Uma corrente de arte ligada à electricidade

E se as cinzentas caixas de distribuição de electricidade espalhadas pela cidade se enchessem de cor e de histórias? Foi isso mesmo que pensou a Companhia de Electricidade de Macau (CEM), com um projecto de revitalização que dá oportunidade aos artistas locais para mostrarem a sua criatividade e para alegrarem o ambiente envolvente em vários pontos da cidade

Texto e Foto Lucas Calixto

Electricidade, Cultura e Criatividade, um triângulo que dá o mote ao projecto da Companhia de Electricidade de Macau (CEM) de revitalização de caixas de distribuição da energia eléctrica com arte. A iniciativa tem criado e promovido espaços para muitos artistas locais mostrarem a sua criatividade, além de ser importante para o desenvolvimento das indústrias culturais e a aproximação entre a arte e a juventude. A CEM deu início ao projecto em Novembro de 2017, escolhendo 20 artistas locais, entre os membros da Associação dos Artistas de Belas-Artes de Macau e da Associação dos Ilustradores de Macau. Os escolhidos tiveram que pintar pequenas caixas de distribuição de electricidade, com o cuidado de integrarem o seu trabalho no meio envolvente. Criaram verdadeiras obras de arte, únicas, para contar as suas histórias a quem passa. As caixas estão espalhadas por diversas áreas, englobando a zona antiga e a nova Macau. Estão localizadas em pontos estratégicos, sendo divididas entre áreas turísticas e residenciais, na Taipa e na península de Macau. Locais como a Avenida de Horta e Costa, a Avenida de Almeida Ribeiro ou a zona envolvente do Mercado Vermelho foram escolhidos pela organização e cada artista teve direito a pintar uma caixa, sendo opcional que mostrassem a sua arte em apenas uma parte da caixa ou na caixa por inteiro. Em 2018, a CEM decidiu alargar o projecto e os artistas começaram a dar cor e dinâmica a instalações ainda maiores. As novas caixas chegam a ter o tamanho de pequenos contentores de navio.

 

Estas instalações maiores estão localizadas em três pontos: na Rua da Barca e junto ao Canídromo, em Macau, e no Largo do Carmo, na Taipa. O posto de transformação foi dividido em quatro partes, e cada artista teve direito a pintar uma das fachadas. A coordenadora deste projecto é Jaclyn Iun, gestora do Gabinete para os Assuntos Regulatórios e Comunicação Empresarial da CEM. À MACAU, a responsável faz um balanço positivo, considerando a iniciativa um sucesso, já que, como sublinha, tem sido bem vista por todos. “É divertido para os artistas e benéfico para comunidade. Todos saem a ganhar com esta iniciativa.” As redes sociais também têm servido para avaliar o impacto do projecto. Jaclyn Iun lembra que, em 2018, integraram o projecto 20 caixas de electricidade, “e a resposta foi muito positiva, com muitos elogios aos trabalhos manifestados através do Facebook e outras redes sociais”. É com esse intuito que a responsável espera que o projecto cresça ainda mais e tenha visibilidade para os residentes, bem como “um contributo para a relação da população com a arte”. Neste aspecto, o projecto da CEM assume a responsabilidade de se afirmar como um benefício artístico “muito positivo” para a população local, “pois ajuda a diversificar a atmosfera e o ambiente, alegrando e colorindo mais lugares que até aí estavam sem expressão artística”. A Rua da Barca, zona residencial na península, é um dos exemplos. A instalação eléctrica ali localizada ganhou uma pintura do artista Pat Lam, da Associação de Ilustradores de Macau, denominada “Blend”.

A pintura deu vida ao local sendo um ponto de paragem para tirar fotos e que prende olhares de admiração. Segundo Jaclyn Iun, a iniciativa “não é algo crucial para a comunidade, porém, é algo bom e faz com que as pessoas possam apreciar os trabalhos dos artistas locais”. E há mais exemplos de pinturas que alegraram o ambiente envolvente. “Bravery” do artista Tramy Lu, “Home”, obra feita por Ken Ho, ou “The Light of City”, realizada por Yolanda Kog, todos artistas da Associação de Ilustradores de Macau. Para além da promoção do trabalho dos artistas, a iniciativa da CEM “vem se tornando uma boa nuance para o turismo em Macau”, diz a gestora, “sendo muito positivo para os que vêm de fora”. Jaclyn Iun refere à MACAU que tem “muitos turistas que ficam impressionados com as pinturas e acham a iniciativa muito boa”.

