“A vida que exista noutros planetas pode ser bastante diferente”

Membro do Laboratório de Referência Estatal Chinês para as Ciências Lunares e Planetárias e líder da equipa de investigação em Astrobiologia da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST), André Antunes não tem dúvidas de que a humanidade está cada vez mais perto de encontra vida fora da Terra. Para o investigador, cujo trabalho sobre a exploração dos oceanos das luas geladas do sistema solar foi distinguido pela revista Nature, tanto a equipa que lidera, como os laboratórios recentemente inaugurados na MUST têm características únicas em toda a China, e isso coloca Macau como ponto de referência para a área da Astrobiologia, não só no país, mas também a nível global

Texto: Pedro Arede

Fotos: Gonçalo Lobo Pinheiro

Qual o propósito da criação da unidade de Astrobiologia da MUST?

O grupo de investigação em Astrobiologia da MUST insere-se no Laboratório de Referência Estatal de Ciências Lunares e Planetárias e é considerado como uma das prioridades para o Laboratório de Referência Estatal. O grande propósito associado à criação deste grupo e área de investigação é apoiar a China e a Agência Espacial Chinesa no seu programa de exploração espacial. A Astrobiologia é uma ciência que é relativamente nova e transdisciplinar, ou seja, junta investigadores de várias áreas do saber, e tem como grande objectivo a procura de vida fora da Terra. Tendo em conta o grande interesse que há actualmente, por exemplo, na exploração de Marte, pois existem missões em Marte quer da Agência Espacial norte-americana, dos Emirados Árabes Unidos, quer da própria China, podemos ver que as atenções se estão a virar para lá e que este tópico vai ser cada vez mais relevante. A investigação que nós desenvolvemos aqui e o facto de termos criado em Macau esta linha de investigação é essencial para informar e ajudar a planear e conseguir a maior quantidade de dados e de informação para a exploração de Marte e de outras partes do sistema solar.

Sente que a aposta nesta área de investigação tem sido forte?

Sim, tem sido uma aposta muito grande. Temos recebido muito apoio quer do próprio Laboratório de Referência Estatal Chinês para as Ciências Lunares e Planetárias quer da própria MUST, e tudo isto devidamente ancorado no apoio financeiro que é assegurado, acima de tudo, pelo FDCT [Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e da Tecnologia].

Em que contexto acaba por vir para Macau? Alguma vez imaginou estar envolvido num projecto desta natureza?

Foi mais ou menos inesperado, não posso dizer que tenha sido uma coisa assim tão planeada, até porque o meu objectivo não era necessariamente este desde o princípio. Estava a viver com a minha mulher no Reino Unido, onde nos encontrávamos os dois a trabalhar numa universidade. A investigação que eu desenvolvia lá já tinha de facto ligação a esta área da Astrobiologia. Além disso, já tinha estado envolvido, e continuo envolvido, na colaboração de projectos ligados à Agência Espacial Europeia ou à NASA, que envolvem especialistas de várias agências espaciais de todo o mundo, nomeadamente, a Agência Espacial Alemã, por exemplo. Portanto, já tinha um grande contacto com a área e a investigação nesta linha. A vinda para Macau e o trabalho ligado à Agência Espacial Chinesa foi um feliz acaso, resultado também, em grande parte, do referendo do Brexit. A partir do momento em que saem os resultados do referendo, notou-se uma mudança radical no ambiente que se vivia no Reino Unido, deixando de ser hospitaleiro para investigadores mas também, no geral, para estrangeiros, mesmo para os europeus. Vislumbrava-se um futuro relativamente negro para a área do ensino superior de investigação por lá. Discuti com a minha esposa, falámos sobre quais seriam as opções que fariam sentido e a ideia até foi dela: vamos para a China. Enviámos alguns e-mails e foi um feliz acaso. A MUST e o Laboratório de Referência Estatal estavam a contratar professores e a expandir-se muito rapidamente, pois isto foi pouco depois da criação oficial do Laboratório de Referência Estatal. A área da Astrobiologia era vista como sendo interessante e um bom complemento para a investigação que se fazia aqui.

Trabalhar em prol da exploração espacial da China era algo com que contava? O espaço sempre foi algo que o fascinou?

