Prenúncios de uma nova prosperidade

Zhaoqing, cidade com nível de prefeitura na província de Guangdong, tem uma ligação histórica muito particular a Macau. É hoje uma reserva ecológica de grande relevância e procura desenvolver uma indústria sustentável e com alto valor acrescentado, integrado no eixo Cantão-Foshan-Zhaoqing. A integração na zona da Grande Baía vai trazer benefícios, melhorando as acessibilidades à cidade e potenciando o seu papel de ligação entre esta e as regiões do sul e sudeste da China, bem como ao Sudeste Asiático, cumprindo um importante papel na iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”

Texto José Luís Sales Marques 

historiador chinês Tang Kaijiang, um reputado especialista na investigação e divulgação da presença portuguesa na China durantes as dinastias Ming e Qing, citando o livro Regni Chinensis Descriptio, de Mateus Ricci (1552-1610), descreve como um capitão da guarda do governador geral de Zhaoqing se deslocou a Macau trazendo uma carta autorizada por este magistrado. No documento convidavam-se os missionários da Companhia de Jesus a se estabelecerem naquela prefeitura, aceitando a riqueza oferecida pelo Governo chinês e construindo uma igreja e uma residência.

Decorria o ano de 1583 e esta cidade da província de Guangdong acabava de se tornar na primeira morada no Interior da China do famoso jesuíta, astrónomo e mais tarde mandarim ao serviço, simultaneamente, de Roma e Pequim da Igreja e do Celeste Império. Mas, porque Zhaoqing e não Xiangshan (Zhongshan), logo aqui ao lado de Macau ou outra das muitas prefeituras que se encontram no longo caminho entre Macau e Cantão? Onde fica e o que é hoje Zhaoqing, no contexto da área da Grande Baía?  São essas as questões que vamos procurar esclarecer junto aos leitores ao longo das próximas páginas deste artigo.

Geografia e população

Zhaoqing é uma cidade com o nível de prefeitura da província de Guangdong, dotada de uma área com cerca de 15 mil quilómetros quadrados, dos quais apenas cinco por cento corresponde à área urbana. A população era, em 2018, de 4,151 milhões de habitantes o que lhe confere uma densidade populacional relativamente baixa, na ordem das 276 pessoas por quilómetro quadrado. A título de comparação, a densidade populacional de Macau ultrapassa os 20 mil habitantes por quilómetro quadrado.

O vasto território é por um lado plano, sulcado por rios e riachos e adornado por lagos e, pelo outro, ladeado de regiões montanhosas a norte e a este, que ocupam 80 por cento da área da prefeitura. É atravessado, no sentido oeste-este, pelo Rio Oeste (Xijiang), afluente do Rio das Pérolas.

As suas belezas naturais fazem desta prefeitura um destino turístico muito procurado aos fins-de- semana pelas populações das cidades vizinhas. O lago Xinhu, as grutas de Qixing e a montanha de Dinghu são algumas das atracções mais populares entre visitantes e amantes da natureza. É a primeira reserva natural da China listada pela UNESCO como uma reserva biosférica internacional.

História e cultura

Zhaoqing possui uma história de dois milénios e começou por ser conhecida por Gaoyao e depois por Duanzhou até à Dinastia Song (920-1279), quando adquiriu o nome que hoje ostenta. Contam os anais da história da China que o Imperador Shenzong (1048-85) atribui ao seu filho Zhao Ji (1082-1135) o título de Rei de Duan, com domínio sobre aquele território. Este último, ao suceder ao pai como Imperador Huizong, mudou o nome da prefeitura para Zhaoqing, o que quer dizer “início de boa fortuna”. As antigas muralhas e a torre de menagem de 19,3 metros de altura permanecem relativamente bem preservadas e podem ser vistas no distrito de Duanzhou, ao longo da rua Songcheng, testemunhando o rico património histórico de Zhaoqing.

Uma figura mítica associada a Zhaoqing é a do justo e incorruptível Bao Gong. Bao Gong, cujo nome é Bao Zheng (999-1062), foi nomeado em 1040 magistrado de Duanzhou. A sua fama eternizou-se, e Bao Gong passou a ser venerado na cultura tradicional chinesa como a personificação da justiça.

