Texto Catarina Domingues | Fotos Carlos Gonçalves
Jessica Lei abriu há quatro anos a Macau Gift, uma loja online de lembranças de casamento e pequenos snacks. A empresa, onde trabalham apenas mais duas pessoas, está a operar em várias redes sociais, como o WeChat, o Facebook ou o Instagram, e conta já com uma loja virtual no Taobao, a maior plataforma de compras online da China, propriedade do Grupo Alibaba, fundada por Jack Ma. O Taobao é, aliás, um dos concorrentes da Macau Gift. É aí que Jessica Lei compra a matéria-prima para dar vida às lembranças de casamento e é também nesse gigante centro comercial virtual que depois os põe à venda. “Compro aí o material para fazer o design do produto, ou seja, mando, por exemplo, vir um saco, um laço, ponho um snack lá dentro e já está”, diz a empresária, explicando como cria os seus produtos.
Mas e por que razão é que o consumidor chinês escolheria uma empresa de Macau para comprar essas recordações, pergunto. “No caso da comida, a nossa aposta é na segurança alimentar, que em Macau é maior”, responde.
É exactamente ao Interior da China e a outros mercados da região, como a Malásia, que esta empresária de 32 anos está a tentar chegar. O desafio levou-a a inscrever-se na “Formação do comércio electrónico em Taobao para pequenas e médias empresas”, um curso de quatro dias organizado pela Direcção dos Serviços de Economia (DSE) e pelo Fundo de Empreendedores Alibaba de Hong Kong, e com coordenação do Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia de Macau (CPTTM).
“Queria aprender mais sobre o envio e o transporte, porque até os produtos chegarem à China [Continental] existem muitas condicionantes”, refere a empresária, admitindo que, quando as encomendas são pequenas, atravessa a fronteira até Zhuhai e envia os produtos por correio.
Ajudar PME e formar especialistas
A primeira acção de formação foi lançada em Fevereiro deste ano e teve mais de 100 empresas candidatas. O curso de Setembro representa a quarta edição e, dado o crescente interesse, as acções vão continuar. Para participar neste curso em comércio online, os candidatos têm de apresentar um plano de negócio, que vai ser analisado pelos responsáveis por esta formação. Ao todo, são escolhidas 30 pessoas, mas várias dezenas de candidatos têm ficado de fora, refere Joe Tai, representante do CPTTM. “O comércio electrónico é uma tendência de modelo de negócio em Macau, acreditamos que pode vir a beneficiar as pequenas e médias empresas, porque os custos são baixos, os benefícios são vários e, numa altura em que Macau se quer tornar numa ‘cidade inteligente’, então o comércio electrónico precisa de se desenvolver e são necessários especialistas nesta área.”
Em declarações à MACAU, a Direcção dos Serviços de Economia, uma das entidades organizadoras da actividade, sublinha que entrar no mundo virtual permitirá ainda às empresas locais “quebrar barreiras geográficas, no sentido de expandir o mercado mundial”. Quanto à formação de especialistas na área do comércio electrónico, a DSE considera que “poderá ser favorável para o desenvolvimento económico de Macau numa direcção mais diversificada”.
O curso, conduzido por docentes da Universidade de Taobao e formadores de Macau com experiência na área do comércio electrónico, aborda temas como o pagamento electrónico, a logística transfronteiriça, legislação e protecção da propriedade intelectual em Macau. Num nível mais avançado, continua Joe Tai, serão realizadas visitas a empresas do Interior da China, que têm estabelecidas plataformas de comércio online e que podem servir de exemplo às empresas de Macau.
Mitos…
Ming Ieong é um dos sócios da Alpha Solution, empresa ligada à área da Tecnologia de Informação que faz websites para negócios ligados ao comércio electrónico. O empresário de 36 anos é um dos finalistas do nível básico do curso de formação. “Quando falamos em comércio electrónico na China ou no estrangeiro, são culturas diferentes e eu quero conhecer as políticas e os requisitos para a China”, explica.
Ming Ieong admite que está também interessado em estudar o Taobao de forma a poder dar apoio às empresas locais interessadas em criar lojas virtuais nesta plataforma chinesa. “A maioria das pequenas e médias empresas de Macau não tem um departamento informático. Por isso, enquanto essas empresas focam-se na questão comercial, nós focamo-nos nas questões informáticas.”
Em entrevista à MACAU, o jovem chama ainda a atenção para o facto de empresas da RAEM envolvidas no negócio online não contemplarem nos seus websites portais de pagamento. O responsável diz que muitas dessas empresas não sabem que os bancos locais oferecem este serviço e que “esta é, na realidade, uma prática já amadurecida em Macau”. “Talvez os bancos e o governo se pudessem juntar para fazer mais promoção e para dizer que é possível fazê-lo em Macau”, sugere.
…e muralhas
Uma das preocupações de empresas de pequena dimensão como a Macau Gift é chegar ao cliente do outro lado da fronteira, no Interior da China, e receber o pagamento em Macau. “É um mercado gigante e eu já tive encomendas para centenas de mesas num casamento, o lucro pode ser muito alto”, nota Jessica Lei.
Johnny Ma, vice-presidente executivo da Câmara Sino-portuguesa de Comércio Electrónico, é um dos formadores convidados e responsável pelo módulo “Qualificações práticas na logística de comércio electrónico transfronteiriço”. A trabalhar há mais de 25 anos na área da importação e exportação, cabe a Ma explicar a diferença entre os procedimentos de importação tradicionais e aqueles necessários ao comércio electrónico, nomeadamente no que diz respeito à logística e ao desalfandegamento dos produtos. “Quando estamos no negócio do comércio electrónico precisamos de pensar como vamos transportar os bens para o Interior da China e como vamos utilizar a logística local para chegar à porta do consumidor. Outro grande problema que o vendedor de Macau enfrenta é saber como vai recuperar o dinheiro do Interior da China e é isso que eu ensino”, explica.
