Dongguan é uma cidade muito conhecida pela capacidade da sua indústria manufactureira para a exportação. Quase tudo o que se consome no mundo em artigos de vestuário e calçado, brinquedos e produtos de electrónica corrente provêm da China e, é muito provável, que esses artigos tenham sido fabricados em Dongguan.
É o que acontece com os smartphones, esse objecto que se tornou quase uma extensão do corpo humano. Pois bem, um em cada cinco desses aparelhos colocados no mercado mundial são fabricados na cidade. O mesmo se poderia dizer de computadores pessoais e toda a gama de acessórios associados a este equipamento. Desde que, em 1978, foi iniciada a política da reforma e abertura da China, Dongguan e a vizinha Shenzhen, tornaram-se nos símbolos desse processo, cada uma de forma diferente, apostando em sectores que se complementam.
A Taiping Handbag Factory, fundada em Dongguan em 1978, foi a primeira fábrica da China autorizada a produzir e exportar. A indústria ligeira foi a aposta de Dongguan, e com isso atraiu capital do Interior da China, do estrangeiro e também de Hong Kong, dada a continuidade geográfica que partilha, estando localizada na mesma margem oriental do Delta do Rio das Pérolas.
Dongguan é uma cidade com nível de prefeitura desde 1988, está situada na província de Guangdong, com uma área de 2460 quilómetros quadrados e integra a área da Grande Baía. Faz fronteira com Guangzhou a norte, Huizhou a nordeste, Shenzhen a sul e o Rio das Pérolas a oeste. A sua localização é central, tanto em relação a toda a área da Grande Baía como em relação ao corredor de ciência e inovação tecnológica Guangzhou-Shenzhen.
É uma cidade de migração, onde grande parte dos 8,34 milhões de habitantes não são residentes permanentes registados na região.
De acordo com estatísticas oficiais, a densidade populacional é de 3300 habitantes por quilómetro quadrado. Face ao elevado número de trabalhadores imigrados provenientes de outras regiões da China, a cidade fica quase deserta quando têm lugar os festejos do Ano Novo Lunar.
Emigração brasileira
Apesar de ser uma região pouco referenciada como destino turístico na parte do mundo em que se fala português, Dongguan tem sido um polo de atracção para a imigração brasileira, que desde meados dos anos 90 do século passado começou a acorrer para trabalhar na indústria do calçado, constituindo uma comunidade com milhares de indivíduos. Esta comunidade tem conseguido reconstituir o modo de vida do Brasil naquele recanto da China: existem churrascarias, escolas de capoeira e samba e outros estabelecimentos onde quase só se fala português do Brasil.
Uma das escolas inspiradas pelo modelo brasileiro de educação prepara adolescentes e jovens para prosseguirem os seus estudos quando regressarem ao seu país de origem. Esta ligação à lusofonia, que é baseada em pessoas e relações culturais construídas no terreno, pode ser uma importante mais-valia para a ligação da cidade aos países de língua oficial portuguesa.
O governo municipal de Dongguan administra 28 vilas e quatro subdistritos urbanos: Guangcheng, Nancheng, Dongcheng e Wanjiang.
Dongcheng evoluiu de uma floresta de bambu nos anos oitenta do século passado, com uma pequena rua de 500 metros de extensão, para o actual centro de negócios e de serviços onde o imobiliário é muito valorizado. Possui três bases industriais, Tongsha, Wijing e Shijiao, que no conjunto representaram um investimento de 8000 milhões de renminbis (cerca de 9600 milhões de patacas ao câmbio actual) para o desenvolvimento da indústria electrónica de ponta, instrumentos de precisão, biomédicas e energia solar, naquele que é um exemplo dos caminhos a seguir para o futuro da cidade.
Nancheng é o centro financeiro e de negócios de Dongguang, um jovem subdistrito com apenas 14 anos de existência, construído sobre terrenos agrícolas. Hongfu é a principal artéria que atravessa o distrito, percorrendo os edifícios mais emblemáticos deste novo centro urbano.
O subdistrito de Guangcheng, com apenas 13,5 quilómetros quadrados de área, é dos aglomerados populacionais mais antigos de Dongguan, com mais de 1200 anos de história. O nome foi-lhe atribuído em 757, na dinastia Tang. É o centro político, económico e cultural de Dongguan, com edifícios patrimoniais como a famosa Torre da Porta Ying’en.
