RAEM/20 anos | Turismo. A força motriz de um território

De território com um tímido sector turístico, Macau passou a receber mais de 30 milhões de visitantes por ano e a oferecer cada vez mais infra-estruturas na área. Duas décadas depois da liberalização do jogo e da introdução da política de vistos individuais, a aposta faz-se nos elementos não-jogo, tal como um maior número de ofertas na área do entretenimento, pensadas para toda a família.

Texto Andreia Sofia Silva

Há quase 20 anos, Edmund Ho Hau Wah apresentava as primeiras Linhas de Acção Governativa (LAG) com uma postura prudente, mas optimista, em relação ao sector do turismo. A transferência de administração tinha acabado de acontecer e o sector dava sinais de um crescimento progressivo. “Devido a diversos factores favoráveis, a procura do mercado de Macau está a reforçar-se, o que é sentido no sector do turismo e do comércio externo. O número de visitantes e as receitas do jogo estão a aumentar”, pode ler-se no relatório de 2000.

O Chefe do Executivo chegava mesmo a afirmar que “neste momento, e num futuro muito próximo, tanto o ambiente social como a situação social exigem que continuemos a adoptar a estratégia de ‘ser prático e realista, procedendo metodicamente’”. Isto porque, “depois de vários anos difíceis, a economia de Macau está a melhorar e a dinâmica da sociedade começa a dar sinais de recuperação. É como se fosse uma pessoa a recuperar de uma doença longa e que ainda se encontra muito fraca”, acrescentava Edmund Ho.

Nesse sentido, afirmava-se que “o sector do turismo em Macau continuará com um desenvolvimento célere no próximo ano, desempenhando assim um papel positivo no processo de recuperação económica integral”.

O cenário mudaria com a epidemia da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), que em 2003 originou um enorme abrandamento no fluxo de turistas entre Hong Kong e Macau, o que levou as autoridades da China a adoptar medidas. Zhang Jun, doutorado pela Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau, no seu artigo “Impactos da política do visto individual sobre a economia de Macau”, publicado em 2007 na Administração – Revista da Administração Pública de Macau, dava conta do sucesso que essa política tinha tido nos primeiros anos de existência pós-SARS. “Desde Julho de 2003 até agora [2007], já lá vão quatro anos que foi posta em prática a política do visto individual para os habitantes do Interior da China poderem visitar Hong Kong e Macau. O âmbito da cobertura desta política já se alargou a 49 cidades do interior, a toda a província de Guangdong, a quatro municípios directamente subordinados ao Governo Central, à maioria das capitais provinciais e a grandes cidades economicamente desenvolvidas.”

O mesmo artigo dava conta que “a intenção inicial desta política do visto individual, promovida pelo Governo Central, era activar a recuperação da economia de Hong Kong e Macau, após a epidemia da pneumonia atípica”. Nesse sentido, Zhang Jun concluía que “a política do visto individual tem promovido o crescimento económico de Macau, pelo que o

Produto Interno Bruto nominal tem mantido um alto crescimento de dois dígitos, durante os últimos quatro anos”.

Desde então essa política alargou-se, possibilitando a mais residentes do Interior do País visitarem as duas regiões administrativas especiais – o que mudou por completo o panorama turístico de Macau nos últimos anos. Hoje, graças à abertura de novos resorts integrados, os turistas dispõem de um sem número de infra-estruturas diferenciadas, sendo que a aposta do Governo é, cada vez mais, nos elementos não-jogo, uma vez que se mantém inalterada a política de garantia do crescimento do número de mesas de jogo não superior a três por cento. “Promover-se-á a criação de elementos não relacionados com o jogo na indústria do jogo, de modo a aprofundar a integração do turismo e do lazer”, aponta o Chefe do Executivo, Chui Sai On, no relatório das LAG para 2019.

Os dados mais recentes do número de visitantes, publicados pela Direcção dos Serviços de Estatísticas e Censos (DSEC), dão conta da entrada de mais de 30 milhões de pessoas visitaram Macau até Setembro deste ano, um aumento de 17 por cento face a igual período do ano passado. Entre Janeiro e Setembro, o número de excursionistas (15.929.175) e de turistas (14.273.731) aumentou 30,6 e 4,9 por cento respectivamente, em termos anuais, totalizando 30.202.906 de visitantes.

Nos meses em análise, os visitantes permaneceram no território por um período médio de 1,2 dia. A maioria dos visitantes que entrou em Macau, até Setembro, é oriunda do Interior do País (21.455.294), mais 17,7 por cento em relação ao período homólogo de 2018. Já os visitantes da Coreia do Sul (609.833), de Hong Kong (5.560.117) e de Taiwan (815.838) cresceram 0,4, 22,3 e 1,5 por cento, respectivamente.

