Superstições chinesas: o que são e a sua influência

Não moram no quarto andar por recearem a morte e o azar; preferem o número oito por trazer sorte e fortuna. Visitam adivinhos com frequência para saber o que o futuro lhes reserva ou para escolherem o melhor nome para o filho que vai nascer. Muitos chineses continuam a ser supersticiosos por influência da tradição e da própria família, mas os mais jovens já não deixam que as superstições lhe ditem o rumo do seu dia-a-dia.

 

 

Texto Andreia Sofia Silva | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Falar de crenças ou superstições chinesas significa falar de um puzzle onde todas as peças se cruzam e onde não falta sequer um pouco de matemática. O Ano Novo Chinês é a época mais importante para as famílias chinesas, que seguem vários rituais para que toda a boa sorte chegue naquele ano. A título de exemplo, as dívidas devem ser pagas e as casas devem ser limpas para que o azar se vá antes do novo ano começar.

Nada é deixado ao acaso num enigma que vai determinar a casa onde se vai morar e a sua decoração, o dia em que se marca o casamento ou o nome dos filhos. A data de nascimento de cada um ocupa a sua quota parte de importância, bem como os números (o quatro é sinónimo de morte enquanto que o oito rima com sorte), ou até as cores que se usam na altura do Ano Novo Chinês e durante o resto dos dias. Num país imenso como a China as superstições não são todas iguais e variam consoante as várias culturas que cabem no país.

Para além destes pequenos rituais, muitos gostam de consultar o seu almanaque para saber o que o futuro lhes reserva para aquele ano. Composto por 12 anos, traduzidos em 12 animais, o almanaque não pode estar dissociado do Yin (lado passivo) e Yang (lado activo), os quais estão subdivididos em cinco elementos. São eles a Água, a Madeira, o Fogo, o Metal e a Terra, os quais vão influenciar as características de cada signo do zodíaco chinês. Também aqui a matemática tem a sua importância, pois uma pessoa nascida no ano do Tigre de 1974, por exemplo, não é igual a outra do mesmo signo nascida em 1962 apenas pelo facto de terem nascido em anos, dias e meses diferentes.

 

 

As superstições não podem estar dissociadas dos tradicionais adivinhos que, com a leitura do rosto ou dos traços das mãos dão indicações de como vai ser aquele ano, se aquele namoro vai ou não dar em casamento e o que podemos fazer para melhorar o nosso presente e o nosso destino. São procurados por velhos e por jovens que querem saber o que o ano lhes reserva para o amor, a saúde e a carreira.

“A minha mãe não acreditava em nada destas coisas e a minha família também não. Eu comecei a acreditar por mim própria.” Madalena Silva, macaense, ainda andava na escola quando, aos 16 anos, começou a interessar-se pelo mundo dos adivinhos que nos lêem os traços das mãos e das superstições. Hoje, com quase 50 anos, continua a frequentar adivinhos com frequência para lhe dizerem as coisas para as quais ela não encontra resposta.

“Quando era mais jovem, com 16 anos, comecei a ir a adivinhos e houve coisas que aconteceram mesmo. E foi aí que comecei a acreditar. Agora vou aos adivinhos porque não tenho a certeza daquilo que quero para a minha vida. Procuro muitas respostas. Se há coisas que eu não consigo resolver, vou ao adivinho e acho que assim consigo encontrar um caminho. Até agora tem ajudado”, garante.

 

 

Com quatro filhos, Madalena visitou um adivinho a seguir a cada nascimento. “Queria saber o que lhes ia acontecer. Um deles acertou em tudo em relação à minha filha, mas com os outros foi diferente. Acredito nos adivinhos mais fortes, que apanham a energia das pessoas e dos espíritos. Há uns adivinhos que fazem as consultas e o nosso mapa astral, mas há outros que só de olhar para ti adivinham os sinais e pontos que tens no teu corpo e captam a tua energia.”

Para além de tentar sempre buscar respostas para o seu futuro, Madalena acredita nas restantes superstições. Recorda o tempo de má sorte quando morou em frente a uma igreja e não deixa de vestir peças de roupa vermelhas só porque um adivinho lhe disse que iam trazer sorte este ano.

“Já deixei de fazer coisas porque os adivinhos me disseram para não fazer e que não seria bom. Com o meu segundo marido continuei casada com ele apesar de um adivinho me ter dito que ele não era homem para mim. A verdade é que me divorciei anos depois, e a relação correu mal. Naquela altura não acreditei”, contou.

 

 

Ao contrário de Madalena, a amiga Antonieta Sam, funcionária pública, começou a acreditar em superstições por influência da família. “A minha mãe chinesa e a minha família materna sempre seguiram as cerimónias tradicionais. A partir daí comecei a ver e estava sempre a perguntar à minha mãe o que era aquilo. Depois, na adolescência, eu e as minhas amigas começámos a interessar-nos por adivinhos que lêem as mãos.”

