Caminhos a explorar

Lugares de silêncio no meio do rebuliço da cidade, de lazer e de contacto com a natureza, os trilhos de Macau são os pulmões verdes dos quais o território não pretende abdicar 

Texto Catarina Mesquita 

Sentados nas zonas de lazer da montanha da Taipa Grande falamos com Stephen Chan Sot, técnico superior da Divisão de Conservação da Natureza do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM). Ao mesmo tempo, passam por nós em ritmos variados pessoas de todas as faixas etárias. 

A montanha da Taipa Grande é diariamente visitada pelos aficionados do desporto, mas também por famílias que, a ritmo de passeio, apreciam o dia de boa visibilidade que permite ver por um lado Macau em toda a sua extensão até Zhuhai, além da fronteira, e do lado oposto da montanha, os grandes empreendimentos do Cotai e o aeroporto de Macau. 

Chan Sot conta-nos que este trilho é o mais procurado em todo o território pelo facto de, ao longo dos seus quatro quilómetros de extensão, estar rodeado por complexos habitacionais e por grande parte do percurso ser asfaltado. “A parte inicial do trilho não é tão desafiante e há muitos idosos e crianças que por isso vêm para aqui”, sublinha. 

O trilho da Taipa Grande é um dos 15 percursos pedonais que constituem uma rede que se espalha pela Taipa, Coloane e por percursos no lado peninsular do território. Geridos pelo Instituto dos Assuntos Municipais, os trilhos são o “lado verde de Macau que o Governo faz questão de preservar”, segundo Chan Sot.  

O responsável relembra que “com o rápido desenvolvimento social estamos a perder os pulmões da cidade, por isso, justifica-se o trabalho que tem sido feito e que tem os seus êxitos. Vemos cada vez mais pessoas a visitar os trilhos, que são os únicos sítios de contacto que as pessoas de Macau têm com a natureza.” 

Desafios para todos 

Sob esta missão de manter o “jardim de Macau”, o governo local aposta na revitalização, recuperação e manutenção dos trilhos durante todo o ano. O trilho de Coloane é um dos cinco exemplos de trilhos que ganharam uma nova vida.  

O caminho antigo de Sek Ming Pun – de leste para oeste – era então o único acesso à zona, mas este acabou por ficar inutilizado aquando da construção da primeira estrada da ilha de Coloane. Em 1999, a então Câmara das Ilhas revitalizou e restaurou o caminho antigo que hoje dá lugar ao trilho “histórico”. “Os materiais utilizados pelo IAM tentam ser o mais naturais possível e fazem uma réplica do passado pela reutilização da pedra”, explica Chan Sot. 

Há 20 anos, altura da fundação da RAEM, existiam em Macau oito trilhos, numa extensão total de 23 mil metros. Hoje o número aumentou para 15 trilhos e circuitos de manutenção e, consequentemente, também aumentaram os trabalhos de manutenção que envolvem a poda de ervas daninhas e um revestimento de terra batida anual devido às fortes precipitações características da região. 

Mas desafios maiores como a passagem do tufão Hato, que destruiu muitas das árvores que revestem as áreas por onde passam os trilhos, surgem de quando em vez. “Após a passagem do Hato foi necessário retirar todas as árvores que caíram nos percursos pedonais e, para evitar riscos de incêndio, tivemos de cortar as árvores junto dos trilhos que ficaram gravemente danificadas num diâmetro de cinco a dez metros.” “Estas são medidas atípicas”, relembra Chan Sot. 

Face ao forte impacto do tufão, o IAM solicitou apoio ao departamento de silvicultura da província de Guangdong, cujos peritos apresentaram um plano de recuperação que incluiu não só o desbaste de árvores assim como a replantação de árvores de flores como a Bauhinia variegata, a Elaeocarpus sylvestris e a Acacia podalyriifolia; árvores de folhagem como a Liquidambar formosana, Castanopsis hystrix e a Triadica cochinchinesis e ainda, árvores de fruto como a Artocarpus nitidus subspLingnanensis, a Iiex rotunda e a Ormosia pinnata.  

“São espécies resistentes ao vento, mas que também dão frutos e flores e permitem que a pequena fauna de Macau também usufrua delas”, explica Chan Sot. 

A caminhar vai-se longe 

Mas não só de verde se fazem os trilhos de Macau. O trilho à beira-mar de Long Chao Kok (na tradução portuguesa “A Garra do Dragão”), localizado junto à praia de Hac-Sá, é um dos caminhos que mais atrai quem gosta de caminhar e apreciar as rochas exóticas que ali existem. 

O Instituto para os Assuntos Municipais garante um reforço de segurança nos trilhos que passam por zonas com barragens e junto ao mar. E, para que tudo funcione dentro dos parâmetros de segurança estipulados pelas autoridades locais de gestão dos trilhos, existem algumas regras a cumprir e nem todas agradam os atletas locais como os ciclistas de montanha. “Infelizmente a utilização de bicicletas degrada o pavimento e muitos dos degraus, daí a proibição. Além de que estes trilhos foram concebidos para serem exclusivamente pedonais e a circulação de bicicletas pode apresentar um perigo”, explica Chan Sot. “Foram colocadas barreiras que impedem as bicicletas de entrar nos trilhos, mas também porque demos conta de que havia motociclos a circularem por ali.” 

