O Culto Mariano 

Macau é o único local da Ásia onde o dia 8 de Dezembro, data da festa à sua padroeira, a Imaculada Conceição, é feriado público. O culto mariano em Macau é muito antigo e encontra a sua razão de ser na não menos antiga devoção dos portugueses à Virgem Maria.

 

 

Texto Fernando Sales Lopes | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro 

 

A fé na Virgem Maria está patente na devoção bem expressa na evocação que lhe é feita em igrejas e capelas, por exemplo, que passa por vezes despercebido à maioria das pessoas, já que outras designações ganharam estatuto ao longo dos tempos. 

Há igrejas conhecidas hoje por outros nomes, mas à Virgem elas foram dedicadas. Refiram-se, entre elas, a da Sé, que é da Natividade de Nossa Senhora, a de Santo Agostinho, que é de Nossa Senhora da Graça, a de S. Domingos que é de Nossa Senhora do Rosário, a de São Lázaro, que é de Nossa Senhora da Esperança, a de São Lourenço que é Nossa Senhora do Socorro,  ou a de São Domingos que é de Nossa Senhora do Rosário. Ou até a de São Paulo (das conhecidas ruínas) que é, isso sim, a Igreja da Madre de Deus. E há as igrejas e capelas conhecidas pelos seus próprios nomes, como a de Nossa Senhora da Penha, a de Nossa Senhora de Fátima, a de Nossa Senhora da Piedade, de Nossa Senhora das Dores, de Nossa Senhora do Imaculado Coração, de Nossa Senhora do Carmo, entre outras igrejas e pequenas capelas. Mas não apenas as igrejas são da invocação de Nossa Senhora, também os diversos conventos de Macau o são, nomeadamente e por exemplo, o Convento de Santa Clara, à Conceição de Nossa Senhora. 

 

Padroeira de Macau 

Após a Restauração (reconquista da independência de Portugal), D. João IV e os representantes do clero, nobreza e povo, proclamam no dia 25 de Março de 1646 a Senhora da Conceição como Rainha e Padroeira de Portugal. No dia 11 de Setembro, eram expedidas cartas para todas as câmaras do Reino – onde se incluíam as de todo o império – para que fosse em todas elas, pelos representantes dos três Estados, ratificada, elegendo e proclamando Padroeira do Reino a Nossa Senhora da Conceição. A Macau o despacho real terá chegado no ano seguinte, sendo Nossa Senhora da Conceição proclamada, em seguida, padroeira de Macau. Desconhece-se, contudo a data certa dessa proclamação. 

 

 

 

O Culto à Imaculada Conceição em Macau 

Contudo, o culto à Senhora da Conceição em Macau é muito anterior à sua proclamação como padroeira. Há referências ao ano de 1580 como o do estabelecimento pelos franciscanos da primeira confraria a ela dedicada. Também se regista que em 1640 foi colocada pelos jesuítas na frontaria da Igreja da Madre de Deus (hoje conhecida como das Ruínas de São Paulo) a imagem da Senhora da Conceição que ainda hoje perdura. Não se sabe quando a santa foi instituída como padroeira, mas o ano de 1647 é referido quanto à obrigação dos membros do Senado comungarem no dia dos padroeiros, onde a incluíam1. 

A importância da Padroeira de Portugal era tal que, após a sua proclamação como Padroeira de Macau, e por vontade real, a designação do Colégio de São Paulo e da Igreja da Madre de Deus, passou a ser Colégio e Igreja da Imaculada Conceição. Dedicada à Imaculada Conceição era também a igreja do mosteiro das Clarissas. 

 

A Confraria e o Senado 

A 13 de Maio de 1724, a Mesa da Vereação do Leal Senado ouve o padre Pedro Cazal, Chantre da Sé Patriarcal, informando que tinha sido estabelecida na Sé “huma Confraria debaixo da Conceição Immaculada da mai de Deos e sempre Virgem Maria N. Senhora, tomando-a para Protectora, Medianeira, e Intercessora diante de Deos N. Senhor, pelo socego, conservação, e augmento da Misão da China (…).” 