Como pode então o empresário local receber o pagamento pelo serviço prestado? “No comércio electrónico transfronteiriço, todas as informações sobre transacções são enviadas para a alfândega, para o CIQ (departamento de inspecção e quarentena da China) e outras autoridades responsáveis para que o dinheiro possa ser transferido de volta para as contas no estrangeiro dos fornecedores. Já os negócios tradicionais têm de apresentar documentos para fazer isso”, resume o formador.
Através do novo serviço “one stop”, lembra ainda Johnny Ma, a Câmara Sino-portuguesa do Comércio Electrónico pode ajudar as pequenas e médias empresas de Macau a chegar ao outro lado da fronteira de forma mais rápida. Neste caso, é eliminada uma série de procedimentos alfandegários. Para os produtos lusófonos, por exemplo, não será necessária a colocação de uma etiqueta escrita em chinês em cada embalagem, um requisito obrigatório pela via tradicional.
Com o apoio da Câmara Sino-Portuguesa do Comércio Electrónico, continua o responsável, o empresário de Macau também não precisa de se preocupar com a questão do pagamento. “As empresas só precisam de deixar os bens no nosso armazém em Macau, nós responsabilizamo-nos pelo transporte, desalfandegamento, a entrega em casa e também nos responsabilizamos pela transferência do dinheiro para a sua conta em Macau”, diz Johnny Ma.
O responsável realça ainda que o valor das transacções do comércio electrónico entre Macau e o Interior da China ainda é pouco significativo e “não deverá ultrapassar um milhão de patacas anuais”. No entanto, Ma acredita que Macau está agora a entrar numa nova era. “Há 10 ou 20 anos, se queríamos importar um produto, tínhamos de encontrar um distribuidor e, através dele, vender para grandes armazéns e daí seria vendido ao consumidor final. Através do comércio electrónico, os bens chegam mais facilmente ao consumidor final e é seguro para os fornecedores”, conclui.
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Macau tem 1900 terminais AliPay
No final do primeiro trimestre de 2017, o número de terminais de pagamento electrónico do AliPay em Macau era de cerca de 1900 em mais de 500 lojas. Os números foram revelados pelo secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, na sequência de uma interpelação da deputada Angela Leong, que chamou a atenção para a reduzida disseminação do AliPay ou do WeChat Pay, plataformas de pagamento através do telemóvel, da China, de onde vem grande parte dos 30 milhões turistas que chegam anualmente a Macau. Na altura, o responsável disse que o Governo da RAEM quer que a possibilidade de pagamentos electrónicos passe a estar disponível em toda a cidade, depois de uma experiência em cerca de 200 lojas ter resultado em aumentos de 40 por cento nas transacções. O AliPay, propriedade do Grupo Alibaba, é o sistema de pagamento online mais utilizado na China, com cerca de 100 milhões de transacções diárias efectuadas e mais de 520 milhões de usuários.
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Alibaba ajuda Macau a tornar-se numa cidade inteligente
Um acordo entre Macau e o grupo Alibaba, assinado em Agosto deste ano, prevê o estabelecimento de um centro de computação em nuvem (conjunto de servidores remotos alojados na Internet para armazenar, gerir e processar dados em vez dos servidores locais ou de computadores pessoais) e de uma plataforma de megadados para a criação de uma cidade inteligente. Numa primeira fase, prevê-se a criação desse centro e dessa plataforma, para depois desenvolver gradualmente projectos de utilização dos mesmos nas seguintes áreas: promoção do turismo, formação de talentos, gestão do trânsito, serviços de assistência médica, gestão integrada urbana e prestação de serviços urbanos integrados e tecnologia financeira. Já numa segunda fase está previsto o aperfeiçoamento desse centro de computação em nuvem e da plataforma de megadados, abrangendo outros domínios como a protecção ambiental, passagem fronteiriça e previsões económicas. “A construção de uma cidade inteligente constitui uma medida estratégica para o desenvolvimento da economia e melhoria da qualidade de vida da população”, disse a chefe de gabinete do chefe do Executivo, O Lam, durante uma conferência de imprensa.
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Breve história
O Grupo Alibaba é um conjunto de empresas com sede em Hangzhou. De propriedade privada, essas empresas de comércio electrónico incluem serviços de venda a grosso e a retalho e pagamentos online. Tudo começou quando, em 1999, um professor de inglês chamado Jack Ma convenceu 18 alunos seus a fundarem o Alibaba, um empresa que se especializaria em criar grandes mercados online, a pôr ‘frente a frente’ vendedores e potenciais compradores. Sem nunca fazer estoque de produtos – como é o caso da Amazon –, os lucros advêm da cobrança de comissões sobre as transacções comerciais e publicidade online. Jack Ma é o maior investidor individual do Grupo. Com apenas 9 por cento das acções, transformou o Taobao num colosso mundial. Actualmente, estima-se que 92 por cento de todas as transações entre chineses sejam feitas através de plataformas do Grupo Alibaba, como o AliPay. Com 250 milhões de compradores activos só na China, o Grupo Alibaba é responsável por 60 por cento do volume de entregas no país. Neste ano, a marca foi eleita a terceira chinesa com maior presença no mercado global, ficando atrás apenas da Lenovo (1.º lugar) e Huawei (2.º lugar).