Texto Marco Carvalho
Segurança, educação, comércio, turismo, cultura, mas também os transportes, a jurisprudência e o direito. Até 2035, a República Popular da China quer transformar as regiões administrativas especiais de Macau e de Hong Kong e nove cidades da província de Guangdong (Cantão, Shenzhen, Zhuhai, Foshan, Huizhou, Dongguan, Zhongshan, Jiangmen e Zhaoqing) na mais próspera área metropolitana do planeta, através do investimento em domínios chave como as actividades turísticas, o ensino, a mobilidade ou as indústrias culturais e criativas.
Com 68 milhões de habitantes, a região onde o Governo Central quer edificar a Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau gerou em 2016 o equivalente a 12,5 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) da República Popular da China, mas as autoridades do Interior do País estão apostadas em ver exponenciado o peso da nova megametrópole não apenas no panorama da economia chinesa, mas sobretudo da economia global.
Até 2022, o Governo Central quer reforçar substancialmente a cooperação entre Guangdong, Hong Kong e Macau, com o propósito de procurar equilibrar o desenvolvimento económico nas três regiões. Em 2035, as autoridades chinesas esperam que a aposta na inovação e na tecnologia contribua para transformar a Grande Baía numa das regiões mais competitivas e influentes do mundo.
O papel de Macau no âmbito da iniciativa está bem definido. Ao abrigo da visão do Governo Central, Macau ficará responsável por se posicionar enquanto Centro Mundial de Turismo e Lazer, plataforma de serviços para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa e ainda como trampolim para internacionalização e certificação internacional da Medicina Tradicional Chinesa.
Os três aspectos deverão constituir, no entender de Lao Ngai Leong, os pilares fundamentais do desenvolvimento integrado do território, numa incontornável lógica de diversificação económica.
Quatro meses depois de ter sido agraciado com o grau de doutor honoris causa pela Universidade de Macau – numa cerimónia em que também foram distinguidos o filantropo Anthony Lau e o antigo reitor da universidade chinesa de Hong Kong, Joseph Sung – o presidente da Associação Geral dos Chineses Ultramarinos regressou à instituição de ensino superior para abordar as oportunidades e os desafios que se colocam a Macau no âmbito das duas grandes políticas estruturais definidas pelo Governo Central: a iniciativa Faixa e Rota e o projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau.
Perante uma assistência constituída sobretudo por jovens nascidos à época da transferência de administração de Macau para a China , Lao Ngai Leong procurou deixar claro que a prosperidade alcançada pelo território após a transferência de administração não foi obra do acaso: “Muitos de vós têm, estou certo, menos de 27 anos. A única cidade que conheceram é uma cidade definida por prédios elevados, um porto onde se cruzam Oriente e Ocidente. Foram muitas as conquistas que Macau alcançou depois do regresso à Pátria, mas foi o que aconteceu antes que nos trouxe ao lugar onde estamos”, sublinhou o empresário.
Para o também deputado à Assembleia Popular Nacional, a aplicação bem-sucedida do princípio “Um País, Dois Sistemas” foi, ao longo das duas últimas décadas, o principal alicerce do desenvolvimento económico que o território atingiu, numa gesta em que a inversão de um cenário de grande incerteza se tornou desde logo incontornável: “Antes da transferência de poderes, a mediana do salário dos residentes de Macau era muito baixa. No último ano de administração portuguesa, a taxa de desemprego foi de 6,4 por cento e tanto o ambiente de negócios como os níveis de segurança pública eram muito maus”, elaborou Lao Ngai Leong. “Depois do handover, o Governo procurou reforçar os alicerces da economia local e dois anos bastaram para que o Produto Interno Bruto ultrapassasse os resultados alcançados antes da transferência”, o empresário e filantropo recordou.
Pilar estrutural da regeneração económica do território, o princípio “Um País, Dois Sistemas” é também, e no entender de Lao, o principal sustentáculo do projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau e vai ajudar a transformar a região do Delta do Rio da Pérola na mais próspera área metropolitana do mundo.
Jogo e diversificação
Vinte anos depois, sublinha Lao Ngai Leong, o território viu o valor nominal do PIB per capita multiplicar-se por seis e o Fundo Monetário Internacional (FMI) a apontar Macau como uma das regiões do mundo com o maior rendimento per capita do mundo.
