Viagem pela terra do sol vermelho

Integrado no “Projecto Libolo”, o estudante Rafael Fin Zhao rumou a África para ensinar mandarim a crianças angolanas naquela que se revelou ser uma experiência marcada para sempre

Texto Lucas Calixto

Sempre que andava pelas ruas do Libolo, em Angola, Rafael Fin Zhao, nascido em Dalian, no nordeste da China, era bem notado tanto pelos mais velhos como pelas crianças, ou melhor, pelos seus novos alunos que já o saudavam em chinês: “Professor, ni haoni hao!”  

Estudante de Português na Universidade de Macau, Fin Zhao rumou à província do Cuanza Sul para integrar o “Projecto Libolo”, uma pesquisa académica que visa os estudos antropológicos, linguísticos, filosóficos e culturais daquela região do país africano. O jovem foi o primeiro aluno do curso de Português a integrar o projecto criado por Carlos Figueiredo, professor de Português da Universidade de Macau, e pela docente da Universidade de São Paulo Márcia Oliveira, mas o seu objectivo era leccionar mandarim na terra do sol vermelho. 

“Decidi ir porque era uma óptima oportunidade para conhecer um novo lugar e também para melhorar os meus conhecimentos na língua portuguesa. Além de ser uma boa experiência cultural é muito bom para o currículo”, confessou Fin Zhao à MACAU. 

De aluno a professor 

As funções determinadas inicialmente para Fin Zhao foram as de dar apoio a outros pesquisadores e a de interagir com os alunos da escola da Missão Católica, a maior instituição de ensino da região. Porém, o estudante fez mais do que se esperava. Juntamente com o professor Roberval Teixeira e Silva, também docente da Universidade de Macau, o jovem chinês passou 10 dias numa sala de aula a ensinar mandarim a alunos do ensino primário até ao secundário. 

Fin Zhao conta que todos os dias as salas de aula estavam lotadas de alunos curiosos e interessados em aprender um pouco da cultura e da língua chinesas. “Nós demos aulas de mandarim a muitas crianças. Muitas perguntas foram respondidas sobre Macau e a China, além de muitas palavras que tivemos de traduzir do português para o chinês”, conta.  

“Tinha salas com mais de 50 crianças. Às vezes não tínhamos cadeiras suficientes para todos e chegávamos a ter de sentar duas crianças em cada cadeira”, recorda sublinhando a forte adesão às aulas de mandarim. 

Além das aulas de Mandarim que se revelaram uma agradável surpresa tanto para Fin Zhao como para os alunos da Missão Católica, o estudante da Universidade de Macau tinha um importante trabalho de investigação: recolher dados linguísticos. 

objectivo era recolher o máximo de falas, conversas ou contos que surgiam espontaneamente na língua local: o quimbundo. Falada no noroeste do país, incluindo a capital do país Luanda, o dialecto revelou-se um desafio para o estudante mas ao mesmo tempo uma grande fonte de aprendizagem. “Gostei muito, porque através da língua consegui aprender mais sobre a história local e como a população do Libolo vive”, sublinha Fin Zhao. 

Expectativas e realidade  

O jovem estudante da Universidade de Macau conta que antes de viajar até à província do Cuanza Sul o seu desconhecimento sobre Angola era grande, mas a vontade de conhecer o país africano era muita. “Eu achava que ia ver muita natureza, pobreza, um país não desenvolvido e com boas pessoas”, afirma. Quando confrontado com a realidade no Libolo, as ideias e expectativas que tinha foram substancialmente ultrapassadas. Fin Zhao foi bem recebido e acolhido por todas as comunidades nas quais esteve de passagem. Conta que as danças típicas e os sorrisos no rosto de todos foram um factor primordial para que se sentisse em casa. O canto sincronizado e o ambiente alegre também lhe prenderam muito a atenção.   

