Projectar Macau global lá fora

A dificuldade em aproximar os jovens macaenses na diáspora a Macau é uma das preocupações referidas por participantes da última edição do Encontro das Comunidades Macaenses. Compete às famílias, às Casas de Macau espalhadas pelo mundo e à própria RAEM encurtar distâncias e projectar além-fronteiras uma imagem global da cidade e da identidade macaense, onde a cultura e as raízes chinesas não devem ser esquecidas, refere a comissão organizadora do evento.

 

 

Texto Catarina Domingues | Fotos Tiago Alcântara

 

“Muito sentimento”, diz Jorge do Rosário, quando lhe pergunto quais as memórias que tem de Macau. Jorge começa por responder em português, mas ao longo da entrevista acaba por passar para o inglês. Porque é mais fácil, explica. “Olho agora para Macau, está tão desenvolvido, já perdeu muitas memórias”, continua o macaense, que está a viver fora desde 1967. Foi a situação política na China nos anos 1960, com o início da Revolução Cultural, que fez com que a família abandonasse o pequeno território então administrado por Portugal. O primeiro destino foi o Brasil e, em 1974, voltou a partir, dessa vez para os Estados Unidos, onde reside actualmente.

O macaense veio hoje às Ruínas de São Paulo para a fotografia de família da última edição do Encontro das Comunidades Macaenses, que se realizou entre 26 de Novembro e 2 de Dezembro de 2016 e trouxe a Macau cerca de 900 participantes e membros das 12 Casas de Macau espalhadas pelo mundo.

 

 

Jorge do Rosário, que pertence à União Macaense Americana, na Califórnia, é um homem alto, pele morena, mistura de muitos mundos. Saiu de Macau quando tinha apenas 17 anos e hoje, por cá, tem apenas alguns amigos. “O meu primo já passou, a minha tia já passou”, diz, ainda em português, mas como quem está a pensar em inglês. O filho, que já esteve presente num dos encontros, “é completamente americano”, realça. “Nasceu e estudou nos Estados Unidos, mas gosta da cultura macaense.”

Sobre os macaenses na diáspora, Jorge do Rosário admite que é uma comunidade que soube ultrapassar as dificuldades. “O macaense é muito esperto”, vinca. E sorri.

Além da habitual fotografia de família e de uma série de eventos culturais e de convívio, o Encontro das Comunidades Macaenses 2016, que contou com um subsídio da Fundação Macau de cerca de 4,2 milhões de patacas, incluiu ainda um passeio por Cantão, capital da Província de Guangdong, e a eleição dos órgãos sociais do Conselho das Comunidades Macaenses. O presidente, José Sales Marques, que renovou o mandato para o próximo triénio, faz à MACAU um balanço “francamente positivo” deste encontro. “Conseguimos sentir um espírito muito coeso por parte de todos os participantes”, realça, acrescentando ainda que, este ano, o Conselho das Comunidades Macaenses passou a contar com um novo membro. Trata-se da Casa de Macau do Reino Unido. “É a primeira [casa] no Reino Unido, que é considerado um destino muito importante para os macaenses e portugueses, um destino tanto para fixação como para o estudo”.

 

 

“Macau é o nosso sangue, não podemos mudar isso”

Mas momentos antes falávamos ainda com Marcus António Gutierrez da Casa de Macau da Austrália. Marcus deixou Macau aos 23 anos, em 1969. Primeiro viajou até aos Estados Unidos, depois para a Austrália. “Os Estados Unidos estavam numa boa fase mas, ainda assim, era tudo muito competitivo, ao passo que a Austrália mantinha-se mais atrás. Então era uma questão de ficar na América e fazer com que as crianças se tentassem ajustar ou levá-las para a Austrália, onde pudessem crescer com o próprio país”, relembra.

Na longa escadaria que nos leva até às ruínas da antiga Igreja da Madre de Deus vão-se juntando centenas de participantes. Nós mantemo-nos à margem, numa das extremidades deste monumento histórico. Vão-se escutando as línguas da comunidade: português, cantonês, inglês. Da organização começam a chegar avisos para o momento da fotografia, mas Marcus António Gutierrez mantém-se suspenso em antigas memórias, quando em miúdo corria à volta do campo desportivo de hóquei do Tap Seac ou passava tardes inteiras na piscina do Hotel Estoril. O avô, Pompílio Pedruco, vivia mesmo ali numa daquelas casas da praça.

“Macau é o nosso sangue, não podemos mudar isso”, diz Marcus, que admite ter dificuldade em acompanhar o “desenvolvimento enorme” da cidade onde nasceu. “Na Casa de Sidney temos dificuldade em fazer com que a geração mais nova aprecie a cultura. Os meus filhos, por exemplo, nasceram na Austrália, são australianos e não fazem a mínima ideia do que é ser macaense”, diz. “É algo que todos partilhamos e ver essa perda da ligação é triste.” Marcus pára de falar por momentos. E por momentos também chora.

“E há alguma forma de mudar isso?”, pergunto. “Não, eles nasceram num país diferente, num ambiente diferente e, para eles, Macau não passa de um nome, do sítio de onde os pais vieram”.

 

 

Levar Macau aos mais jovens

“Pensam em regressar?”, pergunto a Alfredo Maria Silva da Associação da Casa de Macau em São Paulo, Brasil. “Não, não, é impossível, temos dois netos brasileiros, a nossa casa é lá e aqui eu não tenho mais nada.” A mulher, Filomena Botelho dos Santos Silva, que viajou com o marido há mais de 40 anos para o Brasil, admite que a adaptação não foi fácil. Agora é a adaptação a Macau que parece quase impossível. A viver em Jundiaí, a 90 quilómetros da cidade de São Paulo, o casal diz que os filhos não costumam vir à terra dos pais.

Para José Sales Marques, presidente reeleito do Conselho Permanente das Comunidades Macaenses, o envolvimento dos jovens macaenses que nasceram e cresceram fora de Macau “é uma missão” e pode ser reforçado através de um trabalho mais “acentuado” das Casas de Macau, nomeadamente através do desenvolvimento de actividades no âmbito cultural. “Há casas que começam a fazer isso, mas o importante é haver uma transmissão dentro das famílias”, realça o responsável, que nota um interesse crescente destes jovens por Macau. “Macau pode ser o futuro”, assume.

“Eu acho que este momento em que estamos a viver no mundo é um momento tal em que muitas das verdades assumidas parece que estão a tremer e, portanto, nestas alturas, o regresso à terra de origem é muito importante.”

Ainda, de acordo com Sales Marques, para atrair a comunidade mais jovem na diáspora “é preciso projectar a identidade de Macau no exterior de uma forma muito mais abrangente”. É necessário, sublinha o responsável como exemplo, transmitir a cultura chinesa que também influencia a comunidade macaense.

“O mais importante e o ponto crucial de tudo isso é Macau ser uma âncora, e um Macau na sua globalidade, ou seja, não faz muito sentido estarmos apenas a falar da cultura macaense, porque a cultura macaense existe nesta realidade muito própria, que é afirmada neste espaço também muito próprio.”

Ao levar “a cultura de Macau” até aos quatro cantos do mundo, “nós e o próprio governo estaremos a contribuir também para a consolidação da própria cultura macaense”, conclui Sales Marques.