É curioso porque a minha formação base é na área da Biologia, eu sou da área de biociências e, por isso, sou microbiólogo. Desde criança que sempre gostei de tudo o que estivesse relacionado com o espaço, adorava a área espacial. Por isso, apesar de enveredar por uma área, aparentemente diferente, que é a microbiologia, acabei por me especializar em microbiologia de ambientes extremos, ou seja, ambientes exóticos que existem na Terra. Sempre vi a ponte de ligação com a exploração do espaço e a procura de vida noutros planetas. Obviamente que quando era criança, aquilo que me chamava a atenção eram os feitos da NASA e da Agência Espacial Soviética, ou seja, a grande corrida ao espaço que havia na altura. A Agência Espacial Chinesa não fazia parte dos meus planos, até porque não existia. O grande impulso de exploração espacial por parte da China é relativamente recente e tem uma história curta. A China entrou só recentemente nesta área de ciência e tecnologia e, de facto, tem dado um salto impressionante e tem tido avanços enormes, muito rapidamente. Do ponto de vista de sítio para trabalhar actualmente, acho que é o ideal.

Como está a ser acompanhada a missão chinesa a Marte, a Tianwen-1, por parte da unidade de Astrobiologia da MUST?

Como comecei na MUST há relativamente pouco tempo, não estou envolvido directamente com a missão actual. Tenho vários colegas e investigadores aqui que estão envolvidos directamente com esta missão, nomeadamente a nível do estudo da geomorfologia da superfície do planeta, o estudo das dunas, as estruturas que se veem no solo, com o objectivo de tentar fazer algumas comparações com a Terra. Temos também algumas pessoas envolvidas com o estudo da atmosfera e modelação e, por isso, estão directamente ligadas, quer com o planeamento da missão, quer agora com a recolha de dados e análise. Do ponto de vista do trabalho que estamos e iremos desenvolver nesta área específica da Astrobiologia, estará ligado a futuras missões, nomeadamente à eventual recolha de amostras da superfície de Marte e o seu estudo.

De que forma é que a unidade de Astrobiologia da MUST irá dar apoio a futuras missões da Agência Espacial da China através da recolha e estudo de amostras?

Nomeadamente ao nível do aconselhamento. Explicando um pouco melhor o alcance da Astrobiologia e o tipo de investigação que se faz, nós estamos cada vez mais próximos de uma situação em que vamos conseguir ter amostras de Marte e de outras partes do sistema solar onde possa existir vida. Ainda não chegámos lá, ainda não estamos nesse ponto. Até lá, um dos grandes pilares da Astrobiologia é o estudo de ambientes extremos no nosso planeta, que têm condições parecidas com estes outros locais do sistema solar onde é possível que a vida possa existir. Nomeadamente, para conseguirmos compreender um pouco melhor quais é que são os limites da vida, que é uma coisa que começamos agora a compreender um bocadinho melhor, mas onde, ainda assim, existe muito que não compreendemos bem. Por isso, esta é uma tarefa que passa por conseguir compreender quais é que são os limites da vida, onde é que a vida pode existir e onde é que ela não pode existir, ressalvando sempre que os exemplos que nós temos são sempre baseados no nosso próprio planeta e que a vida que exista noutros planetas pode, de facto, ser bastante diferente. Nós não compreendemos ainda a vida microbiológica, ou seja, a diversidade e as capacidades dos micróbios do nosso planeta e, por isso, este passo é essencial para conseguirmos compreender quais é que são os limites, como é que a vida se consegue adaptar e resistir a condições mais extremas e como é que nós a conseguimos detectar. As últimas décadas têm trazido avanços enormes ao nível da quantidade de diferentes grupos de micróbios que existem no nosso planeta e que, até há poucos anos atrás, era impossível estudar, pois não sabíamos que lá estavam. Regularmente saem novas publicações que apontam para a detecção de mais um grupo completamente novo na árvore da vida e, por isso, se nós ainda temos este tipo de limitações e estamos a fazer estes avanços do ponto de vista tecnológico no nosso planeta, este tipo de investigação é essencial. Porque nós quando, de facto, formos para outros planetas e onde, à partida, a vida será muito diferente do que é aqui, conseguiremos recolher uma amostra, analisá-la e dizer se, efectivamente, existe vida ou não. Além disso, serve também para compreender, caso não haja vida, porque é que não há. Sabemos que Marte actualmente tem condições menos hospitaleiras, pelo menos para a vida como nós a conhecemos na Terra, mas nem sempre foi assim. Marte já teve uma quantidade bastante considerável de água líquida à superfície e condições bastante diferentes das actuais. Por isso, sabemos hoje que Marte teve teoricamente condições que permitiriam o aparecimento e desenvolvimento da vida e que essa vida pode eventualmente ter subsistido até aos dias de hoje.