Oportunidade para dar-se a conhecer

Os artistas locais também se mostram contentes com a iniciativa, por ser um meio de criação de espaços e oportunidades para muitos mostrarem a sua arte. É o caso de Wong Mei Leng , ilustradora e responsável pela escolha de artistas para o projecto. “Acho que é uma ideia muito boa. As pessoas podem aproveitar e apreciar os trabalhos dos artistas nas ruas de Macau, e isso faz com que os residentes se aproximem da arte.”

Para a ilustradora de 31 anos, o mercado artístico em Macau está em franco crescimento, mas ainda tem muito espaço para se desenvolver. “O senso artístico das pessoas que vivem em Macau é bem melhor do que antes, até mesmo as pessoas que não têm muito acesso à arte. E como artista eu sinto-me muito feliz em poder ver isso.”

Wong Mei Leng acredita que esta iniciativa é uma óptima forma de divulgação e dá um impulso para criar laços e aproximar artistas, residentes e turistas, além de ter o dom de dar vida a objectos, às vezes de grande dimensão, que geralmente passam despercebidos no dia-a-dia. “Este projecto é, certamente, muito positivo para a comunidade. Dificilmente a população notaria as caixas de electricidade nas ruas, mas depois de serem pintadas, o público presta muito mais atenção.”

Ao caminhar agora pelas ruas da cidade, é fácil encontrar pinturas com elementos ligados à natureza, ao corpo humano, a paisagens e até mesmo pessoas, pois os artistas tiveram liberdade para pintar o que quisessem, e, em virtude disso, diversos temas são abordados. Para Wong Mei Leng, este é um factor essencial para o sucesso do projecto. “A população pode também sentir e receber o que os artistas querem transmitir através das pinturas. Sentimentos sobre formas de estar, animais e muito mais”, sublinhou.

Cindy Lio é artista da Associação de Belas Artes de Macau e acredita que este projecto ajuda a expor as sensibilidades de cada artista, além de ser um meio para propagar a arte entre pessoas que, por algum motivo, não têm o hábito de estar em contacto com expressões artísticas deste género. “Normalmente, para terem contacto com a arte, as pessoas costumam frequentar museus. Porém, muitos cidadãos não têm tempo para frequentar determinados locais. Por isso, este projecto tem extrema importância e chega a muitas pessoas.”

A artista aponta também a faceta da arte como forma de comunicação. “Quando colocada na rua, ao dispor de todos, a arte possui o poder de transmitir uma mensagem, sendo um processo de muita rapidez. A partir do momento em que uma pintura está finalizada, as pessoas já têm a capacidade de fixar a mensagem”, ressalta, frisando que as obras de arte que nasceram com o projecto são importantes também para a divulgação dos artistas localmente. 

Cindy Lio não esquece ainda a inclusão social e defende o facto de este projecto, de algum modo, também exibir uma faceta de democratização no acesso à arte, passando uma mensagem de que a arte não está relacionada com a condição financeira de cada um ou outras diferenças sociais. “É um problema cultural, e para muitos países ocidentais a arte é necessária, assim como para nós chineses. Porém, culturalmente, a nossa população pensa que só quem é rico pode consumir arte.”

Há ainda uma oportunidade de fomentar o respeito pelos artistas locais e o seu trabalho. Cindy Lio não esquece a luta para que estes artistas sejam mais valorizados. “Na nossa cultura as pessoas acham que os artistas estrangeiros são melhores e isso não é verdade. Temos vários bons artistas em Macau, que por vezes podem não ter grandes apoios financeiros mas ainda assim criam obras e exposições com algum sucesso e acabam por ser mais reconhecidos lá fora.”

Ao longo deste ano, segundo Jaclyn Iun, ainda mais artistas vão continuar a dar cor à electricidade de Macau.