Em 2018, Macau bateu o número recorde de turistas: 35,8 milhões, um aumento de 9,8 por cento em relação ao ano anterior. Para 2019, a previsão é de que o número final de visitantes esteja ainda mais próximo dos 40 milhões.

Aposta no alojamento económico

De acordo com os dados estatísticos registados até finais de 2018, fornecidos pela Direcção dos Serviços de Turismo (DST), operavam em Macau 120 estabelecimentos hoteleiros, dos quais 85 da categoria de hotéis e 35 pensões, perfazendo um total de 40.109 quartos. Quase 82 por cento dos quartos disponíveis em 2018 pertencia à categoria de luxo (que inclui hotéis de cinco estrelas de luxo, de cinco estrelas e de quatro estrelas). Macau tem sido por isso reconhecido nos últimos anos por uma oferta hoteleira de luxo, mas o Governo está a tentar alargar as opções de alojamento disponível, a fim de garantir um maior número de pernoitas para todos os tipos de visitantes. Neste sentido, foi apresentada, no início deste ano, na Assembleia Legislativa a proposta de lei da actividade dos estabelecimentos hoteleiros, que visa alargar o leque de ofertas no sector.

Na nota justificativa deste diploma, pode ler-se que é necessário dar resposta ao desenvolvimento da indústria do turismo de forma a estabelecer em pleno o objectivo de transformar Macau num centro mundial de turismo e lazer. Para tal, e no que toca à classificação dos estabelecimentos hoteleiros, deixam de existir as pensões, passando apenas a existir hotéis – que podem ir de duas a cinco estrelas de luxo – e é criada uma nova categoria, a de alojamento de baixo custo sob a sigla ABC, que terão que satisfazer menos requisitos que os hotéis para obter licenciamento. “O número mínimo de unidades de alojamento dos estabelecimentos hoteleiros passa a ser de 10 unidades de alojamento quando anteriormente era 40, para permitir a instalação destes estabelecimentos em bens imóveis de menores dimensões e também em edifícios já construídos”. Este é, portanto, um dos objectivos primordiais da proposta de lei.

O relatório das LAG para 2019 dá também conta da intenção do Governo de “continuar a promover a construção de hotéis económicos”, bem como apostar na diversificação do sector, através da edificação de “parques temáticos originais e de centros comerciais integrados, entre outras instalações”. Além disso, Chui Sai On deixou a promessa de “fomentar a cultura gastronómica local e a aumentar a influência de Macau enquanto ‘Cidade da Gastronomia’, o que contribuirá para a diversificação do novo cenário de negócios de Macau e para a reconversão das actividades das Pequenas e Médias Empresas”.

Desde 2010, o Governo, através da DST, passou a apertar o cerco ao alojamento ilegal, tendo criado uma lei para tal efeito que prevê multas pesadas – entre 200 mil e 800 mil patacas – para aqueles que explorem o negócio das pensões ilegais. Usuários, hóspedes, agências imobiliárias e entidades administradoras do prédio onde estão localizadas as frações autónomas suspeitas têm o dever de prestar informações para a investigação, incorrendo em multas de três mil a 20 mil patacas caso se recusem a fazê-lo e podem ainda ser responsabilizados criminalmente caso prestem informações falsas.

Plano para o desenvolvimento sustentado

O Plano Geral do Desenvolvimento da Indústria do Turismo de Macau foi concluído e anunciado em 2017. O documento apresenta oito objectivos-chave, 33 estratégias, 91 planos de acção concretos de curta, média e longa duração, constituindo um plano de acção global e um esquema que cobre diferentes níveis de desenvolvimento da indústria turística.

O Plano segue três princípios orientadores – sector alargado de turismo de lazer, turismo de qualidade e turismo cultural – e entre os oito objectivos primordiais constam o aumento da diversidade dos produtos e experiências turísticas, a melhora da qualidade e das competências dos serviços turísticos, a construção da imagem de Macau como um destino de múltiplas estadias e o desenvolvimento de mercados de turismo de segmento alto ou a gestão da capacidade de recepção da indústria do turismo.

O documento estimava que em 2025 Macau alcançaria os 40 milhões de visitantes e aumentaria a média de pernoitas de 1,2 para 2,3 dias, com o número de trabalhadores nesta indústria a rondar os 295 mil.