A vila de Qingxi foi considerada a cidade mais bonita da China em 2012. Curiosamente, é também aí que se localiza a maior base de produção de computadores do país, juntando o passado com o presente, a natureza com a tecnologia de ponta. O parque florestal de Qingxi é um bairro cénico de nível nacional. Dongguan foi reconhecida pelo programa Ambiental das Nações Unidas como uma cidade-jardim internacional, com dez parques florestais, cinco reservas naturais, 13 parques de zonas húmidas e 933,5 quilómetros de vias verdes.
Três equipas profissionais de basquetebol estão sediadas em Dongguan, entre as quais a campeã nacional “Os Tigres do Sul de Guangdong” que foi a primeira equipa privada na modalidade a estabelecer-se em toda a China, o que reflecte a capacidade de patrocínio das empresas desta cidade.
Preservação da cultura lingnan
Foi no ano 331, na Dinastia Jin (265-420) que foi fundado o condado de Bao’ao, nome que perdurou até ao ano 757, já na Dinastia Tang (618-906), quando passou a ser designada Dongguan. Toda a cultura de Lingnan, que encontra a sua raiz no encontro entre as culturas Yue e Han, tem em Dongguan um dos seus mais importantes centros de influência e disseminação. Está estimado, que cerca de 300 mil chineses ultramarinos e 1,2 milhões de compatriotas de Hong Kong e Macau têm a sua origem familiar em Dongguan. A história de Dongguan será, doravante, associada a um dos momentos mais dramáticos da história moderna da China até pela importante localização do porto de Humen, uma das chaves de entrada para o porto de Guangzhou (Cantão), que durante séculos foi o centro do comércio marítimo entre a China e o Ocidente e um dos pilares da Rota Marítima da Seda.
A famosa queima do ópio mandada efectuar pelo Comissário Imperial Lin Zexu em 1839, que marcou o início da primeira Guerra do Ópio (1840-42) deu-se naquela cidade, que é conhecida na literatura ocidental pela Boca do Tigre. O Museu sobre a Guerra do Ópio localiza-se na vila homónima, onde se pode visitar o campo onde se travou esta batalha, que está bem preservado e que se tornou numa atracção turística local. Uma visita à zona de Humen e Nansha, na margem oposta do delta, poderá tornar-se num dos percursos mais interessantes quando no futuro se desenvolver o turismo marítimo cultural na área da Grande Baía, com mini-cruzeiros a subirem o rio a partir de Hong Kong ou Macau.
Entre as duas margens do Delta, com Humen de um lado e Nansha do outro, existe o fortim bem preservado de Weiyuan, que vigiava a Bocca Tigris ou Boca do Tigre nos tempos do comércio marítimo da China com o Ocidente, durante a dinastia Qing (1644-1912). Também aí, entre 1809 e 1810, travaram-se várias batalhas de flotilhas de navios chineses, portugueses e de Macau, este sob o comando de José Pinto Alcoforado e Sousa, contra a armada de piratas comandadas por Zhang Baozai (Cheung Po Tsai), do qual resultou a derrota desse famoso pirata. Através da intermediação do Ouvidor Arriaga, uma figura incontornável da história de Macau nos primórdios do século XIX, Zhang Baozai negociou com as autoridades imperiais Qing, que o amnistiaram e o integraram na sociedade como oficial de alta patente da Armada Chinesa.
Outros conhecidos pontos turísticos são os Jardins tradicionais de Keyuan, as relíquias pré-históricas de Haogang e a aldeia antiga de Nanshe.
Algumas das manifestações culturais típicas da cultura Lingnan, que une a maioria da população da área da Grande Baía, tiveram origem na região onde se situa Dongguan.
É o que acontece, por exemplo, com os barcos-dragão e a dança do Leão do Sul da China, assim como a ópera de Cantão que encontra aqui as suas raízes e cujo cantor Ho Fei Fan, nascido em 1919, se tornou numa das grandes estrelas da modalidade. Ao longo da sua prolífera vida artística, Ho produziu três filmes e participou em outros 96, muitos dos quais em Hong Kong, para onde emigrou e veio a falecer em 1980, com apenas 61 anos de idade.
Por via dessa riqueza cultural, o plano da Grande Baía prevê a participação activa de Dongguan na promoção da cultura Lingnan, particularmente nas manifestações culturais atrás referidas.
Estrutura industrial bem integrada
A economia de Dongguan cresceu entre 2003 e 2006 ao ritmo de 20 por cento ao ano. Mas desde a crise de 2008 que os custos de mão-de-obra e a concorrência de outros centros manufactureiros tem obrigado a que a economia de Dongguan se reestruture.
