O Ano do Javali/Porco, ano da riqueza e da prosperidade

豬一進門,滿滿的幸福就會到來

Quando o porco entra pela porta, a felicidade completa virá

Texto Rui Rocha

Um dos aspectos mais difíceis de explicitar nalguns signos chineses é a sua designação na língua portuguesa: quando falamos do Ano do Búfalo/ Boi, do Ano da Lebre/ Coelho, da Cabra/Carneiro ou do Javali/Porco. Tal dificuldade prende-se com o facto de a língua chinesa não estabelecer uma diferenciação semântica específica entre animais da mesma espécie.

Para indicar Búfalo, por exemplo, o carácter牛 (niú) é indistintamente utilizado para designar também a maior parte dos membros da subfamília dos bovídeos como o boi/vaca (Bos taurus), o touro (Bos taurus taurus), o búfalo de água (Bubalus bubalis), assim como parentes asiáticos menores como o zebu (Bos taurus indicus), o iaque (Bos grunniens) e outros, embora com algumas variantes, pois o touro também é designado por 公牛 (gōngniú) – literalmente, “macho de bovídeo” –, o búfalo por 水牛 (shuǐniú) –“bovídeo de água” –, o zebu por 瘤牛 (liúniú) – literalmente, “bovídeo corcunda” –, o iaque por 牦牛 (máoniú) – “bovídeo com pêlo”.

Tal questão, aparentemente irrelevante, condiciona a caracterização do próprio signo, uma vez que existem diferenças comportamentais significativas entre cada um dos animais dos pares indicados.

Relativamente ao signo zodiacal deste ano, enquanto no zodíaco chinês tem vindo a ser adotado o Porco (Sus scrofa domesticus) 豬 (zhū), nos zodíacos japonês e tibetano o animal zodiacal é o Javali (Sus scrofa leucomystax) 野豬 (yězhū), literalmente “porco selvagem”. Pontualmente surge na língua chinesa uma distinção entre o masculino para “porco”, nomeadamente 公豬 (gōngzhū), que significa “porco” e por vezes “javali”, e 母豬 (mŭzhū) para o feminino “porca”.

Na verdade, de acordo com as tradições japonesa e tibetana, o Javali tem como traço comportamental as suas qualidades guerreiras e o temperamento destemido pela forma como ataca frontal e corajosamente qualquer inimigo independentemente do tamanho, nunca recuando ou fugindo do oponente.

No Japão, o Javali é referenciado pela primeira vez no Kojiki (711-712), a mais antiga coletânea de crónicas japonesas que relata os mitos sobre as origens do Japão, lendas antigas, crónicas dos deuses ou espíritos mensageiros (kami), histórias orais, etc. A sua importância na tradição cultural japonesa é muito visível. Alguns clãs de samurais utilizavam a figura do javali nas suas bandeiras no campo de batalha, como símbolo de bravura.

Muitos altares de culto em honra dos kami estão erigidos por todo o Japão, alguns dos quais em honra do espírito do javali inoshishi (イノシシ) ou yama kujira (山鯨), literalmente “baleia da montanha”. O famoso Atago-jinja (神社宕神社) é um santuário xintoísta no Monte Atago, a noroeste de Quioto, outrora uma antiga província chamada Yamashiro (山城國 Yamashiro no Kuni) dedicado ao espírito do javali. No festival anual da Montanha Futara (二荒山), situada no Parque Nacional de Nikko, também designada Nantai-san (男体山), é executada uma dança dedicada ao javali. Conta a lenda que os sermões do monge Jingaku sobre o respeito pela vida animal levaram dois irmãos caçadores, Banji e Banzarubo, a desistirem de caçar, passando a considerar aquela área um santuário da fauna local. Apenas o javali foi agradecer ao monge Jingaku os seus sermões, mas o monge disse-lhe que deveria antes agradecer ao caçador Banji. O Santuário Futarasan fica na base do Monte Futara/ Nantai, frente ao Lago Chuzenji.

Também na mitologia celta o javali foi considerado a personificação da coragem e do altruísmo. Os escandinavos acreditavam que o animal possuía poderes prodigiosos, de modo que usavam capacetes e máscaras ornados com a imagem do javali como amuleto para a protecção dos soldados no campo de batalha. Assim, o guerreiro com capacete ou máscara de javali estava sob a protecção da deusa Freya.

No túmulo dos mortos era colocada a carne de javali, porque se acreditava que isso lhes daria força no caminho para a vida após a morte. Entre os gregos, os hititas e na mitologia nórdica, o motivo da transformação do homem em javali prevaleceu. Os druidas celtas associavam o javali à encarnação do poder espiritual, enquanto o seu oponente, o urso, representava o poder militar secular. Tal associação do javali ao poder espiritual terá, porventura, nascido pelo facto do javali viver na floresta e levar uma vida secreta e isolada, semelhante à de um eremita solitário. Além disso, os javalis e alimentavam-se de bolotas, o fruto do carvalho sagrado, de cogumelos e de trufas. Nas tradições britânica e irlandesa o carvalho foi sempre considerado uma árvore sagrada.

