40 anos de uma relação profícua

A 8 de Fevereiro de 1979, Lisboa e Pequim estabeleciam relações diplomáticas. Os 40 anos seguintes tiveram Macau com um dos principais focos. O relacionamento intensificou-se e alargou-se a várias áreas. Portugal emergiu com um dos principais parceiros da China na Europa

Texto José Carlos Matias 

Ao longo das quatro décadas de relacionamento entre a República Popular da China e Portugal, Macau ocupou um lugar de grande centralidade sobretudo nos primeiros 20 anos. Nas duas décadas seguintes, a Região Administrativa Especial de Macau continuou a ocupar um lugar de destaque nas relações luso-chinesas que têm conhecido uma rápida expansão a vários níveis, com particular incidência nos últimos sete anos. A dinâmica deste relacionamento foi ilustrada aquando da visita do Presidente Xi Jinping a Portugal no início de Dezembro de 2018.

Quando a República Popular da China e a República Portuguesa formalizaram o estabelecimento das relações diplomáticas em 8 de Fevereiro de 1979, as duas nações tinham uma história de contactos e interacção de mais de quatro séculos, desde a chegada dos primeiros navegadores portugueses ao sul da China no primeiro quartel do século XVI. A partir de meados do mesmo século, Portugal foi gradualmente ocupando a cidade de Macau, tendo permanecido como potência administradora até 20 de Dezembro de 1999.

Pilares para um novo relacionamento

Ao longo das três décadas sem relações diplomáticas entre Pequim e Lisboa – entre 1949 e 1979 – uma boa parte dos contactos entre os dois lados tinha lugar através de Macau, desempenhando a liderança da comunidade chinesa local o papel de intermediária informal. Após a Revolução dos Cravos em Portugal, a 25 de Abril de 1974, foram criadas condições para uma nova fase no relacionamento político entre os dois países. O diálogo rumo ao estabelecimento de relações diplomáticas teve início em Paris, em Agosto de 1975 envolvendo o embaixador português, em França, António Coimbra Martins e o seu homólogo chinês Zeng Tao. O processo teve como resultado a formalização dos laços bilaterais a 8 de Fevereiro de 1979 através de um comunicado assinado por Coimbra Martins e por Han Kehua, embaixador da República Popular da China em França.

Nessa mesma ocasião, Lisboa e Pequim firmaram um acordo, cujo conteúdo só foi divulgado mais tarde, em 1987, segundo o qual o fim da administração portuguesa sobre o território de Macau poderia ser objecto de negociações entre a República Popular da China e Portugal, no momento em que ambos os governos julgassem apropriado. A partir desse momento intensificaram-se os contactos e começaram visitas de alto nível. No primeiro trimestre de 1980 decorreu a visita a Portugal do vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da China Zhang Wenjin e a ida a Pequim do governador de Macau Melo Egídio. Entretanto começaram a ser dados passos no sentido de criar laços bilaterais mais amplos, o que foi traduzido na assinatura do acordo de comércio em Junho de 1980 e do acordo de cooperação nas áreas de cultura, ciência e tecnologia.

 

 

A resolução da questão de Macau

O ano de 1984 marca um salto nas relações bilaterais, por um lado, em Abril com a ida do vice-primeiro-ministro de Portugal a Pequim e, por outro, com a primeira visita do então Presidente da República Popular da China Li Xiannian, a Lisboa, em Novembro, as negociações sobre o futuro de Macau estavam prestes a ter início.

Dois anos e meio depois, a 13 de Abril de 1987, era assinada em Pequim a Declaração Conjunta Luso-Chinesa Sobre a Questão de Macau, estabelecendo a data para a transferência de administração do território – 20 de Dezembro de 1999 – e os princípios gerais relativos ao estatuto da futura Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).

Foi criado o Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês, com diplomatas dos dois lados, que fez o acompanhamento das matérias relativas ao processo de transição até 1999. As relações bilaterais foram marcadas ao longo desse período por intensos contactos e negociações em torno de Macau, ocupando o território centralidade nessa dinâmica.

Multiplicaram-se as visitas ao nível ministerial, incluindo chefes de governo, à medida que se começavam a lançar as bases para o relacionamento luso-chinês no século XXI.