Outros dos aspectos que acabou por encantar o estudante de português foi a natureza que estava no seu imaginário: as árvores enormes, como descreve, estradas de terra em matas fechadas e, por fim, o sol sempre avermelhado e bem grande que parecia estar ali mais próximo da Terra. Fin Zhao conta que era um momento especial sempre que o sol nascia e se punha e que lhe prendia a atenção.  

Fin Zhao sublinha a questão da segurança como outro dos aspectos positivos da experiência que o levou durante 30 dias a Angola. “Em nenhum momento me senti inseguro. Tive sempre liberdade para andar sozinho por todas as ruas do município e, na maioria das vezes, encontrava estudantes que me ajudavam a chegar ao meu destino.” 

Novos ritmos 

Apaixonados por futebol, dança e por conhecimento: é este o resumo comum feito por muitos dos que pisam o Libolo integrando o projecto da Universidade de Macau. Fin Zhao sublinha o mesmo fazendo referência à importância que a música e os ritmos tiveram nesta aventura. Pela mão dos estudantes locais aprendeu sobre as músicas que mais se ouvem em Angola, os passos de dança mais importantes, entre uma variedade de ritmos musicais, tais como o semba, o kuduro ou a tarraxinha. 

O estudante retribuiu os conhecimentos ensinando aos alunos a cantar os “Parabéns” em chinês, o que era motivo de regozijo por parte dos adolescentes angolanos. 

A energia angolana também é levada para dentro dos estádios de futebol. Os participantes do projecto tiveram a oportunidade de assistir a dois jogos do Recreativo do Libolo, naquele que é um importante evento local, o Girabola 

“O futebol é o principal desporto que se pratica em Angola. As pessoas adoram o futebol e a cidade pára quando há jogo do Recreativo e os adeptos são fantásticos. Pintam-se de azul e andam pela rua a dançar e celebrar pela equipa”, conta Fen Zhao. 

 Ida ao Quissongo e Kabezo 

projecto levou também Fen Zhao a duas comunidades do município do Libolo: o Quissongo e o Kabezo, sendo que a segunda o marcou profundamente.  

A vila com casas de barro bem pequenas, rodeada de uma fauna “sem fim”, com animais à solta, crianças a brincar e mulheres a cozinhar recebeu-o de forma emocionante. “Muitas mulheres e crianças foram receber-nos, saudaram-nos e foram de imediato organizar a festa. As mulheres vestiram-se com as roupas tradicionais, enquanto os meninos organizaram os instrumentos musicais e usaram até mesmo utensílios de cozinha para o batuque.  Então em menos de dez minutos já estava tudo pronto para que começassem as danças tradicionais de boas-vindas.” Apesar das dificuldades em que viviam, não deixaram de receber os visitantes com um sorriso. 

Fen Zhao não esquece o momento em que, à despedida, os locais começaram a cantar: Nesse dia de muita alegria/ O irmão Rafael veio nos saudar/ Dai a tua mão, dai a tua mão/ Dai a tua mão e bata o pé no chão. “Não se esqueceram do nome de nenhum dos integrantes do projecto. Foi inesquecível”. 

Dar e receber 

Uma mistura de gratidão e aprendizagem seriam as palavras certas para definir esta viagem que se tornou marcante na vida do estudante chinês. “O Libolo é muito pequeno. Todas as vezes que eu saía à rua as pessoas saudavam-me e sorriam para mim. Eles têm a paixão de receber estrangeiros”. E acrescenta que “vai ficar guardado para sempre no meu coração o carinho que recebi por todos e a pureza das crianças”. 

O Libolo foi tão marcante para Fen Zhao que já há planos de visitar Angola novamente em breve: “O projecto está a organizar mais uma ida ao Libolo este ano e em Julho eu quero estar lá outra vez. Quando voltarmos, tenho a esperança que as crianças se lembrem como dizer olá em chinês”, diz a rir-se. 

O jovem chinês também já sabe o que vai levar na mala para o Libolo. Além de um coração cheio de boas memórias quer levar lembranças típicas da China que permitam aos seus alunos e, agora, amigos, conhecer mais sobre a China.