O javali é amplamente utilizado em brasões ou cotas de armas no Reino Unido, simbolizando bravura. Por exemplo, o brasão de Ricardo III da Inglaterra (1452-1485) tem o padrão de dois javalis brancos protegendo o escudo real, aparecendo também nos seus estandartes e emblemas de libré. O brasão do Clã Campbell, na Escócia, cujo lema é “Ne Obliviscaris”, tem o desenho de uma cabeça de javali que destaca a dignidade e a bravura do animal.

Em Portugal, na vila de Murça, em Trás-os-Montes, o ex-libris da vila é a célebre escultura em pedra da Porca de Murça, de origem celta, que representa uma das divindades do povo celta. Esculturas deste tipo são abundantes por todo o noroeste da Península Ibérica, mas é em Murça que se encontra a réplica mais bem conservada de todas.

Na mitologia e nas lendas indianas é dito que o brâmane Vishnu salvou a terra sob a forma de javali. O demónio Hiranyaksha, um inimigo implacável dos deuses, afundou a terra no oceano, mas o javali Varaha matou o demónio e levantou a terra da água com as suas presas. A encarnação feminina de Varaha é Vajravarahi, literalmente a “Javali de Diamante” (uma forma feminina do Buda, também conhecida como Vajradakini ou Viajante celestial da Via do Diamante) ou ainda Vajrayogini (Viajante Espiritual da Via do Diamante).

No Nepal, de tradição cultural hindu e tibetana, o culto do Javali surge em ambas. A deusa com cara de javali que protege os templos Neuaris, Varahi ou Barahi, personifica qualquer uma das quatro divindades com face de javali que presidem ao vale de Catmandu. Elas guardam os portões da cidade como uma mandala: Vajravarahi, de cor vermelha, guarda o ocidente e acredita-se que protege especialmente o gado; Nilavarahi, de cor azul, guarda o leste; o sul é vigiado por Swetavarahi (ou Sukarasya) no portão Sul; enquanto Dhumbarahi, que é cinza, protege o norte e defende o vale contra a cólera. Elas também são consideradas dakinis com cabeça de animal. A iconografia de Vajravarahi é muito semelhante à de Vajrayogini, porém esta apresenta dentes mais proeminentes, uma expressão mais irada e exibe a cabeça de uma porca acima da orelha direita.

A deusa hindu Durga com rosto de javali, cultuada no Nepal, é Vajrabarahi (Vajravarahi, em indiano). Existe um pequeno templo que lhe é dedicado situado na floresta de Chapagaon. Foi construído por Sri Bas Malla e ampliado pelo guru hindu Viswanath, em 786. No grande terramoto de 1990, o templo escapou incólume, embora todos os prédios em redor tenham sido destruídos. Outro templo de Barahi situa-se numa ilha no centro do Lago P’hewa, em Pokhara, também no Nepal. É dedicado a Shakti, a deusa mãe hindu que é a origem da criatividade e do poder do universo, manifestada numa Ajima (grupo de deusas do panteão Neuari) sob a forma de um javali. Aos Sábados, os devotos hindus levam animais machos e aves para lhe serem sacrificados nesse templo.

No budismo, o porco está localizado no centro da roda da existência (samsara) e representa a ignorância – uma das três ilusões que impedem a pessoa de chegar à plenitude da vida (o objetivo final dela). Também no judaísmo e no islamismo o porco é considerado um animal impuro, estando interdita a sua carne a judeus e muçulmanos. Igualmente nas religiões do Livro (judaísmo, cristianismo, islamismo) o símbolo do javali ou porco encerra um lado negativo. É frequentemente associado à ferocidade, à força cega selvagem, à crueldade, à luxúria e à gula. Também está relacionado com o diabo e as forças obscuras do mal.

Os porcos e os cães eram os animais menos apreciados pelos judeus. No Levítico 11, 7 e no Deuteronómio 14, 8 encontramos proibições severas ao consumo de carne do porco.

Os restaurantes Halal espalhados por todo o mundo e muito frequentes na China seguem a lei islâmica da xaria relativamente aos alimentos que os muçulmanos podem ou não comer e beber de acordo com a referida lei. Verifica-se que algumas das interdições alimentares do Islamismo coincidem com as do Judaísmo. Além da carne de porco e derivados, o islamismo proíbe outras carnes tais como as de aves de rapina, cão, serpente e macaco. O consumo de animais com garras, como leões e ursos, é proibido, bem como o de animais considerados repugnantes (baratas, moscas etc.). É similarmente interdito consumir o sangue dos animais. Em contrapartida, todos os peixes são autorizados.