No entanto, o empresário alerta para a necessidade da diversificação económica do território. A via rápida para tal, defende Lao, abriu-a o Governo Central com a promoção da iniciativa “Faixa e Rota” e com a dinamização do projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. O empresário considera que a RAEM – tanto o Governo, como o sector privado – devem saber tirar proveito da missão tripartida que lhe foi confiada pelo Governo Central e exponenciar o estatuto de Centro Mundial de Turismo e Lazer, rentabilizar a plataforma comercial e económica para os países de língua portuguesa e ainda tirar proveito da aposta feita por Pequim na transformação de Macau em trampolim para a promoção, a nível internacional, da Medicina Tradicional Chinesa: “Macau será um centro, duas plataformas e uma base logística. Com o nosso contexto histórico e as vantagens decorrentes da nossa localização, devemos assumir o estatuto de ponte no âmbito da iniciativa Faixa e Rota”, defendeu Lao Ngai Leong. “O que devem as novas gerações esperar? Há toda uma série de vantagens no que diz respeito à exploração de oportunidades em domínios como a Medicina Tradicional Chinesa. Macau não se deve cingir à produção e à investigação no campo da Medicina Tradicional Chinesa. Esperamos que consiga fazer uso das suas vantagens comparativas para ajudar o País a afirmar a sua medicina tradicional a um nível internacional”, assume o empresário.
No capítulo da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, Lai Ngai Leong defende que a pluralidade de realidades políticas e económicas que estão inerentes ao projecto constitui uma vantagem competitiva e vai contribuir para que a região da Grande Baía se torne, ao longo dos próximos vinte anos, na área metropolitana mais próspera do mundo: “O Governo Central fez da Grande Baía uma prioridade e vai dotar esta iniciativa de condições que as outras regiões de baía não têm.”
Lao reconhece no entanto que para que a missão de Macau no âmbito da iniciativa “Faixa e Rota” e do projecto da Grande Baía seja bem-sucedida, a RAEM tem primeiro que dar resposta a uma série de desafios, dos quais a circulação de pessoas, a agilização das redes de transportes e a formação de quadros qualificados são os mais prementes: “Os transportes na região da Grande Baía têm de ser mais convenientes. O investimento por parte de Macau ainda continua a enfrentar alguns problemas, mas nada que não possa ser resolvido”, considera.
“Não é nem impossível, nem difícil alcançar o sonho chinês. Mesmo no passado, quando a China era pobre, nunca lhe faltou propósito. A mensagem que vos deixo é que não é impossível alcançar os objectivos a que nos propomos”, rematou Lao Ngai Leong.
Do refúgio em Macau à APN
Lao Ngai Leong nasceu na Indonésia em 1957, mas as suas raízes familiares estão na região de Chaozou, na província de Guangdong. No início dos anos 70, na sequência dos tumultos que abalaram o mais vasto arquipélago do mundo e que visaram, em particular, os indonésios de ascendência chinesa, o clã Lao seguiu as peugadas de milhares de sino-descendentes e procurou refúgio em Macau.
No alvor da década de 70, Macau estava longe de se prefigurar como a terra prometida, mas começavam a emergir sinais de que um surto económico de natureza industrial estaria na iminência de eclodir. Limitados pela imposição de quotas de exportação em Hong Kong, dezenas de empresários e investidores da então colónia britânica rumaram à outra margem do Rio das Pérolas, onde criaram dezenas de pequenas oficinais têxteis.
Num período de meia dúzia de anos, o território tornou-se um minúsculo potentado na produção de vestuário pronto-a-vestir. A indústria têxtil não foi, no entanto, o primeiro domínio em que a família de Lao Ngai Leong investiu depois de se fixar em Macau.
Sobre o imobiliário, um sector em expansão na Macau da primeira metade dos anos de 1970, recaiu a aposta primordial dos Lao, mas o tempo tratou de estender a crescente influência da família – já com Lao Ngai Leong a chamar a si particular preponderância – a domínios como a indústria transformadora, a actividade comercial ou mais recentemente as indústrias culturais e criativas.
