RAEM/20 anos | Ensino não superior, uma escola para todos

São 15 anos de escolaridade gratuita com uma maior aposta no ensino técnico-profissional. Os 20 anos da RAEM trouxeram uma evolução em termos de qualidade do ensino e prometem não ficar por aqui, com a atribuição de mais apoios às escolas para o desenvolvimento de projectos educativos e novas valências.

Texto Luís Ortet | Fotografias Gonçalo Lobo Pinheiro

Na área do ensino não superior, as duas décadas de existência da RAEM ficaram marcadas por uma contínua melhoria da política de 15 anos de escolaridade gratuita. O Governo, através de sucessivos apoios concedidos a escolas privadas pela via do Fundo de Desenvolvimento Educativo, assegura apoios a todas as instituições de ensino, além de querer apostar, cada vez mais, no ensino técnico-profissional. Nesse sentido, está a ser levada a cabo uma revisão do respectivo diploma legal, para a melhoria da qualidade dos cursos e das condições de estágio, entre outras alterações.

De acordo com o relatório das Linhas de Acção Governativa (LAG) para o ano de 2019, as autoridades pretendem “aperfeiçoar o sistema de educação diversificada, elevar a qualidade educativa e promover a equidade educativa”, bem como “incrementar o investimento de recursos, favorecendo o desenvolvimento constante dos quadros qualificados de Macau”.

Nesse sentido, o Governo pretende, nos próximos anos, continuar a aperfeiçoar “os diplomas legais, optimizando o regime da escolaridade gratuita de 15 anos”, bem como “aumentar o nível de qualificação dos docentes, promovendo um desenvolvimento equilibrado entre as diversas vertentes da área da educação”.

No que diz respeito aos conteúdos programáticos, o Governo defende, como se pode ler no documento, um reforço da “promoção da generalização das ciências, a fim de criar um ambiente de escola inteligente”, bem como “o desenvolvimento integral dos estudantes nas vertentes ética, conhecimento, condição física e psicológica”. Tendo em conta o projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, as autoridades pretendem alargar “a área de cobertura da geminação de escolas na zona da Grande Baía, intensificando o intercâmbio e a interactividade”.

Ainda no que diz respeito aos manuais escolares, o relatório das LAG para o ano de 2019 dá conta de um “resultado notável na criação dos materiais didácticos locais, com a promoção dos materiais didácticos obrigatórios de História para o 1.º ano do ensino secundário geral e para o ensino secundário complementar e de Língua Portuguesa para o ensino primário (1.º a 3.º volumes)”. Além disso, “concluiu-se a revisão dos materiais didácticos de Educação Moral e Cívica do ensino secundário geral”, tendo sido publicadas as Exigências das Competências Académicas Básicas de História do ensino secundário geral e complementar, “no sentido de disponibilizar uma garantia às escolas para a criação de disciplinas separadas, para o currículo de História e de Geografia”, aponta o mesmo relatório.

Os apoios financeiros

Além de conceder apoios financeiros às escolas do território, através do Fundo de Desenvolvimento Educativo (FDE), o Governo levou a cabo, no ano de 2018, o Programa de Subsídio de Propinas para Alunos Residentes de Macau que estudam nas 21 cidades da província de Guangdong, a fim de manter a cooperação educativa da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. Os valores, de acordo com um despacho publicado em Boletim Oficial este ano, e assinado pelo Chefe do Executivo, variam entre as 6000 e as 8000 patacas, sendo que o valor mais elevado é atribuído aos alunos do ensino pré-escolar.

Relativamente às medidas definidas no Plano de Desenvolvimento Quinquenal apresentado por Chui Sai On, foram concluídos 85 por cento dos objectivos definidos no Planeamento Decenal do Ensino, aponta o relatório das LAG para 2019.

