção entre o Sol e a Lua, portanto uma Lua Nova. Esse foi o primeiro dia do primeiro mês do ano (lunar) da Cabra, o dia da Festividade do Ano Novo Chinês (ou Ano Novo Lunar). Foi nesse dia que se celebrou na China (e nas comunidades chinesas espalhadas pelo mundo) o começo do novo ano chinês, apesar de, em rigor, de acordo com o Calendário do Agricultor, o ano já ter começado no dia 4 de Fevereiro (o dia do Lichun).

Em regra, cada ano tem 12 meses lunares, mas devido ao desfasamento entre o número de lunações e os 365 ou 366 dias de cada ano, é necessário acrescentar, cada três ou quatro anos, um mês extra. Isso aconteceu, por exemplo, em 2014, ano do Cavalo, em que houve um segundo nono mês lunar, pelo que no total o ano teve 13 meses lunares. Trata-se de um fenómeno semelhante ao acréscimo de um dia nos anos bissextos do calendário solar gregoriano.

Os 12 meses do calendário lunar são em geral identificados por ordinais: primeiro mês lunar, segundo mês lunar, etc. Ao passo que os 12 meses do calendário solar são definidos pela combinação específica entre um caule celeste e um ramo terrestre. A ordem dos ramos terrestres repete-se todos os anos. O Lichun, a 4 de Fevereiro, marca sempre o início do mês yin 寅 (que equivale ao Tigre), a que se seguirá, cerca de 6 de Março, o mês mao 卯 (que equivale ao Coelho) e assim por diante.

Há porém uma certa analogia entre os meses dos dois calendários. O primeiro mês lunar é por vezes visto como análogo ao mês do Tigre, o segundo mês ao do Coelho, o terceiro ao do Dragão, e assim por diante, embora essa analogia seja claramente perturbada nos anos em que é introduzido um mês lunar extra. No fundo, o nianchuyi 年初一 (primeiro dia do novo ano) é análogo ao Lichun, embora as duas datas muito raramente coincidam no tempo. O primeiro pertence ao calendário lunar e o segundo ao calendário solar. Note-se que excepcionalmente, em 2016, as duas datas terão uma diferença de apenas quatro dias, como se pode constatar no quadro da página XX.

A diferença de fundo é que o calendário lunar servia, nos tempos imperiais, para a ordenação cronológica para fins práticos do dia-a-dia, ao passo que o calendário solar, do Agricultor, descreve os ciclos da natureza, decisivos para a vida agrícola, e é ainda utilizado para fins adivinhatórios pelos praticantes do sistema Bazi, entre outros. Só o calendário solar descreve com rigor os ciclos da evolução da energia universal qi 气.

Uma das vertentes desse calendário mais conhecidas do grande público são os chamados 24 termos solares, correspondendo cada um a metade de um mês solar. O primeiro termo, entre 4 e 18 de Fevereiro, que corresponde à primeira metade do “mês do Tigre”, é designado de Lichun, uma vez que começa no dia do estabelecimento da “Primavera”.

De ter em conta que na actualidade a República Popular da China não segue nenhum destes seus calendários, mas sim o gregoriano, como no Ocidente. Mesmo assim os calendários tradicionais, sobretudo o lunar, ainda são tidos em conta pela população e estão muito associados ao ciclo anual das festividades chinesas, sendo seguidos com atenção especial pelos crentes do almanaque tradicional Tongshu 通书.

 

 

 

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Tempo é Personalidade

Os chineses antigos fizeram em relação ao conceito de tempo algo de semelhante ao que o filósofo grego Pitágoras de Samos fez em relação ao conceito de número. Se Pitágoras considerou que os números não eram meras referências quantitativas mas que encerravam em si significados qualitativos, os chineses, por seu turno, viram cada unidade de tempo como tendo uma personalidade própria. Essa “personalidade” (conjunto de características potenciais) deriva do que cada momento representa no jogo recíproco entre os princípios yin e yang.

Todos os processos naturais evoluem segundo as cinco fases, wuxing 五行, que se sucedem do seguinte modo: mu 木, huo 火, tu 土, jin 金 e shui 水. As cinco fases representam a evolução entre o yin e o yang.

De acordo com a ciência do Bazi (八字), cada momento específico (como o do nascimento de uma vida ou do início um processo) é composto por quatro unidades de tempo: o ano, o mês, o dia e a hora. Cada uma dessas unidades representa uma combinação entre as “cinco fases”. O jogo recíproco entre o significado qualitativo das quatro unidades de tempo representa o padrão segundo o qual irão evoluir a vida ou o processo então iniciados.

Os dois ciclos fundamentais têm a ver com as quatro fases do dia e as quatro estações do ano. São dois fenómenos análogos, uma vez que repetem um mesmo ciclo natural, resultante do jogo recíproco entre o yin e o yang.

A meia-noite é análoga ao solstício de Inverno. O meio-dia é análogo ao solstício de Verão. O nascer do sol é análogo ao equinócio da Primavera. O pôr-do-sol é análogo ao equinócio de Outono.