Quando os jesuítas Michele Rugierri e Mattia Penella visitaram Zhaoqing em 1582, e aí permaneceram por alguns meses a convite das autoridades locais, a prefeitura era a sede do poder do vice-rei Chen Rui dos dois Guangs, Guangdong e Guangxi. Era, por isso, uma cidade de elevado estatuto, uma capital administrativa dotada de um sofisticado tecido cultural e ambiente político. Esse estatuto manteve-se até ao fim da Dinastia Ming.

Conta a história que as autoridades imperiais ficaram fascinadas com os relógios que os jesuítas lhes ofereceram, pelo seu saber científico e conhecimento da cultura chinesa. Depois de uma curta permanência inicial, Rugierri regressou a Macau e, em 1583, voltou com Mateo Ricci para lançar os alicerces de uma presença da Sociedade de Jesus que foi multisecular e atingiu foros de brilhantismo no Celeste Império, atingindo um plano porventura nunca imaginado pelos seus pioneiros. Foi em Zhaoqing que Ricci desenhou em 1583, a pedido do prefeito da cidade, o primeiro Atlas da sua autoria e, o dicionário de chinês-português foi elaborado em colaboração com Ruggieri e outros missionários da Companhia.

O declínio de Zhaoqing deu-se com o fim da Dinastia Ming e a chegada dos Manchus ao poder. Duas facções rivais da resistência Ming estabeleceram-se em Cantão e Zhaoqing em 1646, dois anos após a queda de Pequim em 1644. O imperador Yongli, de nome pessoal Zhu Youlang (1623-1662), foi entronado em Lijiao, Zhaoqing, como o quarto imperador da Dinastia Ming do Sul e reinou entre 1646 até 1662, ano da sua morte, que se deu quando tinha 38 anos de idade.

Com o fim definitivo de uma era e o controlo completo da Dinastia Qing sobre a região de Guangdong, a sede do vice-rei dos dois Guangs passou a estar localizada em Cantão.

Zhaoqing é uma cidade rica em festividades, celebradas com tradicional pompa e circunstância. O Ano Novo Chinês, o Festival das Lanternas, os Barcos-dragão e as Danças do Dragão ou os Festivais do Bambu e da Tangerina são momentos de grande alegria e renovação de uma cultura peculiar.

A gastronomia é um reflexo da fama que adquiriu como terra do arroz e do peixe. O arroz embrulhado em folhas, a carpa dos lagos, a galinha com folhas de chá, as delicadezas feitas com brotos de bambu são algumas das iguarias características da região, uma cozinha de sabores delicados e suaves aromas.

Mobilidade

Zhaoqing é servida pelos aeroportos internacionais de Guangzhou Baiyun e de Shenzhen.  Comboios de alta velocidade da linha Nanning-Cantão, com mais de 70 partidas diárias, fazem a ligação entre a capital da província de Guangdong e Zhaoqing em menos de uma hora, e o mesmo acontece com o comboio inter-cidades Cantão-Foshan-Zhaoqing. As auto-estradas que ligam Guangdong a Guangxi são outra via alternativa, exigindo porém uma viagem mais prolongada e, eventualmente, menos confortável. As viagens de autocarro entre Zhaoqing e Shenzhen ou Zhuhai podem demorar entre 3h30 a 4h30.

Está previsto no plano da Grande Baía o lançamento, em momento oportuno, da linha férrea Luizhou-Zhaoqing. Luizhou é conhecida como a cidade floresta da China e está localizada na Região Autónoma de Guangxi Zhuang.

A rede de transportes inclui oito portos com ligações ao Delta do Rio das Pérolas e localizam-se no rio Xijiang, ou rio Oeste, que é tributário daquele e desagua próximo de Macau. O novo porto de Zhaoqing é um dos 28 portos internos mais importantes do país.