Foi no ano de 2006 que foi implementada a “Lei de Bases do Sistema Educativo não Superior”, tendo sido criado, um ano depois, o FDE. De acordo com uma nota oficial da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), o FDE “é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, pertence à DSEJ e gerido por um Conselho Administrativo”.

O FDE tem como principais objectivos “apoiar e impulsionar os planos e actividades educativas com características de desenvolvimento, no domínio do ensino não superior”, bem como “permitir mais estabilidade no investimento dos recursos educativos e reforçar o seu carácter desenvolvimentista”. Nos anos seguintes, foram implementados diversos regulamentos administrativos que servem de base à regulamentação do FDE.

Ainda de acordo com a mesma nota da DSEJ, os objectivos que norteiam o FDE passam pela “optimização dos planos educativos das escolas” e no apoio a “planos pedagógicos com o objectivo de fomentar a literacia cultural dos alunos, desenvolver as suas potencialidades na investigação científica, cultivar a sua capacidade crítica, bem como alargar a sua visão internacional”, entre outros.

O relatório das LAG para 2019 relembra ainda que “os montantes do subsídio para o desenvolvimento profissional e subsídio directo para o pessoal docente foram aumentados”, tendo sido “promulgadas e implementadas as normas para a verificação do número de horas em actividades de desenvolvimento profissional do pessoal docente”.

Outro dos exemplos de apoios atribuídos pelo Governo aos alunos das escolas do ensino não superior prende-se com a concessão de subsídios para a aquisição de material escolar. Aquando da apresentação das LAG para 2019, o Chefe do Governo prometeu um aumento de 3000 para 3300 patacas, montante que se materializou em Janeiro deste ano. O Governo diz que este regulamento tem como objectivo “criar melhores condições para os estudantes nos seus estudos e para aliviar os seus encargos económicos na aquisição de livros, materiais de referência e de aprendizagem”.

O Governo estabeleceu também a Plataforma de Estudos Educativos de Excelência, “de modo a fomentar o desenvolvimento do trabalho de investigação pedagógica das escolas e incentivar o desenvolvimento profissional do pessoal docente”. Em 2018, foi também “reforçada a inspecção educativa e promovido, pela primeira vez, o plano piloto de avaliação interna das escolas”, aponta o relatório das LAG.

Em relação às políticas direccionadas para a juventude, sobretudo no que diz respeito ao conceito “Amar a Pátria, Amar Macau”, o Governo tem vindo a desenvolver e a reforçar os “trabalhos educativos relativos à bandeira, emblema e hino nacionais”, tendo sido também “elaborados materiais pedagógicos”, a fim de elevar “nos alunos, o sentimento de pertença à Pátria e ao povo”, frisa o relatório das LAG para 2019. Neste documento, o Chefe do Executivo recorda que “foram atribuídos subsídios às escolas para aperfeiçoamento das instalações da bandeira nacional, da bandeira da RAEM e da bandeira da escola, concretizando-se, assim, o envolvimento de quase todas as escolas na actividade do hastear da bandeira nacional”.

Ainda no que diz respeito a políticas direccionadas aos jovens, estas foram definidas aquando da implementação da Política de Juventude de Macau, pensada para o período compreendido entre 2012 e 2020. No seio da DSEJ, tem funcionado, desde 2002, o Conselho da Juventude, bem como o Conselho de Educação para o Ensino Não Superior. São estas entidades que, periodicamente, e com a presença do secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, discutem as políticas a implementar nas escolas e nas faixas mais jovens da população de Macau.

Um ensino trilingue

O sistema de ensino não superior em Macau sempre se pautou pela aposta num sistema trilingue, tendo o Governo desenvolvido programas de apoio para que as escolas tenham cada vez mais conteúdos programáticos nesta vertente. O relatório das LAG de 2019 dá conta que, através do FDE, foram “auxiliadas mais escolas particulares na criação de cursos de língua portuguesa” no sector privado. No que diz respeito às escolas públicas, o “Programa de ensino bilingue Chinês-Português” foi estendido, sem sobressaltos, ao 2.º ano do ensino primário e 2.º ano do ensino secundário geral, tendo sido introduzido um novo projecto de financiamento intitulado “Plano de preparação dos talentos bilingues em chinês e português de várias áreas”.