O cristianismo também considera o porco como uma criatura vil e rude, um símbolo dos pecados da carne e, em particular, como expressão de ganância. O porco pode ser identificado com Satanás por causa das “marcas do diabo”, as pegadas deixadas pelas suas patas dianteiras.

A parábola bíblica do “lançar pérolas aos porcos” é reveladora: “Não deis aos cães as coisas santas, nem lanceis aos porcos as vossas pérolas, para que não aconteça que as pisem com os pés e, voltando-se, vos despedacem.”

Trata-se de uma parábola que usa alegorias como “cão vadio ou porco imundo” para transmitir uma lição moral. Também no Evangelho de São Marcos (Mc 5,9-14) e nos evangelhos sinóticos de São Mateus (Mt 8,28-24) e São Lucas (Lc 8,26-39), na narração conhecida como “o endemoniado geraseno”, relativa a um acontecimento supostamente passado na cidade de Gerasa, o porco é citado como animal imundo, para o qual pode transpor-se um espírito impuro: “Então Jesus perguntou: “Qual é o teu nome?” O homem respondeu: “O meu nome é ‘Legião’, porque somos muitos”. E pedia com insistência para que Jesus não o expulsasse da região. Havia aí perto uma grande manada de porcos, pastando na montanha. O espírito impuro suplicou, então: “Manda-nos para os porcos, para que entremos neles”. Jesus permitiu. Os espíritos impuros saíram do homem e entraram nos porcos. E toda a manada – mais ou menos uns dois mil porcos – atirou-se monte abaixo para dentro do mar, onde se afogou. Os homens que guardavam os porcos saíram correndo e espalharam a notícia na cidade e nos campos. (Mc 5,9-14)

 

O Porco no zodíaco chinês

O décimo segundo e último signo do zodíaco chinês é o porco, personificação da integridade, do optimismo, abundância e da amabilidade. Porquê o último dos animais do zodíaco?

Embora o Porco seja um animal zodiacal chinês, o espírito guerreiro do porco selvagem ou javali foi invocado no passado na tradição militar chinesa. Wáng Mǎng, nascido no período na dinastia Han do Oeste (206-25 a.C.) e fundador da curta dinastia Xīn (9-25), designou as suas tropas por “corajosos javalis”, com o objectivo de inculcar nos seus soldados o espírito aguerrido do animal. Wang Lin, general da dinastia Liáng (502-557) nomeou o seu campo de batalha como “o território do Javali”.

Contudo, actualmente, na tradição chinesa, o porco doméstico prevalece como animal zodiacal e representa abundância, mas também a nossa natureza fundamentalmente animal. O carácter chinês para “família” (家) representa um porco (豕) debaixo do telhado de uma casa (宀) ou de uma cerca onde se guardava o gado ou se ofereciam sacrifícios. Na verdade, o Porco, na tradição cultural chinesa, de configuração farta, orelhas grandes e boca larga figura uma vida abastada, tranquila e também dócil, devido a ter perdido sua natureza original após ter sido isolado do mundo selvagem e domesticado.

Existem várias histórias na mitologia chinesa que explicam a origem do zodíaco chinês, a razão dos doze animais e da sua ordem nesse zodíaco. Contudo uma variante do mito, atribuída ao imperador de Jade, parece expor melhor a importância do culto da alimentação e do repouso na cultura chinesa, através da história do porco como último animal zodiacal chinês.

Conta a tradição que o Imperador de Jade, o governante de todos os deuses da mitologia chinesa, entendeu que deveria haver um modo de medir o tempo. No dia do seu aniversário convocou todos os animais para uma travessia de um rio. Os primeiros doze animais a chegar à outra margem integrariam o calendário lunar, sendo dado a cada ano o nome de cada um deles por ordem de chegada à outra margem do rio.

Os animais foram chegando pela ordem seguinte: rato, búfalo de água (boi), tigre, lebre (coelho), dragão, serpente, cavalo, cabra (carneiro), macaco, galo, cão. Faltava apenas mais um animal para concluir a medição do tempo. O imperador de Jade esperou um largo tempo até que finalmente se ouviu um grunhido e surgiu o porco. O imperador perguntou-lhe por que razão demorara tanto, ao que o porco respondeu: “Estava esfomeado e parei para comer. Depois de comer senti-me cansado e adormeci um pouco para recuperar forças e poder atravessar o rio”. O imperador de Jade disse-lhe: “Fizeste bem. Foi sensato o que fizeste e integrarás assim o último ano do calendário lunar.”