Economia

A modernização da economia de Zhaoqing começou a acentuar-se neste milénio, com relevo para as indústrias ligeiras de equipamentos electrónicos e comunicações, extracção da madeira e indústrias relacionadas, produtos de metais, têxteis, vestuário e outros produtos de fibra. A indústria de cimento aproveitava o recurso natural da região, o calcário, e o processamento de pau-rosa é uma consequência da extracção dessa madeira das suas florestas. O output agrícola e indústrias associadas incluíam a produção do arroz, de vegetais, a pecuária e produtos aquáticos.

Actualmente, a economia de Zhaoqing é caracterizada pela presença de um tecido industrial relativamente ligeiro e pela importância do turismo como factores determinantes para o desenvolvimento. O seu Produto Interno Bruto (PIB) em 2018, segundo dados oficiais de Zhaoqing, foi de 220,18 mil milhões de yuans (cerca de 260 mil milhões de patacas). O PIB per capita em 2018 foi 53.267 yuans (aproximadamente 62.500 patacas), ou seja, o mais baixo de todas as cidades das Área da Grande Baía. Com uma estrutura industrial constituída em termos de peso no PIB sobretudo pelos sectores secundário e terciário, a cidade tem apostado no desenvolvimento da indústria de veículos verdes, produção de equipamentos avançados, conservação de energia e protecção ambiental, tecnologias de informação e biomedicina. Está a investir acima de 100 mil milhões de yuans na constituição de clusters dedicados àquelas indústrias. Entretanto, o turismo continua em expansão e o número de visitantes em 2018, de acordo com dados da mesma fonte, chegou aos 13,53 milhões.

 

Zhaoqing é também conhecida como a mina de ouro de Guangdong, com as minas do metal precioso localizadas nas zonas de Gaoyao, Huaiji e Fengkai. As minas de Hetai são consideradas das maiores da China. Encontram-se também outras indústrias extractivas, nomeadamente de calcário, granito, águas minerais e as famosas pedras tinteiro “duanyan”, usadas na pintura chinesa, consideradas as melhores do país. O jade verde é também famoso.

Zhaoqing é apresentada no plano da Grande Baía como principal produtor agrícola da região e corredor de ligação entre o sudeste e o sudoeste da China. A sua inclusão neste mega projecto abre novas perspectivas de desenvolvimento e oportunidades, para que o rendimento per capita dos seus habitantes se aproxime da média da região. As suas condições naturais, a pequena incidência da poluição industrial e o clima favorável são atributos que permitem projectar o desenvolvimento de uma agricultura biológica e sustentável. O plano acima referido prevê a promoção de Huaiji, em Zhaoqing, como base de distribuição de produtos agrícolas “verdes” e seus derivados.

O aeroporto internacional de Baiyun, em Cantão, é o que fica mais próximo de Zhaoqing, a 95 quilómetros e um tempo de viagem superior a uma hora, o que dificulta, em certa medida, a sua inserção em circuitos de turismo internacional. A capacidade hoteleira é também muito limitada, apresentando-se, para já, como destino para o turismo doméstico e regional. O turismo ecológico e cultural é uma das áreas de grande potencial para o futuro. Poderá tornar-se, também, numa espécie de estância de turismo ecológico para os habitantes da Grande Baía.

No que respeita à capacidade industrial, encontra-se em plena evolução o lançamento da nova zona industrial. É, todavia, bastante evidente que Zhaoqing poderá beneficiar do aceleramento da integração do eixo Foshan-Cantão, ao qual pertence.

A localização geográfica de Zhaoqing, no eixo da ligação entre a área da Grande Baía e o sul e o sudeste da China e, através destas ao Sudeste Asiático, conferem a Zhaoqing um papel importante na ligação geográfica e funcional daquela área à iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”. Não é algo novo para Zhaoqing, uma vez que os distritos de Fengkai e Huaji foram pontos de contacto entre o ocidente e a China, na antiga Rota Marítima da Seda.

Com a integração na Grande Baía, o seu potencial turístico será elevado. Desde que gerido com sabedoria e preservando as suas características ecológicas, poderá tornar-se num verdadeiro destino de férias de alta qualidade, associando o turismo ecológico ao património histórico e cultural que possui. Prenunciam-se tempos de uma nova prosperidade.