Ouvido o padre, que se alongou na sua exposição, a Mesa da Vereação deliberou por unanimidade concorrer para auxílio da Confraria com 10 patacas de esmola para sete missas à conta dos sete ministros e oficiais do Senado, com a promessa de que tal decisão deveria ser cumprida por todos os que lhes sucedessem à frente dos destinos da cidade. Em 1781 a Confraria de Nossa Senhora da Conceição, não conseguindo responsabilizar-se pelas despesas da festa a ela dedicada, vai perante o Leal Senado pedir que este fique como presidente perpétuo da Confraria, organizando daí em diante a festa à Padroeira. 

 

 

Proclamação do Dogma 

Em 1854 o Papa Pio IX proclama como dogma o que o Concílio de Basileia, em 1439, tinha considerado como um mistério da fé – a Imaculada Conceição de Maria Santíssima.  

O Boletim do Governo Ecclesiastico da Diocese de Macau, de Dezembro de 1904, 50 anos depois da proclamação do dogma, dá com grande destaque conta das festas jubilares da “Immaculada Conceição de Maria. 

A publicação, tendo em conta que “são dez as linguas e dialectos principaes em que na diocese de Macau é louvada e exaltada a Virgem Immaculada: o latim, o portuguez, os dialectos de Macau e de Malaca, o china (cantonense e hainanense), o inglêz, o malaio, o tetum, o galloli , o italiano e o francez”, publica, em todos estas línguas e dialectos, odes à Imaculada Conceição. Esta preocupação da Diocese na abrangência do entendimento pelas diversas comunidades de Macau, mostra-nos também a diversidade étnica e cultural da malha humana de Macau nos princípios do século XX. 

 

A festa da Imaculada Conceição 

A Festa da Imaculada Conceição em Macau tem como palco principal o Instituto Salesiano, que para além de ter na Padroeira a sua devoção, comemora nesse dia o aniversário da escola. 

Em 1906, quando Luigi Versiglia e outros missionários chegam a Macau, o Bispo D. João Paulino entrega-lhes a direcção do Orfanato da Imaculada Conceição. Em 1915 Luigi constrói uma obra de maiores dimensões com oficinas modernas e uma escola de comércio. O Instituto Salesiano será o seu substituto. Luigi Versiglia e Calixto Caravario, são hoje santos como mártires da Igreja. Foram ambos assassinados em 1930. 

Para a festa do grande dia, o Instituto prepara-se todos os anos com grande antecedência mobilizando alunos, professores e funcionários. A preparação da festa não só comtempla a das coisas materiais, como a das almas. Para os alunos de todas as idades e níveis diferenciados, a catequese explica o significado dos símbolos e, em particular, a história e a importância da Imaculada Conceição como mulher e mãe de Jesus.   

Há que preparar, também, as vozes, rever as pautas, ensaiar danças e representações. A festa é de todos mas os alunos são, não só a maioria do público, mas também actores nesta festa de jovens. No religioso e no lúdico. Em parada no amplo terreiro da escola toca a reunir. O director ao varandim do andar superior fala aos alunos que são chamados para ouvirem as recomendações necessárias e, mais uma vez, reflectirem na importância da Imaculada.  

O programa final é revisto pelos responsáveis, nada poderá falhar, nem para os artistas, nem para os acólitos, também eles em constante aprendizagem. O testemunho é para passar, aos mais novos. Aproxima-se o dia da Imaculada e do Instituto Salesiano, a responsabilidade de todos é grande. De manhã cedo monta-se o altar, marcam-se no chão posições previamente ensaiadas, os acólitos já estão vestidos a rigor. Começam a chegar os convidados, inicia-se a missa, já se ouve o coro de afinadas vozes. Seguem-se atentamente os mistérios, reza-se com fé. Oscila-se o turíbulo com cadência certa… Os ensaios deram os seus resultados, no fim recebe-se a bênção. 

Agora é a festa da escola, almoço, números de expressão cultural, participação da banda do Instituto, entre outras actividades. A data será celebrada mais uma vez no Instituto Salesiano. Em Macau no próximo ano. 