Considera então que a probabilidade de encontrar vida em Marte é alta?

Creio que sim, porque a experiência que nós temos do estudo da vida no nosso planeta é que, depois da vida surgir e se adaptar às condições locais, consegue sempre subsistir e tem, de facto, uma enorme capacidade de se adaptar, resistir e de proliferar, independentemente de quão extremas as condições nos possam parecer à primeira vista, particularmente, tendo uma visão antropocêntrica das coisas, pois nós temos sempre uma tendência de centrar tudo na humanidade, que facilmente nos leva a dizer que “isto é muito quente ou muito frio” ou “este pH é muito extremo”, o que não se aplica necessariamente a micróbios.

Que semelhanças existem entre a Terra e Marte, que tornam o seu estudo tão importante?

É importante explorar Marte e acho que parte da ligação que temos com Marte é, por um lado, quase afectiva, olhando para o passado. Marte inspirou toda uma série de mitos, esteve na fonte de uma série de mitologias distintas. Temos, por exemplo, Marte como Deus da Guerra na mitologia greco-romana, onde desempenhou um papel muito importante. Mesmo do ponto de vista da cultura popular teve um enorme impacto no nosso imaginário, com uma série de livros de ficção científica e filmes associados a Marte, e homenzinhos verdes que teoricamente viveriam lá. Do ponto de vista mais científico é muito importante estudar e compreender Marte porque é provavelmente o planeta do sistema solar que é mais parecido com o nosso e que tem condições mais parecidas com a Terra. Vénus também tem bastantes semelhanças com a Terra mas, de facto, as condições são muito mais opressivas. Marte tem a vantagem de ter condições relativamente semelhantes, apesar de ser um bocadinho mais frio e possuir uma atmosfera menos densa. Outra grande vantagem é a questão da proximidade e, por isso, de uma perspectiva de exploração é natural que depois da Lua o passo seguinte seja Marte e até, numa perspectiva de eventual colonização, através da criação de uma base e envio de população humana para outras partes do sistema solar, o natural será haver, num futuro mais próximo ou distante, uma base lunar e, eventualmente depois, o passo seguinte será sempre Marte.

O que poderá acelerar a colonização de Marte?

É difícil responder a essa questão. Por um lado, penso que o tema terá de ser tratado como uma prioridade do ponto de vista político. A partir do momento em que, de facto, haja países interessados, isso acelera os esforços nesse sentido. Temos depois também prioridades do ponto de vista económico, ou seja, havendo algum ganho económico específico associado, isso será outro grande motivo pelo qual estes passos poderão ser eventualmente acelerados. Voltando à vontade política, vemos, por exemplo, aquilo que aconteceu com a exploração da Lua e a colocação do primeiro do homem na Lua que, de facto, foi tratado como uma prioridade política durante a altura da Guerra Fria e da corrida espacial e, efectivamente, trouxe uma grande aceleração e desenvolvimento da tecnologia espacial mas que, a partir do momento em que se atingiu aquele ponto, trouxe alguma estagnação e até um eventual declínio, desaparecendo dos olhos do grande público. É sempre preciso ter um pouco de cuidado com esta temática da exploração espacial, especificamente em relação à Astrobiologia, para não empolar demasiado as coisas. É muito fácil cair na tentação, e vê-se isso regularmente, de, sempre que há uma nova descoberta sobre Marte, Vénus ou a procura de vida fora do nosso planeta, ver esses temas a ser empolados pelos média. Por isso, é muito fácil cair nesse excesso e saturar o público ou de, inclusivamente, gorar algumas expectativas das pessoas, que podem estar a contar que a missão chinesa ou da NASA a Marte vão definitivamente conseguir responder à questão de existir vida ou não. Se não houver uma resposta definitiva, pois não é assim que a ciência funciona, já que é feita de passos graduais, ou se as descobertas têm um impacto mais reduzido do que aquilo que é representado pelos média, acaba por provocar, no global, um efeito negativo. O potencial efeito negativo dessa má gestão de expectativas do grande público pôde ser vista nas primeiras missões norte-americanas a Marte. Havia grandes expectativas e existia ainda a ideia dos homenzinhos verdes em Marte. Quando as primeiras missões lá chegaram, o tipo de ambiente que se encontrou era bastante diferente daquilo que se estava à espera. Acabou por ser um balde de água fria nas expectativas do público que, no geral, perdeu um pouco o interesse por Marte. Isto, quando, na realidade, Marte é bem interessante, tem é de se ter cuidado com a gestão de expectativas e como se apresenta planos de investigação e resultados novos.

