Texto Marco Carvalho | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro
Depois do sector da habitação, o da energia. Há cinco anos em Moçambique, a Charlestrong Engenharia Tecnologia e Consultoria (Macau) Ltd. deverá assinar nos próximos meses um acordo com as autoridades moçambicanas, tendo em vista a construção de uma Central Térmica a carvão na província de Tete. A informação foi reiterada por Afonso Chan, vice-presidente da empresa, durante a 23.ª edição da Feira Internacional de Macau (MIF, na sigla inglesa).
O maior certame empresarial da RAEM teve este ano Moçambique como país parceiro e a Charlestrong – empresa local que, em 2013, iniciou o seu processo de internacionalização naquele país africano – foi uma das entidades em destaque no certame, sendo apresentada como um exemplo de sucesso no que toca ao investimento feito pelas pequenas e médias empresas de Macau nos países de língua portuguesa.
Depois de ter rematado em 2016 a construção de 240 fracções residenciais nas imediações de Maputo, e de ter assinado em 2015 um contrato com o Fundo de Fomento para a Habitação de Moçambique para edificar 35 mil outros focos habitacionais, a Charlestrong direcciona agora atenções para o sector energético, o domínio que apresenta, em Moçambique, um maior potencial de crescimento.
A empresa está a conduzir desde meados deste ano um estudo de viabilidade relativo à construção de uma nova Central Térmica a carvão com capacidade para providenciar à região de Tete 300 megawatts adicionais de energia. O contrato deve ser assinado dentro em breve. “No nosso menu de investimentos, o sector da construção civil – nomeadamente de habitação social – continua a ser o prato principal, mas a Charlestrong começa também a olhar para outros sectores”, avança Afonso Chan.
O projecto, que envolve a empresa estatal Electricidade de Moçambique e o Directório Nacional de Energia do país, deverá custar ao Executivo de Maputo cerca de 300 milhões de dólares norte-americanos e ser conduzido pela Charlestrong em parceria com uma das maiores empresas chinesas do sector energético, a China Machinery Engineering Corporation. “Faltam pequenos detalhes para que o acordo seja assinado. Depois de assinado, tencionamos avançar o mais rapidamente possível para a construção do projecto.”
A construção da infra-estrutura deve ter início no próximo ano, devendo estar concluída entre 2021 e 2022, dotando a Charlestrong de experiência que poderá mostrar-se útil quando a extracção de gás natural no norte do país arrancar, dentro de quatro anos.
Em Maio, o Ministério dos Recursos Minerais e Energia de Moçambique anunciou que o consórcio liderado pela italiana ENI e pela norte-americana ExxonMobil vão iniciar a extracção e a liquefacção de gás natural na bacia do rio Rovuma, no último trimestre de 2022, inaugurando o que se acredita ser uma nova era de prosperidade para o país.
A Charlestrong não esconde o interesse em poder vir a explorar oportunidades no domínio do gás natural, ainda que Afonso Chan reconheça que, por si só, a empresa não tem capacidade para assumir a execução de nenhum dos projectos que a exploração do gás natural vai tornar necessários. “Ainda estamos muito longe de poder vir a discutir o que quer que seja em relação ao gás natural”, admite o empresário. “O gás natural é outro nível. Precisamos, obviamente, de consultar a opinião do nosso parceiro estratégico. No caso do gás natural, o que a Charlestrong pode fazer é chamar a si o papel de plataforma, na qualidade de consultora e também como promotora de um eventual projecto”, explica o vice-presidente da empresa.
Prosperidade anunciada
O primeiro navio com gás natural liquefeito destinado ao estrangeiro só deve zarpar do norte de Moçambique a 1 de Novembro de 2022, de acordo com as estimativas do Executivo de Maputo, mas o potencial das jazidas de Cabo Delgado e, em menor medida, de Inhambane, estiveram incontornavelmente entre os principais motivos de conversa da edição de 2018 da MIF.