No que diz respeito às escolas oficiais, destaque para a Escola Luso-Chinesa da Flora, onde se aposta na criação de turmas com ensino em língua portuguesa e chinesa. No sector privado, destaque para a Escola Portuguesa de Macau, onde cada vez mais se aposta no ensino do cantonês, apesar de ser uma escola de matriz portuguesa. Contudo, a Escola Oficial Zheng Guanying é, cada vez mais, um exemplo bem-sucedido do bom funcionamento de um sistema trilingue em Macau.

A escola abriu portas em 2011 e é das poucas que começa a disponibilizar o ensino do mandarim a partir dos três anos de idade. Wu Kit, directora da Escola Oficial Zheng Guanying, disse, em entrevista à MACAU, que a língua veicular é o mandarim, apesar da língua materna de muitas das crianças ser o cantonês. “Temos de criar um ambiente propício à aprendizagem do idioma. Estamos muito satisfeitos com a implementação das turmas bilingues no ensino primário e secundário. O objectivo do programa bilingue é que os alunos, quando concluam o ensino secundário, dominem as línguas portuguesa e chinesa.”

A aposta no ensino profissional

Outra das medidas que está na agenda do Governo para a área da educação prende-se com o desenvolvimento do ensino técnico-profissional. O primeiro diploma que regulamenta estas escolas data de 1996, mas o Executivo está empenhado em mudar as regras a fim de atrair cada vez mais alunos para este modelo de ensino. A revisão do diploma está em curso, tendo sido publicado este ano o relatório relativo à consulta pública sobre o mesmo.

De acordo com uma nota oficial da Direcção dos Serviços do Ensino Superior, é objectivo “aumentar o investimento em recursos”, estando também na agenda a construção do Centro de Actividades do Ensino Técnico-Profissional, de modo a promover o desenvolvimento deste ensino.

A mesma nota dá conta que “mediante o investimento em recursos e políticas orientadoras, a DSEJ incentiva as escolas a criarem cursos do ensino técnico-profissional, atribuindo subsídios aos alunos do ensino secundário complementar para obterem uma credenciação das capacidades linguísticas e competências profissionais”. Além disso, são realizadas “sessões de esclarecimento sobre o prosseguimento dos estudos, de modo a apoiar os alunos das escolas do ensino técnico-profissional na articulação e adequação dos seus estudos no ensino superior”.

A título de exemplo, no ano lectivo de 2018/2019 um total de oito escolas oficiais e particulares criaram 32 cursos do ensino secundário complementar técnico-profissional, num total de 80 turmas, que abrangem as áreas de convenções e exposições, criatividade cultural, turismo, comércio, tradução de chinês-português e chinês-inglês, com uma orientação de formação de quadros qualificados ajustada ao desenvolvimento social, aponta a mesma nota oficial.

Quanto à alteração de diplomas legislativos, está a ser levada a cabo uma revisão ao “Regime educativo especial”, que entrou em vigor em 1996. De acordo com uma nota oficial da DSEJ, as principais mudanças prendem-se com a “definição do âmbito de aplicação do regime educativo especial, a prestação de apoio ao desenvolvimento do ensino especial ou a realização de avaliação de acordo com as capacidades dos alunos do ensino especial”, entre outras.

Outro diploma que também está a ser revisto, estando a ser analisado pelos deputados da Assembleia Legislativa, é o Estatuto das escolas particulares do ensino não superior. De acordo com a nota justificativa da proposta de lei, é intenção do Governo rever um diploma implementado há mais de 20 anos, com vista “à regulação mais eficaz, supervisão e funcionamento das escolas particulares”.