Presidente do grupo Chong Sai Enterprise Ltd, Lao possui investimentos um pouco por todo o Interior da China e um portfólio que abrange um leque diversificado de interesses. Líder de uma das organizações cívicas mais influentes do território – a Associação Geral dos Chineses Ultramarinos de Macau – Lao Ngai Leong notabilizou-se desde muito cedo pelas causas sociais que abraçou e pelo trabalho filantrópico que desenvolveu tanto no território, como no Interior do País, como lembrou Lionel Ni, vice-reitor da Universidade de Macau: “O Doutor Lao contribuiu para o desenvolvimento da educação e das organizações sociais de Macau. Foi distinguido pelo governo e pelas autoridades de várias cidades da China nas quais ajudou a construir escolas em zonas rurais. Ao longo dos últimos anos fez um importante trabalho em prol do reforço da cooperação entre Macau e o Interior do País. A sua influência ajudou a RAEM a agarrar muitas oportunidades no âmbito do projecto da Grande Baía”, sublinhou o responsável pelo pelouro dos assuntos académicos na Universidade de Macau.
O empresário foi ao longo dos anos um dos principais impulsionadores de algumas das mais conhecidas iniciativas de solidariedade social promovidas por entidades locais. Firme defensor do princípio de que a educação e o desenvolvimento caminham de mãos dadas, Lao Ngai Leong ocupa cargos de direcção em várias associações e organismos cívicos da RAEM e tem assento tanto no Conselho da Universidade de Macau, como de instituições de ensino superior da República Popular da China.
Ao longo das últimas décadas, o agora doutor honoris causa em Ciências Sociais tem feito chegar ajuda económica aos residentes menos privilegiados através de generosos donativos que injecta em algumas das principais entidades locais de solidariedade social.
Na qualidade de deputado à Assembleia Popular Nacional, função que desempenha pela quinta legislatura consecutiva, Lao Ngai Leong não tem poupado esforços no sentido de promover uma maior aproximação entre a RAEM e o Interior do País, fazendo chegar, de acordo com a pequena biografia de Lao publicada pela Universidade de Macau, inúmeras propostas ao secretariado do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional.
Entre as sugestões avançadas por Lao Ngai Leong que maior impacto teve sobre o quotidiano dos residentes do território estão a requalificação e expansão do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco, a extensão do período de funcionamento das alfândegas e a emissão, por parte das autoridades do Interior do País, de um salvo-conduto com um número de identificação vitalício ao abrigo do mecanismo que facilita a entrada e a saída a residentes de Macau e de Hong Kong.
O trânsito transfronteiriço tem sido, de resto, ao longo dos últimos vinte anos, uma das principais preocupações do empresário e político. Lao Ngai Leong tem vindo a trabalhar de perto com as autoridades alfandegárias de Zhuhai com o propósito de estudar soluções que permitam uma maior eficácia quer no processamento de visitantes, quer no desalfandegamento de bens. Na calha, recorda o empresário e deputado, está a mudança da Fronteira da Ponte Flor do Lótus para Hengqin.
Os esforços empreendidos por Lao na Assembleia Popular Nacional ajudaram o território a alinhar o seu desenvolvimento com as políticas determinadas pelo Governo Central muito antes do projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau emergir como o grande alicerce da visão de desenvolvimento regional idealizada por Pequim. Lao Ngai Leong foi, por exemplo, um dos principais estrategas da mudança da Universidade de Macau para Hengqin.
Os contributos excepcionais dados por Lao Ngai Leong aos sectores da indústria, do comércio e dos serviços sociais do território não passaram despercebidos e o doutoramento honoris causa conferido pela Universidade de Macau é a última de uma série de distinções de peso que lhe foram atribuídas ao longo dos anos.
Lao recebeu a Medalha de Mérito Industrial e Comercial atribuída pelo Governo da RAEM, foi distinguido pelo Executivo germânico com o certificado alemão da Indústria e do Comércio, honrado pelas autoridades de Chaozhou com o título de “cidadão honorário da cidade”, recebeu o World Outstanding Chinese Award e foi considerado, em 2016, como uma das personalidades do ano pela revista Outstanding Figures.
Ao contributo político dado por Lao acresce o papel de dínamo que exerce junto da comunidade empresarial do território. Presidente da Associação Geral dos Chineses Ultramarinos de Macau, tem instado os empresários locais que nasceram além-mar a contribuir para a estabilidade e a prosperidade da RAEM, virtude que, no entender, da Universidade de Macau, faz de Lao Ngai Leong um exemplo a ser seguido pelos restantes homens de negócios: “O Doutor Lao é o epítome de como uma elite financeira e empresarial de um elevado estatuto moral pode contribuir para o desenvolvimento da sociedade e da nação: de uma forma prática, com boas intenções, abraçando causas sociais e o bem comum”, escreve a Universidade de Macau numa pequena biografia do empresário.