Antonieta Sam vive em dois mundos, pois também é católica. Mas apesar de se assumir como supersticiosa, não segue tudo de forma rígida. “Às vezes as coisas simplesmente acontecem. Não há muita justificação para as superstições, mas elas podem ajudar a melhorar algumas situações. Há coisas que não têm uma explicação, mas aceito fazer isso para melhorar algumas situações. No Ano Novo Chinês vou visitar aquelas senhoras que lêem as mãos para perguntar o que posso fazer, dizem-me se há ou não mudança de emprego, pergunto se posso mudar ou não, e elas dão-me respostas. Às vezes também tenho de avaliar o que me dizem, por exemplo não dormir duas noites para atingir esses objectivos.”

 

 

Jovens menos crentes

Se para Madalena e Antonieta as superstições fazem parte do seu dia-a-dia, com mais ou menos influência, a verdade é que não se pode traçar um padrão de comportamento em relação a esta questão. A maioria dos chineses continua a ser supersticiosa, mas Tony Guo Tieyuan, professor do Departamento de Psicologia da Universidade de Macau (UM), estabelece uma ligação com o nível de educação de cada um.

“Segundo as minhas observações os jovens acreditam muito menos nas superstições do que os mais velhos, e isso está muito relacionado com a educação. Quando mais educados e informados formos, menos supersticiosos nos tornamos. Contudo, os jovens continuam a ter alguma curiosidade. Não seguem, mas a influência familiar continua a existir”, referiu à MACAU.

Tony Guo Tieyuan acrescenta ainda que as superstições têm pouca ou quase nenhuma influência em termos de funcionamento das entidades políticas e institucionais. “Há muitas superstições diferentes e penso que não são seguidas por todos os chineses de forma igual. Vários estudos comprovam que os chineses estão entre os grupos de pessoas mais religiosas em termos mundiais. Em termos oficiais, ao nível das organizações, as superstições nunca tiveram muita influência. As superstições têm muito pouca influência em entidades de topo na sociedade chinesa e autoridades políticas, por exemplo. Mas em termos individuais, especialmente em pessoas que vivem em zonas remotas, com dificuldades económicas, as superstições têm um grande impacto nas pessoas.”

 

 

Desmond Lam, também docente da UM, fala de valores culturais chineses dominados pelo Confucionismo, Budismo e Daoismo. “As superstições desempenham um importante papel na vida dos chineses. Eles escolhem as casas consoante o número e fazem mudanças importantes nas datas que são mais auspiciosas. Essas datas determinam a sorte e o azar dessa mudança. Encontrar um parceiro que nasceu nos dias ou meses que encaixam no aniversário da outra pessoa vai determinar a felicidade no casamento”, exemplifica o académico.

Se a superstição é algo que pode ser comum a uma pessoa independente da sua cultura ou nacionalidade, a verdade é que Desmond Lam defende que não há povo mais supersticioso que o chinês. “Todos os povos são supersticiosos de uma maneira ou de outra. Mas pessoalmente não vejo as superstições chinesas a serem muito seguidas com a mesma intensidade por portugueses ou estrangeiros. Os chineses parecem-me ser altamente supersticiosos, de uma forma única.”

 

 

A influência familiar

Para Goreti Lima, psicóloga radicada em Macau há quase uma década, a ideia de visitar um adivinho para saber os melhores números e o melhor feng shui para a casa prende-se com a curiosidade, mas também com o objectivo de querer ter uma vida melhor. Com maior ou menor importância, a verdade é que há sempre essa intenção.

“As pessoas anseiam sempre fazer o que há de melhor. Agem de acordo com o que é mais favorável e o que dá mais sorte, e não o que querem. O que leva as pessoas a procurarem isso é evitar ao máximo o sofrimento e passar dificuldades. Procuram essas pessoas porque acreditam que estas têm uma resposta que o comum dos mortais não tem, e que tem uma visão do futuro para alcançar o sucesso mais rapidamente.”

 

 

Como psicóloga portuguesa residente em Macau, Goreti Lima já nota algumas influências das superstições chinesas nos ocidentais. “Já vejo muito essa dependência. Conheço, por exemplo, pessoas ocidentais que consultam o feng shui quando têm de fazer mudanças em casa. Já ouvi histórias de chefes que fazem consultas para uma maior harmonia no emprego. No Ano Novo Chinês, os chineses fazem obras e mudanças consoante os desenvolvimentos da família, o signo e o animal que está a seguir. Há pessoas que acabam por não dar nenhum passo sem fazer uma consulta antes, o que acaba por ser limitador para o seu dia-a-dia”, aponta.