Logo no primeiro dia do certame, o ministro da Indústria e do Comércio de Moçambique, Ragendra de Sousa, deixou claro que Maputo conta com a República Popular da China e com a RAEM para ajudar a alavancar projectos na área do gás natural. “Pretendemos privilegiar o empresariado local, mas sem prejudicar o andamento do projecto. Não tendo capacidade interna, o país está aberto a convidar empresários e esta é a plataforma ideal”, defendeu o governante. “Aqui falamos para Portugal, Angola, Cabo Verde e também falamos para Macau e para a China. Estão todos convidados a participar nos projectos do gás.”
A 1 de Janeiro de 2016 Moçambique possuía reservas provadas de gás natural no valor de 2,832 biliões de metros cúbicos, um valor que colocava o país na liderança isolada do ranking dos principais produtores africanos de hidrocarbonetos.
Por reservas provadas entende-se a quantidade de gás natural que, através da análise de dados geológicos, são consideradas – com um alto grau de confiança – comercialmente recuperáveis.
Em Moçambique, o potencial energético dado já como adquirido é suficiente para colocar o país entre os principais produtores mundiais de gás natural, mas as autoridades moçambicanas estão convictas que o volume de hidrocarbonetos existentes ao largo de Cabo Delgado é bem mais significativo.
O Executivo moçambicano acredita que até 2030 poderá ter descoberto o dobro das reservas identificadas. As perspectivas em relação a novas descobertas são animadoras e o Governo de Maputo prevê que ao longo dos próximos 12 anos possa ter localizado o dobro dos actuais 180 mil milhões de pés cúbicos encontrados na bacia do Rovuma, ao largo da costa norte do país.
“Moçambique está condenado a ser um país rico. É um país rico em termos daquilo que vamos colocar no mercado”, aponta Lourenço Sambo, director-geral da Agência para a Promoção de Investimento e Exportações (APIEX) de Moçambique. “Fazendo uma análise comparativa, no caso concreto do gás, dentro de cinco anos Moçambique vai superar o Qatar em termos de reservas provadas, numa altura em que ainda estamos a conduzir pesquisas.”
Com o início da extracção e da exportação de gás natural, a riqueza gerada por Moçambique deverá crescer de forma exponencial. Dados publicados em Março pela Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH) dão conta de que só na área 4 da bacia do Rovuma, explorada pela petrolífera norte-americana Anadarko, “o Estado vai encaixar anualmente 16 mil milhões de dólares norte-americanos” em receitas fiscais. Actualmente, o Produto Interno Bruto (PIB) de Moçambique é de 11,1 mil milhões de dólares.
O enorme manancial de prosperidade inerente à exploração dos campos de gás natural do Rovuma não suscita, no entanto, apenas entusiasmo junto dos líderes moçambicanos. Suscita também cautela. Lourenço Sambo assegura que o Governo de Maputo está consciente dos desafios que a afluência massiva de capital representa para a economia moçambicana e defende, por isso, que o sector dos hidrocarbonetos deve servir, sobretudo, como pedra basilar de uma economia diversificada e pautada pelo equilíbrio. “As perspectivas são muito boas no caso de Moçambique, mas é preciso combinar outros sectores numa lógica de diversificação económica. Uma economia só é verdadeiramente bem-sucedida quando entendida sob este prisma.”
Uma das metas do processo de diversificação económica que Maputo quer impulsionar com o contributo do dinheiro do gás natural não passa tanto por um fomento natural das exportações, mas sobretudo por dirimir a dependência que o país apresenta face ao exterior. “É verdade que o mercado do gás nos vai trazer grandes vantagens, que o potencial do turismo que nós temos é uma coisa extraordinária. É preciso olhar para a questão das exportações vendo também o lado oposto. E essa perspectiva passa por substituir as importações que nós temos, produzindo aquilo que importamos”, defende Lourenço Sambo.
O hambúrguer de feijão
Para António Matonse, a presença na PLPEX 2018 serviu, sobretudo, para tomar o pulso ao potencial de negócio da versão aprimorada de um dos mais populares snacks moçambicanos, a badjia.