A forma em grande medida sem sobressaltos como decorreu o processo de transferência de administração de Macau tornou-se numa base importante para as relações bilaterais que se materializaram após 1999. Isso mesmo foi salientado pelo Presidente português Jorge Sampaio no discurso aquando da cerimónia de transferência a 19 de Dezembro. “E se é importante para as relações entre Portugal e a China que Macau tenha sido um lugar privilegiado de encontro entra as suas culturas e as suas gentes, o acordo a que os dois Estados chegaram sobre o estatuto do território representa uma forma sensata e pacífica de prosseguirem uma nova etapa no seu relacionamento velho de séculos”, afirmou o chefe de Estado de Portugal.

Jiang Zemin, no discurso de estabelecimento RAEM a 20 de Dezembro sublinhou que “a resolução bem sucedida da questão de Macau propiciou um ponto de partida histórico para o desenvolvimento da amizade entre os povos da China e Portugal no século XXI”.

Do Fórum Macau à parceria estratégica

As duas décadas seguintes viriam a testemunhar uma nova fase no relacionamento político, económico e social entre os dois países que passou a ser mais abrangente, mas que continuou a passar por Macau. Além da continuidade e rejuvenescimento de quadros portugueses ao serviço da administração e sector privado da RAEM, o Governo Central lançou um novo mecanismo para o seu relacionamento com o mundo lusófono: o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. O Fórum, com a sede do seu Secretariado Permanente em Macau, procura impulsionar o papel da RAEM como plataforma económica, comercial e cultural sino-lusófona.

Dois anos depois, foi dado um passo com impacto político e diplomático significativo ao nível das relações bilaterais. Aquando da visita do primeiro-ministro Wen Jiabao a Portugal e a China firmaram uma parceria estratégica global, juntando-se Portugal a Espanha, França, Alemanha e Reino Unido com quem a China tinha estabelecido parcerias do mesmo tipo.

A parceria previa o reforço do diálogo político e estreitamento da cooperação nas áreas económica, língua, cultura e educação, justiça, ciência e tecnologia e  saúde. Wen Jiabao lançou o desafio de duplicação do comércio bilateral nos três anos seguintes.

A parceria estratégica global encerrou em 2005, ano que já tinha sido marcado pela visita do Presidente português Jorge Sampaio a Pequim, em Fevereiro, no decorrer da qual foi anunciada a abertura do consulado geral de Portugal em Xangai. Foram também assinados memorandos de entendimento, protocolos e acordos no âmbito da cooperação económica, reconhecimento de graus académicos e um programa de cooperação nos domínios da língua, educação, ciência, ensino superior, cultura, juventude, desportos e comunicação social. Numa altura em que se assinalavam os 25 anos após o estabelecimento de relações diplomáticas, o comunicado conjunto sublinhava o “compromisso com o multilateralismo” e disponibilidade “para aprofundar as consultas e a cooperação no âmbito das Nações Unidas, a fim de contribuir para o reforço do sistema multilateral e para o sucesso do processo de reforma das Nações Unidas”.

 

 

Os grandes investimentos chineses

As relações luso-chinesas conheceram um novo momento aquando da crise financeira e da dívida pública que se abateu sobre Portugal em 2009/2010. Na visita do Presidente Hu Jintao a Portugal, em Novembro de 2010, o chefe de Estado chinês deixou clara a intenção de auxiliar a economia portuguesa a enfrentar a crise. 

“Estamos dispostos a apoiar, através de medidas concretas, os esforços portugueses para enfrentar os impactos causados pela crise financeira internacional e alargar a nossa cooperação económica e comercial”, declarou.

Esse apoio traduziu-se não apenas na contínua compra de dívida pública portuguesa, mas também em investimentos de monta que colocam Portugal como um dos principais destinos de investimento directo da China na Europa. O salto deu-se em Dezembro de 2011, com a entrada da empresa estatal chinesa China Three Gorges no capital da elétrica portuguesa Energias de Portugal (EDP), com a aquisição de 21,35 por cento num investimento de 2,7 mil milhões de euros. O negócio constituiu o primeiro do género da China em empresas de larga escala de utilidade pública na Europa ocidental. No ano seguinte, também no sector energético, um outro investimento estratégico concretizou-se: a State Grid, outra empresa estatal chinesa, adquiriu 25 por cento da Rede Eléctrica Nacional (REN), despendendo 387 milhões de euros (aproximadamente 3.5 mil milhões de patacas).