A psicóloga traça ainda uma relação entre a crença na superstição e a influência familiar. “As crenças que temos começam a exercer a sua influência na nossa infância a partir da nossa família. As pessoas não questionam porque é que o fazem, porque assumem que é verdade. Até aos sete anos é o tempo em que nós incutimos a aculturação, é onde se põem as sementes das nossas crenças. Se nascemos numa família que vai ao adivinho, a pessoa acredita e nem questiona.”

 

 

Escolha de nomes, feng shui e números: as superstições mais comuns

Não é fácil traçar uma linha das superstições mais comuns. Tony Guo Tieyuan fala de diferenças nas várias províncias chinesas. “Na Província de Guangdong, por exemplo, as pessoas preferem mais o número oito do que noutras zonas do país, porque o dinheiro nesta província é de facto importante. Mesmo na China há muitas variações, e não podemos dizer que em todo o país as superstições e as ligações que as pessoas estabelecem com elas são iguais.”

Relativamente ao feng shui, uma das superstições mais comuns, não é seguida de igual forma por todos os chineses. “Em áreas como Pequim ou Xangai o feng shui deixou de ser assim tão importante. Uma superstição importante nos dias de hoje prende-se com a escolha do nome do bebé. Mas o feng shui, a forma como devemos decorar uma casa, já não tem uma grande influência. É mais importante em áreas como Guangdong e Hong Kong, e isso por uma questão histórica. Há mesmo programas de televisão sobre esse assunto em Macau e Hong Kong.”

 

 

O académico compara a superstição ocidental do gato preto – que cruzar com um é sinal de mau agouro – com a crença chinesa assente nessa mesma tradição, mas com um pássaro negro. Há ainda a eterna busca do elixir da juventude: no norte da China, por exemplo, há muitos recursos hídricos e os locais acreditam que há certas nascentes que levam a um renascimento. “As pessoas chegam a beber água contaminada, não se importam com isso porque acreditam piamente que uma determinada nascente poderá atrasar o envelhecimento.”

Não podem ser ignoradas as superstições que envolvem números, as quais chegam a ditar relacionamentos na vida pessoal e profissional, e não só. “Há edifícios sem o quarto ou o 14.º andar, e os chineses preferem sempre o número oito. Em termos de apartamentos, a casa que fica no oitavo andar é sempre mais valiosa do que as restantes. Isso tem a ver com a pronuncia dos caracteres, porque dizer oito em chinês é semelhante ao carácter da riqueza, da prosperidade. Já o número quatro está associado com a morte”, explica o académico da UM.

 

 

Madalena Silva acredita que viver ao pé de um cabeleireiro dá azar a nível financeiro, associando as tesouras à perda de dinheiro. Quanto ao feng shui “é diferente”. “Tu podes decorar a tua casa conforme aquilo que o mestre de feng shui disse, mas só depois é que a disposição dos móveis começa a fazer efeito. Não é uma coisa imediata na vida das pessoas.”

Tony Guo Tieyuan afirma que o feng shui é talvez a superstição que até pode ter um princípio mais científico. “Uma das recomendações básicas é jamais ter um espelho em frente à nossa casa, e segundo algumas investigações feitas essa é uma boa sugestão, porque o espelho vai fazer com que olhemos para nós próprios. Quando vamos a certos restaurantes em Macau encontramos altares, e isso dá ao proprietário alguma confiança no negócio.”

 

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As principais superstições

  • Usar uma peça de roupa vermelha no Ano Novo Chinês atrai a boa sorte
  • Devem evitar-se usar termos negativos durante o Ano Novo Chinês, sobretudo se estiverem relacionados com a morte
  • Apartamentos virados para cemitérios costumam afastar compradores chineses
  • O número quatro é considerado o número da morte, razão pela qual muitos prédios não têm sequer o quarto andar
  • O número oito atrai sorte, porque o som do carácter é um próximo ao da prosperidade
  • Desaconselha-se o casamento com pessoas que sejam três a seis anos mais novas ou mais velhas do que o seu parceiro, sob pena do enlace não ser feliz
  • Quanto maiores forem os noodles servidos nas refeições do Ano Novo Chinês mais sorte vão trazer
  • Tal como no Ocidente, casar num dia de chuva também dá sorte, sendo que a noiva não deve experimentar o vestido antes do dia do casamento
  • As roupas usadas na cerimónia de um casamento devem ter as cores vermelha, dourada ou branca para trazer a boa sorte
  • Dá azar fazer o tradicional chá de bebé antes do nascimento do filho. Na crença chinesa, este evento deve fazer-se apenas após o nascimento
  • Segundo o feng shui, ter um espelho no quarto, virado para a cama, traz má sorte
  • Evita-se viver em frente das igrejas
  • Evita-se a construção de edifícios virados para norte
  • Casais com o mesmo apelido não podem casar-se, pois crê-se que pertencem aos mesmos antepassados