O número agregado de 10 mil de unidades industriais registadas na cidade com capital estrangeiro é, em grande parte, constituído por fábricas de indústria ligeira e mão-de-obra intensiva, com importante contributo de investimento directo do exterior, incluindo de Hong Kong e de Taiwan, no valor total de 40,7 mil milhões de dólares americanos (2016).
O grande mérito de Dongguan é possuir uma estrutura industrial bem integrada, impecavelmente servida por uma rede logística das mais eficientes do mundo, a montante e a jusante da mesma.
A maior parte da sua produção é exportada. Segundo estatísticas oficiais, a exportação de mercadorias é da ordem de 103,9 mil milhões de dólares americanos e a importação de apenas 77,3 mil milhões de dólares, a segunda economia mais importante da Grande Baía, do ponto de vista da balança de mercadorias, logo a seguir à vizinha Shenzhen.
Dada à proximidade de Shenzhen e Hong Kong, a distribuição internacional dos produtos é realizada sobretudo através dos portos daquelas duas grandes metrópoles. Não obstante, as autoridades de Dongguan estão a promover a integração de infra-estruturas portuárias de Shatian, Machon e Neihe para aumentarem a competitividade dessas estruturas fluviais e, no futuro, maximizando todo o potencial económico da Grande Baía, tornar esses portos atractivos para o comércio internacional.
O Produto Interno Bruto (PIB) de Dongguan é da ordem dos 123,4 mil milhões de dólares americanos e o PIB per capita de 14,75 mil dólares. A estrutura do PIB aponta para uma tendência para a terciarização da economia, apesar dos pergaminhos industriais que ainda ostenta. Assim, o sector primário tem um peso insignificante de 0,3 por cento, o terciário ou de serviços 52,3 por cento e o secundário, onde se integra a actividade industrial 47,4 por cento.
As principais indústrias são a informação electrónica, o fabrico de equipamento e maquinaria eléctrica, os têxteis e vestuário, calçado e acessórios; o processamento de bens alimentares e bebidas, as indústrias de papel e os produtos de papelaria. Entretanto, à medida que a produção industrial avança na cadeia de valor começa a surgir um ramo de indústrias com tecnologia mais avançada, nomeadamente o fabrico de luzes LED, ecrãs lisos e fotovoltaicos.
Panorama económico em transformação
Com a introdução do plano para a integração da Grande Baía, o panorama económico de Dongguan vai mudar. Por um lado, o futuro previsto para a nova região aposta na ciência, tecnologia, educação, economias verdes e produção industrial avançada. Por outro, as alterações conjunturais e estruturais que se estão a desenvolver a nível dos mercados internacionais, nomeadamente o reforço de políticas de cariz protecionista, associado ao esforço para o desenvolvimento de um mercado integrado da Grande Baía, fazem prever uma profunda reestruturação do lado da oferta produtiva na região. As indústrias de menor valor acrescentado que se apoiam em mão de obra e a existência de outros recursos a baixo custo irão procurar a relocalização em outras economias ou províncias no interior do Continente Chinês, que ainda oferecem essas características. Assim, o plano para a Grande Baía prevê para Dongguan alguns importantes desenvolvimentos, nomeadamente o parque Eco-Industrial no Lago Shonshan para atrair empreendedores jovens e talentos de Hong Kong e Macau.
O gigante tecnológico mundial Huawei, instalou um campus para a investigação nesta nova área, para onde também se deslocaram outras empresas com vários laboratórios de investigação científica, criando um ramo de ciência e tecnologia que atrairá cientistas de todo o mundo. Para se ter uma ideia da dimensão do projecto da Huawei, o novo campus, designado Xiliubeipo, tem uma área de 1,4 milhões de metros quadrados, possui 12 “bairros”, designados segundo conhecidas capitais europeias e ligadas entre si por um sistema de metro ligeiro com 7,8 quilómetros de extensão.
Este gigantesco “campus” tecnológico está dotado de todas as infra-estruturas para albergar um número total de 25 mil funcionários das áreas de investigação e desenvolvimento.