Outros investimentos de monta seguiram-se, nomeadamente com investimentos na banca, saúde, seguros, meios de comunicação social, energia solar, aviação, tecnologia ou produtos alimentares, entre outros. A entrada de capital chinês em Portugal foi de tal ordem que o país se tornou no segundo destino de investimento direto externo chinês na Europa – em termos proporcionais à dimensão da economia portuguesa – no período entre 2010 e 2016, segundo um estudo da escola de ensino superior espanhola Esade.

Xi Jinping e o novo patamar

A visita de Xi Jinping em Dezembro de 2018 veio solidificar e ampliar o escopo das relações luso-chinesas, elevando-as a um novo patamar. Ao todo, foram assinados 17 acordos bilaterais em várias áreas. À cabeça esteve o memorando de entendimento para cooperação no quadro da iniciativa “Faixa e Rota”. Os dois países sublinharam o significado do apoio de Lisboa à iniciativa que tem servido de alicerce para as relações económicas a nível global. Outros acordos versaram sobre transportes,  turismo, programação de festivais culturais, água, telecomunicações, serviços financeiros ou ambiente.

Um dos projectos que se destacam diz respeito a um programa que visa o estabelecimento, em Portugal, de um Laboratório de Pesquisa de Tecnologia Avançada nos domínios do Mar e do Espaço. A promoção da língua e de estudos sobre a China ganha um novo impulso através do estabelecimento do Instituto Confúcio na Universidade do Porto de um centro de estudos chineses na Universidade de Coimbra.

A mensagem dos chefes de Estado dos dois países foi marcada por optimismo face ao actual estado das relações e perspectivas para o futuro. No encontro com o Presidente português Marcelo Rebelo de Sousa, Xi Jinping declarou que “a relação entre Portugal e a China está entrar no seu melhor período da História”, assinalando que “há cada vez mais pontes de convergência”. O Presidente chinês adiantou que o objectivo é “fazer crescer e aperfeiçoar os projectos existentes e ampliar trocas comerciais e criar mais pontos de crescimento para a nossa cooperação nos mercados terceiros”.

O ano de 2019 é pleno de significado para as relações luso-chinesas, assinalando-se dois aniversários redondos que motivarão encontros, eventos e festividades: o 40.º aniversário do estabelecimento das relações diplomáticas, a 8 de Fevereiro, e os 20 anos da transferência de Macau. Pelo meio está prevista a visita, em Abril, de Marcelo Rebelo de Sousa à China, onde participará no Fórum Internacional sobre a “Faixa e Rota”. Entretanto, ao longo de todo o ano estão programadas inúmeros eventos culturais, académicos e económicos que vão assinalar o Ano de Portugal na China e o Ano da China em Portugal.

 


OS MOMENTOS MAIS MARCANTES

08.02.1979

Portugal estabelece relações diplomáticas com a República Popular da China

 

08.04.1982

China e Portugal firmam Acordo de Cooperação Cultural, Científica e Tecnológica

 

11-17.11.1984

Presidente da República Popular da China, Li Xiannian, visita Portugal e troca opiniões sobre a questão de Macau

 

21-26.05.1985

Presidente português Ramalho Eanes visita China

 

13.04.1987

Portugal e China assinam Declaração Conjunta Luso-Chinesa sobre a Questão de Macau

 

02.1992

Primeiro-ministro da China Li Peng visita Portugal

 

17-20.04.1994

Visita à China e Macau do primeiro-ministro de Portugal Cavaco Silva

 

06-17.04.1995

Presidente português Mário Soares visita Macau e China

 

17.02 – 02.03.1997

Presidente português Jorge Sampaio visita Macau e China

 

16-19.04.1998

Visita à China e Macau do primeiro-ministro português António Guterres

 

26-27.10.1999

Visita do Presidente Jiang Zemin a Portugal

 

12.10.2003

China cria Fórum para a  Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa com Secretariado Permanente em Macau

 

13-17.02.2005

Presidente português Jorge Sampaio visita China e Macau

 

09.12.2005

Primeiro-ministro chinês Wen Jiabao visita Lisboa. Portugal e China estabelecem parceria estratégica

 

06-07.11.2010

Visita do Presidente Hu Jintao a Portugal

 

12.2011

Entrada da China Three Gorges no capital da EDP

 

12-18.05.2014

Presidente português Cavaco Silva visita China e Macau

 

04-05.12.2018

Presidente Xi Jinping visita Lisboa. Portugal manifesta apoio formal à Iniciativa Faixa e Rota através de memorando de entendimento para cooperação no quadro da iniciativa