No mundo antigo, designadamente no Egipto para a deusa Isis, deusa da agricultura, para Ceres, em Roma e para Deméter na Grécia, o porco era um animal sagrado. Para os celtas era um símbolo de força e amor, fertilidade, boa sorte e prosperidade, consagrado à deusa Ceridwen, “A Porca Branca”, e à mãe da deusa da lua e da fertilidade, Theia, que alimentava os deuses com seus seios. Da mesma forma, na China o Porco é visto como um símbolo de fertilidade e de prosperidade.

Na tradição cultural chinesa, a imagem mais popular do Porco é o da personagem de Zhū Bājiè, do romance épico clássico Peregrinação para o Oeste, inspirado na história real do monge budista Xuánzàng (602-664) que partiu para a Índia em busca das Três Colectâneas de Escrituras Sagradas do Budismo – daí o monge budista do romance chamar-se Táng por referência ao período da história da China em que decorre a acção, a dinastia Táng, e Sānzàng por referência ao objectivo da missão. Zhū Bājiè, também chamado Zhū Wùnéng, é um dos três discípulos do monge budista Táng Sānzàng que parte para a Índia, e uma das principais personagens do romance. Zhū significa “porco” e Bājiè significa “oito preceitos”, o que deve ser subentendido como “oito proibições”, devido ao seu enorme apetite. No final da sua jornada, Buda irá nomeá-lo “Limpador dos Altares Sagrados” novamente para aliviar o seu imenso apetite.

A tradição do culto do Porco na China é muito antiga e remonta à cultura Nemudu do Neolítico. Aí foram recolhidos potes de cerâmica em forma de porco. Os arqueólogos chineses afirmam que tais expressões artísticas em forma de porco estariam relacionadas com práticas de feitiçaria ligadas a orações para a vinda da chuva. A partir da dinastia Qin (221.-206 a.C.), a posse de um número elevado porcos era sinal de riqueza

Há um ditado chinês que espelha plenamente o carácter auspicioso deste signo: “Quando o porco entra pela porta, a felicidade completa virá.” Um antigo costume chinês consistia em oferecer às crianças chapéus e sapatos em forma de porco. Os pais chineses acreditavam que isso evitaria o infortúnio, já que os espíritos malignos seriam levados a pensar que a criança era, na verdade, um porco.

De resto, é comum na arte popular da China, designadamente na pintura, no paper-cutting, nos bordados e outras artes, verem-se as simpáticas figuras do Porco, durante o Ano Novo chinês, carregando no seu dorso um vaso com um tesouro. Em Tianjin e em Hebei há um festival de paper-cutting ornamental das janelas e sobretudo das portas, apresentando a figura em arco de um porco gordo com o tal vaso com o tesouro às costas. Tais figuras, colocadas nos lados direito e esquerdo das portas das casas, simbolizam o mensageiro de irá trazer àquele lar riqueza e prosperidade.

Nas principais manifestações sociais da China (nascimentos, casamentos, Festival da Primavera, culto ao Deus da Cozinha e a outros deuses, culto dos mortos, práticas divinatórias e outras celebrações diversas) a carne de porco é oferecida no sentido de eliminar os espíritos malignos e obter as bênçãos para uma vida auspiciosa e cheia de prosperidade, quer pela maioria Han, quer por algumas minorias étnicas em diferentes províncias do país designadamente os Wa, Blang e Vas em Yunan, os Yi em Sichuan e os She em Zhejiang.


Perfil zodiacal do Porco

Ramo Terreste: Hài (亥)

Ano Lunar: Décimo

Yin-Yang: Yīn (-) 陰

Anos de nascimento: 2031, 2019, 2007, 1995, 1983, 1971, 1959, 1947, 1935…

Cinco elementos: Shuǐ (水) pertence à Água.

Cinco Virtudes Constantes: A água pertence à Sabedoria.

Estação do ano: Inverno.

Direcções auspiciosas: Oeste, nordeste.

Cores auspiciosas: Amarelo, cinzento, dourado, castanho.

Números de sorte: 2, 5, 8.

Flores da sorte: Hortênsia (繡球屬), Nepentes (猪籠草), Margarida (雛菊).

Cristais da sorte: Ametista, Quartzo-rosa, Pedra-da-lua.

Protector espiritual: Amitabha.

Escolha do nome: para os nascidos no Ano do Javali/ Porco é apropriado seleccionar caracteres com o radical de feijão (豆), arroz (米), peixe (魚), significando alegria, prosperidade, honra e honestidade; caracteres com o radical de água (⺡), metal (金), jade (玉), que simbolizam genialidade e virtude; caracteres com radicais de lua (月), madeira (木) ou grão (禾) que auspiciam descendentes dotados; caracteres com o radical de pessoa (亻), montanha (山), terra (土) e erva (艹), simbolizando um elevado sentido de lealdade e dever.