 

 

 

Nossa Senhora de Fátima  

Aos pequenos pastores, Lúcia, Francisco e Jacinta, Nossa Senhora, segundo os seus fiéis, terá aparecido a 13 de Maio de 1917, na Cova da Iria, um lugar de Fátima, então uma aldeia do centro de Portugal. Estas aparições ter-se-ão repetido nos dias 13 de Junho, Julho, Setembro e Outubro. Logo na primeira aparição a Senhora terá pedido aos pastorinhos que o Rosário – o Terço – fosse rezado, todos os dias, pela salvação do mundo. A mensagem de Fátima destaca a conversão permanente e a oração, muito centrada no Rosário. Uma mensagem que encerra a Consagração ao Coração Imaculado de Maria. 

 

Devoção em Macau 

O Padre Manuel Teixeira, no livro Macau e a sua Diocese, afirma que a introdução do culto a Nossa Senhora de Fátima em Macau se deve ao Padre Manuel Joaquim Pintado, director da Catequese da Igreja de São Domingos. “Para afervorar as criancinhas” – escreve Manuel Teixeira – “ele narrava-lhes os sucessos maravilhosos de Fátima”. Em 1929, inaugurou ele na Igreja de São Domingos a devoção a Nossa Senhora de Fátima com um tríduo de 10 a 12 de Maio e uma procissão no dia 13. E naquele mesmo dia, ainda segundo Teixeira: “O pregador, Padre António Maria Alves, S. J. fez prometer ao povo que todos os anos nesse dia levaria a estátua de N. Sra. de Fátima em procissão de S. Domingos à Penha. E assim se tem feito até hoje”. 

Ainda em 1929, mas a 13 de Dezembro, foi fundada a Congregação de Nossa Senhora de Fátima (ou das Filhas de Maria), com o intuito de manter, com a dignidade devida, o culto em Macau. Refira-se que o início desta devoção em Macau antecede mesmo a permissão oficial do culto à Nossa Senhora de Fátima, que só aconteceu em 1930 com a Carta Pastoral do Bispo de Leiria, “A Divina Providência”.  

 

 

 

Novena e Procissão até à Penha 

A procissão realiza-se a 13 Maio comemorando a primeira aparição. Antecede a procissão de Nossa Senhora de Fátima uma novena de preces a ela dirigidas pelos crentes, como sinal de devoção, e que termina com uma oração nocturna.i 

Centenas de pessoas começam a afluir ao Largo de São Domingos para rezarem o terço, assistirem à missa, participarem na eucaristia presidida pelo Bispo. 

A procissão em honra de Nossa Senhora de Fátima em Macau realiza-se ao fim da tarde. Sai da Igreja de São Domingos e percorre a baixa da cidade até à Ermida da Penha, de onde são abençoados os fiéis e Macau. 

Os pastorinhos, crianças vestidas a rigor, vão à frente do cortejo seguidos pelos anjinhos, banda de música da PSP, os membros do clero e das Irmandades e crentes. Este acto religioso incorpora, para além de residentes locais e membros das comunidades macaenses espalhadas pelo mundo, comunidades várias de Macau, devotos de Hong Kong e de outras regiões e países do Sudeste Asiático.  

A procissão acompanhada no seu percurso por residentes e turistas que para o efeito param pelos passeios, dirige-se à Ermida da Penha. Não é fácil fazer toda aquela subida carregando o andor. A fé dá-lhes as forças superando maleitas e o peso da idade. Chegada ao terreiro da Penha, que já foi residência de bispos, a santa entra na Ermida, pequena para a multidão. Por isso, como sempre, a comemoração acaba com uma missa no terreiro, onde se ergue a imagem de Nossa Senhora do Bom Parto, onde os marinheiros crentes, de antanho, iam pedir protecção antes de se fazerem ao mar, e dali, do cimo daquele monte, o Bispo de Macau erguendo o Santíssimo abençoa os fiéis e a cidade.  

 

Cova da Iria no Extremo Oriente 

A devoção do Rosário é uma das mais insistentemente pedidas na Mensagem de Fátima. De Macau terá partido essa fé para outros lugares do Sudeste Asiático. O Padre Teixeira denomina mesmo a Igreja de São Domingos como a “Cova da Iria no Extremo Oriente”. Na verdade, os missionários levaram o culto para Hong Kong, Timor-Leste, Malaca, Filipinas e Tailândia entre muitos outros locais. Em Macau em várias línguas se faz a liturgia, se Reza o Terço, se exprime a devoção. Na diversidade cultural.