Mudando de tema e de coordenadas, que significado tem o destaque que foi dado pela revista Nature ao artigo para o qual contribuiu sobre a exploração dos oceanos das luas geladas do sistema solar?

Do ponto de vista pessoal é muito gratificante a investigação que fiz ser reconhecida pela revista Nature. Por um lado, consegue trazer maior visibilidade à investigação que nós publicámos enquanto grupo e, inclusivamente, visibilidade adicional para o grupo e para a investigação que se faz aqui em Macau. Falámos há pouco de Marte como o passo natural a dar depois da Lua e do ponto de vista específico da Astrobiologia e da procura de vida fora da Terra. Marte é muito interessante, mas, e eventualmente até mais interessante, são as luas geladas do sistema solar, porque têm oceanos de água líquida. As características comuns destas luas geladas de Júpiter e Saturno é que têm, à superfície, uma crosta de gelo relativamente grande, mas, debaixo desta camada de gelo, existe água em estado líquido, ou seja, há oceanos que têm um volume considerável. Os maiores oceanos do sistema solar não estão na Terra e isto foi uma grande surpresa. O facto destas luas possuírem grandes reservas de água líquida é muito importante do ponto de vista da potencial existência de vida, porque toda a vida como nós a conhecemos no nosso planeta, precisa de água líquida. Sem haver água líquida, mesmo que não seja de forma permanente, não existe vida. Por isso, o facto de encontrarmos um grande volume de água líquida noutras partes do sistema solar é incrivelmente relevante porque é um grande passo na direcção de uma possível existência de vida nestes sítios.

Qual a importância do estudo para materializar a futura exploração desses oceanos localizados nas luas geladas do sistema solar?

O artigo que foi agora reconhecido é particularmente importante porque juntou uma grande equipa de investigadores que trabalham em áreas e com abordagens muito diferentes, estudando aspectos distintos que são directamente relevantes para a exploração futura destes sítios. Há pessoas que trabalham com estudos de glaciologia e outras, por exemplo, que estudam plumas hidrotermais, uma espécie de géiser que projecta água do mar para o espaço e que facilita o estudo daquilo que se passa nestes oceanos. Um dos casos mais conhecidos onde ocorre este fenómeno em luas geladas é o da Encélado. Temos também pessoas que trabalham com modelação, outras que trabalham com ambientes com muito sal, pois estima-se que haja grandes depósitos de sal em várias destas luas, e ainda investigadores que estudam fontes hidrotermais localizadas no fundo dos oceanos. Por isso, o artigo acaba por combinar toda uma série de abordagens distintas, actualmente feitas ou a serem refinadas e que vêm de investigadores de áreas diferentes. Numa perspectiva futura, para estudarmos as luas geladas do sistema solar estamos interessados na camada de gelo, nos oceanos, nas fontes hidrotermais e estas são as considerações que temos de ter e o tipo de abordagens que existem actualmente, ou que estão a ser desenvolvidas ou refinadas. Foi muito importante porque, por um lado, promoveu este tipo de diálogo cruzado que nem sempre é fácil, pois as pessoas tendem a estar muito especializadas e, por outro, conseguiu combinar toda esta informação num só documento.

Qual a importância da distinção para colocar Macau e, neste caso, a MUST no mapa da Astrobiologia, não só ao nível da China, mas também a nível mundial?

É muito importante. A Astrobiologia é uma área relativamente nova, não tem propriamente grande tradição na China, apesar de haver alguns investigadores que fazem estudos isolados. A ideia da criação desta linha de investigação e das plataformas experimentais que recentemente inaugurámos cá é precisamente promover Macau como o centro de referência na China para esta área. O facto de termos recebido agora esta distinção é muito importante para dar visibilidade. Sobretudo, tendo em conta que, tanto a criação do Laboratório de Referência Estatal Chinês para as Ciências Lunares e Planetárias da MUST, que tem cerca de dois anos, e a criação deste grupo de investigação em Astrobiologia, são muito recentes. É muito importante para dizer “estamos aqui e fazemos este tipo de investigação em Macau”.