Na área do ensino não superior, o futuro parece reger-se tendo em conta os princípios de “Promover a prosperidade de Macau através da educação” e “Construir Macau através da formação de talentos”. O relatório das LAG para 2019 dá conta que as autoridades vão “estimular escolas, docentes, encarregados de educação e alunos a participarem e apoiarem a construção da iniciativa ‘Uma Faixa, Uma Rota’ e a Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, introduzindo novas medidas para disponibilizar o subsídio para aquisição de manuais escolares aos alunos residentes de Macau que frequentam escolas na província de Guangdong”.

Os planos políticos nesta área passam pelo aumento do investimento na educação, a fim de se optimizarem “os diversos subsídios educativos, incluindo o aumento dos montantes do subsídio para o desenvolvimento profissional e do subsídio directo ao pessoal docente”. “Em simultâneo, apoiar-se-á a optimização da gestão financeira das escolas, elevando a eficiência de fiscalização do funcionamento financeiro das mesmas”, conclui o relatório das LAG para 2019.

As intenções governativas passam pela adopção de “novos currículos nos 15 anos de escolaridade do ensino não superior”, estando em curso, neste ano lectivo, a implementação do Quadro Curricular e as Exigências das Competências Académicas Básicas, cujo conteúdo “será ajustado, tornando independentes as disciplinas de História e Geografia”. Vão ainda ser “promovidos os materiais didácticos de História do ensino secundário, publicando os materiais didácticos de Língua Chinesa e das Actividades de Descoberta do ensino primário e concluindo, também, o trabalho de revisão dos materiais didácticos de Educação Moral e Cívica do ensino secundário complementar, de modo a assegurar a execução eficaz dos novos currículos”, lê-se no mesmo relatório das LAG.

Relativamente aos quadros bilingues, o Governo pretende prosseguir com as políticas já instituídas, a fim de “preparar, com entusiasmo, os quadros qualificados bilingues em chinês e português”. Dessa forma, será estendido o âmbito de implementação do Programa de ensino bilingue chinês-português ao 3.º ano do ensino primário e ao 3.º ano do ensino secundário geral das escolas oficiais, “generalizando, em maior grau, o ensino da língua portuguesa”.

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Formação contínua em destaque

Desde que foi criado, em 2011, o Programa de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento Contínuo já apoiou mais de 400 mil residentes com 1,720 milhões de patacas. O programa visa criar as condições favoráveis à aprendizagem permanente, incentivando os residentes a participar, com o objectivo de elevar as suas qualidades e competências individuais, em acções de aperfeiçoamento contínuo ou de obtenção de qualificação, articulando-se com o desenvolvimento diversificado da economia e das indústrias, bem como com a criação de uma sociedade de aprendizagem. São considerados, automaticamente, beneficiários do programa todos os residentes da RAEM com idade igual ou superior a 15 anos.

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Turmas bilingues reforçam multilinguismo histórico

A DSEJ avançou, no ano lectivo 2017/2018, pela primeira vez, com turmas bilingues em duas escolas públicas, como meio de incentivar a formação de quadros que dominem o português e o chinês. “Com o intuito de formar prioritariamente talentos bilingues excelentes para o Governo da RAEM”, está planeada a criação de “uma ou duas turmas em português e chinês”, no primeiro ano do ensino primário e do secundário na Escola Oficial Zheng Guanying, e no primeiro ano do ensino primário na Escola Primária Luso-Chinesa da Flora. A criação de novas turmas será estendida anualmente até ao terceiro ano do ensino secundário complementar, explica a DSEJ. Estas turmas “quebram a metodologia de ensino tradicional, adoptando uma concepção curricular e pedagógica flexíveis, com línguas veiculares de mandarim e português”. Além disso, “as escolas disponibilizam currículos e medidas complementares especiais para alunos principiantes de português e inscritos nas turmas bilingues do primeiro ano do ensino secundário geral, fundando neles as bases da língua portuguesa”.