Lugar para desportistas 

A humidade é visível a quem olha para o corpo de Olívia Sousa e Tiago Aires depois de treinarem nos trilhos de Macau. Ambos os atletas federados de trail em Portugal e de passagem por Macau mostram-se encantados com as infra-estruturas dos trilhos da região. 

“Poder sair de casa, correr 200 metros apenas e ‘penetrar’ nos trilhos da Taipa Pequena foi algo extremamente prazeroso e que repetimos praticamente todos os dias durante a estadia. Este segmento tem um pouco de tudo: escadas, subidas e descidas, o que permitiu diversificar imenso o treino”, conta Olívia Sousa.  

“São trilhos que estão em muito bom estado de conservação, bem sinalizados e muito limpos. É incrível o cuidado verificado com a vegetação e plantas existentes nos trilhos, tratadas com toda a dedicação por jardineiros que diariamente lá estavam a trabalhar. Um outro aspecto a salientar é o facto de, por todo o lado, o tai-chi estar presente, o que tornava ainda mais envolvente e pacificadora a nossa experiência de treino de corrida nestes trilhos”, sublinha Tiago Aires. 

Esta sensação foi transversal aos trilhos da Taipa Grande e também de Coloane, onde realizaram um treino longo de mais de 20 quilómetros com 421 metros de desnível positivo. Estes treinos possibilitaram que os atletas profissionais pudessem conhecer e penetrar floresta mais profunda, correr junto ao mar atravessando afloramentos rochosos e ainda atravessar zonas mais urbanas naquilo a que escrevem como “uma experiência marcante e prazerosa”. 

Tiago Aires lembra que a humidade que faz o ar de Macau tão denso “foi outro factor desafiante e que nos ajudou a conseguir tirar um maior partido e rendimento dos treinos, no regresso a Portugal”. 

Os trilhos são assim uma forma mais desafiante de fazer exercício. E foi com a intenção de aliar a natureza em Macau com o desporto que nasceu o Macau Trail Hikers, a competição desportiva anual que acontece há já uma década nos trilhos de Coloane. 

Composta por quatro competições, as diferentes equipas que se inscrevem no evento têm a possibilidade de percorrer em prova 10, 20 ou 30 quilómetros e a adesão ao evento tem crescido de ano para ano segundo a organização. Na edição de 2019 estiveram inscritas 650 equipas e 200 voluntários permitiram que o evento fosse possível. 

Os organizadores da prova orgulham-se também de promover junto dos participantes valores como a consciencialização ambiental, a sustentabilidade e a solidariedade. Nos últimos nove anos de corrida a organização angariou três milhões de patacas, que foram doadas para instituições como o orfanato Berço da Esperança e o Salvation Army de Hong Kong. 

O IAM recebe assim ao longo do ano várias solicitações para eventos intimamente ligados com este contacto com a natureza, tais como provas e passeios temáticos para conhecer os trilhos ou especificamente as plantas que os constituem. 

Porém, a altura de maior actividade por parte de grupos é a época de replantação – que acontece normalmente em Março e coincide com a “Semana Verde”, evento organizado pelo IAM – e em que grupos escolares, associações e organizações de várias faixas etárias se juntam aos funcionários do Instituto para os Assuntos Municipais para dar o seu contributo no crescimento das zonas verdes de Macau. 

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Os três trilhos mais populares 

Taipa Grande 

É um trilho natural localizado na Taipa e que oferece vistas panorâmicas. Partindo do Parque Natural da Taipa Grande, o trilho tem cerca de quatro quilómetros de comprimento e leva cerca de 90 minutos a percorrê-lo a pé. A primeira secção (com cerca de 600 metros) tem pouca inclinação o que permite que jovens e idosos possam desfrutar de uma caminhada fácil, enquanto que a meio o percurso torna-se mais desafiador. Subindo os degraus de pedra, os caminhantes podem atingir o ponto mais alto da Taipa, a 159,2 metros acima do nível do mar. Alternativamente, poderão ir em direcção sudeste ao longo dum caminho com 1200 metros que proporciona a observação de aves e excelentes vistas da Taipa e ver garças a voarem. 

Taipa Pequena 

Este trilho tem 2,3 quilómetros de comprimento e 2,5 metros de largura, e contorna a Colina da Taipa Pequena. Pelo caminho pode-se encontrar cinco diferentes áreas para praticar exercício físico ao ar livre, um parque infantil e diversas zonas de lazer. Ao longo deste percurso, os visitantes podem desfrutar de boas vistas sobre a península de Macau, da Taipa, e da ilha da Montanha na adjacente Zhuhai. 

HacSá Long Chao Kok 

Com 2150 metros de comprimento, o trilho à beira-mar de Hac-Sá Long Chao Kok localiza-se na costa sudeste de Coloane e leva cerca de 45 minutos a percorrê-lo a pé. O circuito está dividido em três caminhos: Rockview, Seaview e Red Leaves. Este é o único trilho onde se pode simultaneamente apreciar vistas de montanha e de mar.