O desenvolvimento do novo distrito de Dongguan Binhaiwan, que tem intenções de se tornar numa grande área de inovação em 2025 e uma nova cidade de classe mundial em 2015, em colaboração com Hong Kong. Esses projectos irão acrescentar diversidade e capacidade às plataformas de inovação e empreendedorismo já existentes, nomeadamente a o parque de incubação Dongguan Tianan, o parque de Ciência e Tecnologia de Changping e o ANTCLUB (Clube de Formigas) um dos primeiros centros de incubação ao serviço de jovens de Macau, de Hong Kong e de Taiwan, que já deu apoiou mais de 50 equipas e empresas dos dois lados do estreito.
O esforço desenvolvido pelas autoridades de Dongguan para atrair novos talentos e novas empresas ligadas à inovação e alta tecnologia traduzem-se em resultados palpáveis. A cidade albergava no final do passado 4058 empresas de alta tecnologia com outras 2400 candidaturas em fila para serem consideradas como tais.
Ligações
A ligação entre as cidades da Área da Grande Baía é fulcral para o sucesso do processo de integração. Nesse aspecto, Dongguan está bem servida visto estar estrategicamente localizada na intersecção de diversas vias de comunicação entre os potentados económicos Shenzhen, Cantão e Foshan e entre as margens ocidental e oriental do Delta do Rio das Pérolas.
Diversas auto-estradas convergem para a ponte de Humen, uma obra de engenharia de grande envergadura, que além da sua funcionalidade oferece, a quem a atravessa, um cenário verdadeiramente deslumbrante. Para quem viaja por terra de Macau para Shenzhen, e vice-versa, esse percurso é obrigatório e muito útil, quando, devido às tempestades tropicais, o serviço de ferry para Hong Kong e Shenzhen ficam suspensos.
A ponte de Nansha, até agora conhecida como segunda ponte de Humen, com a extensão de 13 quilómetros, estará em breve concluída e fará a travessia do Delta a partir daquele distrito da cidade de Cantão para ligar à vila de Shatian, situada em Dongguan. Quando se tornar operacional, a sua travessia irá poupar 10 quilómetros ao actual percurso entre Cantão e Dongguan, contribuindo para a circulação rápida e eficaz dentro da Área da Grande Baía, promovendo a sua integração bem como a importante Zona de Livre Comércio Cantão-Nansha.
Humen é uma das estações servidas pelo comboio de alta velocidade entre Hong Kong e Guangzhou. A distância entre Humen e Hong Kong é de 142 quilómetros e o percurso é servido por 20 comboios por dia, em cada sentido, e a viagem pode durar entre 38 e 56 minutos. Está também ligado à rede ferroviária nacional, sendo fácil viajar para Xangai, Pequim e outros destinos no Interior da China. Para facilitar a circulação de pessoas nas regiões circundantes de Guangzhou, estão a ser construídas três redes de comboios intercidades, nomeadamente, Cantão-Dongguan-Shenzhen, Foshan-Dongguan e Dongguan-Huizhou, ligando os centros urbanos de cada um desses destinos.
Dongguan é uma das cidades do Sul da China que está mais integrada nas cadeias globais de valor, como fábrica do mundo. Esse famoso “modelo Dongguan” chegou ao limite do seu potencial, porque a indústria de manufacturas ligeiras e de baixo valor acrescentado, até agora dominantes, não produz os níveis de retorno que a cidade necessita, e os planos da Grande Baía requerem e incentivam. Na realidade, as mudanças económicas de Dongguan estão em curso desde que a crise económica de 2008 afectou a sua economia, com o esforço empreendido pelas autoridades locais na captação de investimentos para as áreas da tecnologia e inovação, bem como na criação de plataformas para a incubação de empresas e de talentos de Hong Kong, Macau e Taiwan.
O plano da Grande Baía dá um novo impulso no sentido de marcar bem claro que Dongguan deve ser uma base de manufactura avançada e de nível mundial, isto é, deve apostar na manufactura de produtos de elevado valor acrescentado a partir da incorporação de tecnologias inovadoras, fruto do trabalho de investigação e desenvolvimento realizado no contexto chinês. Além do mais, a integração regional na Grande Baía vai permitir a maximização dos recursos utilizados e uma elevação geral dos níveis de eficiência económica e melhoria da qualidade de vida na região, quer por sinergias sistémicas, quer pela mobilidade acrescida que oferece. Dongguan, terá mais oportunidades, também, para expor as mais valias culturais que possui e a qualidade paisagística presente nos seus lagos e parques, atraindo turismo de qualidade.
A cidade procura agora novos caminhos para o seu futuro e a resposta está nas oportunidades e desafios associados à integração na área da Grande Baía, especialmente com Cantão, Hong Kong e Macau.