“O crescimento sustentável da indústria do turismo protege e promove as características peculiares de Macau, melhora as competências técnicas e cria oportunidades diversificadas, por forma a promover o desenvolvimento a longo prazo e o apoio à sua utilização. Embora durante o processo da sua implementação deva encontrar muitos desafios e barreiras, a indústria do turismo e o Plano Geral irão sofrer inúmeras alterações com a sua maturação e o desenvolvimento da indústria do turismo de Macau irá certamente criar uma visão brilhante no futuro quer para os residentes quer para a cidade em si”, lê-se no resumo do Plano disponibilizado pela DST.

Tem sido dada muita atenção à utilização das novas tecnologias para a transformação de Macau. Em articulação com a estratégia de desenvolvimento de uma cidade inteligente e em cooperação com a AliCloud, do Grupo Alibaba, a DST procedeu, em 2018, ao desenvolvimento do turismo inteligente, sendo que numa primeira fase estão a ser

desenvolvidos em conjunto três projectos: plataforma de troca de dados do turismo, aplicação de observação dos visitantes e aplicação do fluxo de visitantes inteligentes.

Em termos de produtos turísticos, a oferta tem aumentado a olhos vistos. O lago Nam Vam e as Casas-Museu da Taipa têm recebido mais acções dinamizadoras para atrair novos públicos; os passeios marítimos a cobrir a costa entre Macau e Coloane têm tido cada vez mais sucesso; os residentes dos bairros antigos são agora membros activos do turismo comunitário, permitindo que pequenas associações de moradores desenvolvam actividades no âmbito da iniciativa “Sentir Macau passo-a-passo”, e Macau passou a ser palco, anualmente, do Fórum de Economia de Turismo Global, evento de grande envergadura que leva à discussão os principais temas a marcar a actualidade da indústria turística mundial. Estes são apenas alguns exemplos práticos para viabilizar Macau como centro internacional de turismo e lazer.

Promover o turismo

Além das diversas acções promocionais que a DST tem vindo a realizar em vários países, a fim de chamar a atenção para o que de melhor o território tem para oferecer nessa área, também têm sido desenvolvidas várias acções promocionais localmente.

Prova disso é o lançamento do Programa Específico de Apoio Financeiro para Formação da Marca do Turismo Cultural, com o tema principal da mascote turística de Macau “Mak Mak”. Este apoio é operacionalizando pelo Fundo das Indústrias Culturais e pela DST e tem o montante de 50 milhões de patacas, para que as “empresas criativas e culturais locais possam explorar os elementos culturais de Macau, utilizando a mascote Mak Mak como um suporte, no intuito de desenvolver os novos produtos e experiências do turismo cultural”.

Segundo informação oficial, “com a integração de elementos criativos e culturais nestes produtos e experiências, haverá uma sensibilização para que os turistas saibam mais sobre Macau, a história e cultura, o Património Mundial, a cultura gastronómica e as tradições festivais, com o objectivo de impulsionar o turismo cultural, em articulação com a construção do Centro Mundial de Turismo e Lazer de Macau”. Até ao momento, foram aprovados 12 projectos com um apoio individual de 15 milhões de patacas.

A DST tem também realizado acções de promoção da iniciativa “Sentir Macau Ao Seu Estilo”. A última visita, realizada em Foshan em Outubro, serviu para “divulgar os destaques e grandes eventos de Macau programados para o segundo semestre de 2019, incluindo o 66.º Grande Prémio de Macau, o 4.° Festival Internacional de Cinema e Cerimónia de Entrega de Prémio Macau, o Festival de Luz de Macau 2019, a Maratona Internacional, entre outros”, aponta um comunicado do organismo. A acção promocional, que contou com uma delegação da DST, decorreu no espaço Wanda Plaza em Foshan, Guandgong.

Ainda na área do turismo, o Instituto de Formação Turística (IFT) tem sido o grande dinamizador da formação a nível superior nesta área. Com diversos cursos de licenciatura, mestrado e doutoramento, o IFT tem vindo a estabelecer diversos acordos com instituições do ensino superior do exterior para acções de intercâmbio, além de receber alunos de outras universidades.

A título de exemplo, em 2017, o Centro Global para a Educação e Formação em Turismo do IFT organizou um curso de formação para alunos provenientes de Myanmar, Coreia do Norte e China, incluindo Macau. O curso teve como nome “Estratégia para o Planeamento e Gestão do Desenvolvimento Sustentável do Turismo”, tendo sido destinado a um total de 21 alunos. Nesse evento, o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, afirmou que o Governo “apoia e incentiva o Centro a organizar mais cursos para formar oficiais de governos e profissionais da indústria de diferentes países, e em particular, para auxiliar no desenvolvimento dos países da zona ‘Uma Faixa Uma Rota’”.|