Eternas memórias para os macaenses

Se hoje ainda tivesse de portas abertas, completaria 140 anos. A Escola Comercial “Pedro Nolasco” encerrou em 16 de Junho de 1997, dando lugar à Escola Portuguesa de Macau, e deixou muitas saudades. Depois de ter a actividade suspensa durante sete anos, a Associação dos Antigos Alunos da Escola Comercial “Pedro Nolasco” voltou em força para reavivar as memórias dos tempos do colégio e dinamizar as relações interculturais

Texto Bruna Pickler | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

Primeiro ocupou o edifício que hoje pertence ao banco Delta Ásia, próximo ao Largo de Santo Agostinho, até mudar-se, em 1966, para o complexo projectado pelo arquitecto Chorão Ramalho, onde actualmente está instalada a Escola Portuguesa de Macau (EPM), no centro da cidade.

A Escola Comercial “Pedro Nolasco” foi criada em 1878 pelas mãos da Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM), por sua vez fundada em 1871 na residência daquele que viria a ser o seu primeiro Presidente, Maximiano António dos Remédios (Pentavô de José Basto da Silva), onde fica actualmente a Residência Consular do Cônsul de Portugal em Macau, cujo grande objectivo era oferecer uma educação de qualidade para jovens macaenses. Dali saíam quase que directamente para cargos na função pública; formavam-se tradutores e intérpretes, ou homens de negócios para grandes empresas de Hong Kong e Xangai. Em 1998, a instituição encerrou portas e deu lugar à EPM.

Em 1998, José Achiam liderou um grupo de amigos para a criação da Associação dos Antigos Alunos da Escola Comercial “Pedro Nolasco” (AAAEC). No Boletim Oficial desse ano, a Associação tem a sua constituição anunciada mas 10 anos depois, em 2008, vem a ter suas actividades suspensas devido à morte do seu principal impulsionador.

No início de 2016, José Basto da Silva e um grupo de dez antigos alunos relançaram a AAAEC, com o objectivo principal de “motivar a juventude local e na diáspora a envolver-se mais com a cultura macaense”. Só nesse ano é que a nova direcção definiu os Estatutos, de forma a prever a figura de sócio que anteriormente não existia.

O novo presidente da AAAEC acredita que há uma grande necessidade de dinamizar a comunidade macaense e que as associações que já existiam até então, como a dos Macaenses ou a dos Jovens Macaenses, não conseguem chegar a todos. “Apesar de uma certa inércia na comunidade macaense, há um tecido jovem e enérgico que está a trabalhar”, aponta, ambicionando incentivar mais pessoas a envolverem-se, gerando “sinergias” com as outras associações para que haja uma confluência nos trabalhos.

Nos últimos dois anos, a AAAEC tem apostado em realizar eventos recreativos e educativos, tais como jantares de confraternizações, palestras ou cursos de culinária. O que motiva José Basto da Silva a avançar é a ideia de promover a cultura macaense que, lamenta, está pouco a pouco a diluir-se, bem como “cimentar os valores de seriedade, honestidade e respeito entre sócios e amigos da AAAEC, os quais eram os principais fundamentos da extinta escola, através de actividades sociais, culturais, desportivas e recreativas.”

Dinamizar através do conhecimento

Os eventos que a AAAEC tem realizado são mais voltados para os sócios, porém são também abertos à comunidade local. O principal projecto, na opinião de José Basto da Silva, é a série de tertúlias “Serões com História”, que versa não apenas sobre o passado da Escola Comercial, mas também sobre temas da identidade macaense contemporânea. Com o apoio da Fundação Rui Cunha, o evento é organizado trimestralmente com oradores convidados.

Outro grande projecto da AAAEC é uma colectânea de recordações e de memórias da Escola. Uma primeira exposição de fotos antigas foi já apresentada em 2016, a propósito do Encontro das Comunidades Macaenses, e fez uma retrospectiva do estabelecimento de ensino desde os tempos da Calçada do Tronco Velho até ao edifício na Avenida Infante D. Henrique.

A recolha de materiais continua sempre em andamento e depende das doações de quem passou pela Escola. Os actuais sócios da AAAEC – antigos alunos, professores ou funcionários da escola – são as principais fontes deste acervo fotográfico, onde se encontram verdadeiras pérolas. “Encontramos coisas engraçadas. Naquela altura faziam-se viagens, passeios à Ilha da Taipa em que se passava lá um dia inteiro. O que hoje em dia é muito banal dantes era uma festa. Há fotografias dessas situações todas com professores como Silveira Machado ou Henrique de Senna Fernandes”, aponta o presidente.

Na lista de projectos a desenvolver constam aulas de patuá, torneios desportivos e uma nova edição de aulas de culinária macaense. Para o curso de patuá, a principal dificuldade tem sido encontrar pessoas com tempo para ensinar. Já as aulas de culinária estão a ser reestruturadas para que possam contar com vários chefes de cozinha que dêem diferentes perspectivas sobre o modo de confeccionar os pratos macaenses.

Uma longa história

“A Escola Comercial era o orgulho dos macaenses”, ressalta José Basto da Silva. Foi fundada no dia 8 de Janeiro de 1878 sob a chefia de João Eleutério d’Almeida, tendo funcionado, numa fase inicial, numa casa particular com os professores que se puderam angariar em Macau. Durante 16 anos funcionou no Seminário de Macau, depois passou para o Liceu sob o nome de Instituto. 

Segundo registos de Abril de 1907, o seminário era frequentado por 187 alunos internos e 183 externos, formando um total de 370 alunos. Depois da parceria com o Seminário ter sido encerrada, a APIM pôs de lado a ideia do Instituto e procurou restabelecer a sua antiga Escola Comercial. 

No dia 9 de Dezembro de 1919, a escola recebe oficialmente o nome de Pedro Nolasco da Silva, que desempenhava então funções de secretário da APIM.

Na sua recta final, já instalada no centro da cidade, a escola estava virada para o ensino tecnológico, ministrando três cursos: Curso Tecnológico de Administração, Curso Tecnológico de Economia e Curso Tecnológico de Informática. O desporto, principalmente o futebol, o voleibol, o basquetebol e o atletismo, também tinha um papel fundamental na formação dos alunos, com a organização de torneios e campeonatos.

No ano lectivo de 1996/1997, a festa de final de ano contou com a representação por parte de alunos da peça de teatro adaptada da obra “Trança Feiticeira”, de Henrique de Senna Fernandes. O espectáculo, dirigido pelo actor Rui Brás, subiu ao palco do teatro D. Pedro V durante três dias em Março de 1997 com a casa sempre cheia. Para fechar o ano, alunos, funcionários e encarregados de educação reuniram-se à volta da mesa para o tradicional “chá gordo” macaense.

Entre as pessoas mais célebres que passaram pela Escola, destacam-se os directores Pedro Nolasco da Silva, Beatriz Nolasco da Silva, Edmundo de Senna Fernandes, Henrique de Senna Fernandes e João Bosco Basto da Silva. Além destes, muitos professores também são destacáveis, como por exemplo, António de Nascimento Leitão, Manuel Maria Sapage, Padre Ramiro Dias Branco, Padre Áureo Castro, José Silvério Marques, Renelde Justo da Silva , entre muitos, muitos outros.

Revolucionária à época, a Escola Comercial “Pedro Nolasco” foi a primeira na cidade a ministrar aulas de informática. Foi também pioneira em termos de acesso às novas tecnologias em Macau. Prova disso é o facto de ter sido o primeiro colégio em Macau a ter computadores Apple II para uso nas aulas de informática.