Antigo Embaixador de Moçambique em Angola, Matonse lidera a 25 Investimentos e Consultoria, que patenteou o “Badjiaburguer”. “Promovemos um casamento entre a badjia – o nosso pastel feito com feijão nhemba – e o hambúrguer clássico. Em Moçambique consome-se muito a badjia. É um pastel do tamanho de uma chamuça que toda a gente come, dos mais jovens aos mais velhos. O sabor é familiar”, sustenta.
Virtualmente desconhecida fora de portas, a badjia, aponta António Matonse, tem potencial para conquistar o mundo, até porque é um produto “moderno”, que se coaduna com as tendências actuais de consumo. “É um produto inovador. É um hambúrguer vegetariano e sabemos que as questões de saúde estão hoje em primeiro plano. Consumimos muita carne e a Organização Mundial de Saúde recomenda o consumo de mais vegetais. Por isso, este hambúrguer vai ao encontro das recomendações das autoridades de saúde internacionais.”
O potencial de negócio do “Badjiaburguer” é atestado por Eleutério Mabdjaia, director de Assistência Financeira do Instituto para a Promoção das Pequenas e Médias Empresas de Moçambique (IPEME), tendo como barómetro o sucesso da badjia nas ruas e nos mercados informais de Maputo e das principais cidades moçambicanas. “A badjia é um produto muito conhecido em Moçambique. Esta inovação pegou num produto já sobejamente conhecido, juntou-lhe alguns condimentos que são do gosto da maior parte das pessoas. O formato de hambúrguer ajuda a tornar o produto mais atractivo.”
A intenção é entrar no mercado de Macau, através da venda de uma franchising a um investidor local. “Tivemos um encontro com um investidor, que demonstrou interesse em abraçar o negócio”, revela Eleutério Mabdjaia.
Em Macau o “Badjiaburguer” deu-se ainda a conhecer no Festival da Lusofonia, onde esteve por breves momentos disponível para prova no expositor da Associação dos Amigos de Moçambique. A iguaria arrancou elogios, deixando António Matonse com boas perspectivas face à afirmação deste projecto empresarial. “Pode ser um símbolo, um emblema, um ícone. Com a badjia o que estamos a fazer é a explorar o lado positivo, o lado saboroso da geografia, da história e da cultura.”
O balanço
Durante a 23.a MIF e a edição de 2018 da Exposição de Produtos e Serviços dos Países de Língua Portuguesa (PLPEX), que decorreram entre 18 e 20 de Outubro, foram assinados um total de 75 protocolos. Entre os memorandos firmados, alguns envolveram governos, mas a esmagadora maioria refere-se a empresas e outras entidades privadas, que se manifestaram interessadas em cooperar em sectores com a indústria das convenções e exposições, o turismo, a agricultura e as indústrias culturais e criativas e em domínios como as tecnologias de protecção ambiental, o comércio electrónico transfronteiriço, a formação de quadros qualificados e a promoção e o agenciamento de produtos.
A 23.a edição da MIF reuniu mais de um milhar e meio de expositores. Já a PLPEX reuniu num espaço com mais de 6000 metros quadrados representes de empresas e de organizações de oito países lusófonos e ainda de agentes de produtos e serviços lusófonos baseados na Grande China.
Para o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), as duas iniciativas tiveram o condão de ajudar “as empresas a terem acesso às oportunidades de desenvolvimento na construção da [iniciativa] ‘Uma Faixa, Uma Rota’ e [do projecto] da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, permitindo-lhes também tirar proveito das vantagens trazidas pelo papel de Macau como plataforma sino-lusófona para explorar oportunidades de negócio”.
Empresas de Fujian querem plantar chá na costa do Índico
A edição de 2018 da MIF teve Moçambique como país parceiro e Fujian como província associada. Um dos momentos altos do certame foi o “Fórum para o Comércio e o Investimento entre Moçambique, a Província de Fujian e Macau”, uma iniciativa que colocou frente-a-frente empresários, responsáveis políticos e potenciais investidores de três regiões. O certame deu azo à assinatura de oito protocolos. Um dos projectos mais promissores é o que prevê a criação, por parte de empresas de Fujian, de pelo menos uma plantação de chá preto em Moçambique.