Os laboratórios de Astrobiologia e Cosmoquímica da MUST foram inaugurados em Dezembro de 2020. Que características têm estas plataformas que as tornam únicas em toda a China?

Por um lado, são as primeiras em toda a China dedicadas à área da Astrobiologia. Por outro lado, alguns dos equipamentos que temos aqui instalados são de ponta, como, por exemplo, isolamento de novos tipos de micróbios, estudos de microbiologia de ambientes extremos e detecção de bioassinaturas, ou seja, vestígios de proteínas ou lípidos que nos permitem detectar a presença de vida. Temos também microscópios que são bastante avançados mas, além disso, importa destacar a equipa de investigadores que temos associada a isto. O objectivo é que a investigação que iremos desenvolver permita auxiliar a Agência Espacial da China na exploração de várias partes do sistema solar e, do ponto de vista da Astrobiologia, ajudar a procurar vida fora da Terra. Do ponto de vista mais aplicado, trabalhamos também aqui a utilização da microbiologia, ou seja de micróbios, para facilitar a exploração espacial. Os micróbios estão associados a toda uma série de aspectos que são importantes para a exploração espacial e, por exemplo, um dos projectos que temos actualmente proposto para a Agência Espacial Chinesa é o estudo de amostras que foram recolhidas na Lua, no sentido de analisar as possibilidades de utilizar micróbios para consolidar poeira lunar e produzir materiais de construção. Esta é uma área muito interessante. Há micróbios que têm capacidade de produzir biominerais e, com isso, consolidar materiais soltos, ou seja, poeira, em materiais mais sólidos. Isto é tecnologia que já é utilizada na Terra com bastante sucesso e alguns investigadores têm proposto isto como maneira de baixar enormemente os custos de construção e instalação de uma eventual base lunar. O que é certo é que, até agora, nunca ninguém estudou a viabilidade deste tipo de abordagem. Por isso, parte de investigação que fazemos aqui também tem esta componente mais aplicada de auxiliar a exploração espacial.

Ou seja, essa produção de materiais a partir de poeira permitiria construir os componentes in loco?

Sim, porque a grande dificuldade que há está relacionada com os custos associados. Lembro-me de ser criança e de se falar que, um dia, iria haver uma base lunar e uma colónia em Marte, mas isso nunca se concretizou nos timings que se previa na altura. Se quisermos construir uma base na Lua, os custos associados a esta construção são muito elevados porque, actualmente, usando as abordagens tradicionais, temos de levar todo o material necessário da Terra para a Lua. Estamos a falar de volumes, pesos e cargas enormes e de inúmeros lançamentos de foguetões. Por ser uma tarefa muito complexa, vejo com muito bons olhos que se torne cada vez mais relevante centrar parte da discussão na utilização de recursos no próprio local, que acaba por ser uma coisa muito mais sustentável e, ao nível do planeamento, muito mais barata.

O material lunar para investigação já se encontra em Macau?

Ainda não, mas vamos receber. O Governo Central comprometeu-se a dar a Macau parte das amostras que foram recolhidas pela sonda Chang’e 5. Esta foi uma missão que teve um grande sucesso, as amostras foram recolhidas, já estão na China e estamos actualmente em fase de partição das amostras e discussão sobre os planos e forma de processamento. Será uma questão de mais algum tempo até chegarem a Macau.

Como tem sido a relação com a Agência Espacial Chinesa?

Temos tido um diálogo muito útil e que tem corrido muito bem. Há vários investigadores do laboratório que estão envolvidos em projectos passados, presentes e futuros da Agência Espacial Chinesa e, inclusivamente, foi recentemente anunciado o estabelecimento de um Centro da Agência Espacial Chinesa em Macau associado ao Laboratório de Referência Estatal. É de facto um sinal de que a Agência Espacial Chinesa tem um vínculo muito forte connosco e está fortemente envolvida na promoção desta ligação entre as duas instituições.

Que balanço faz desta experiência até agora?

Muito positivo. Gosto muito de estar em Macau e de trabalhar nesta área e neste centro. É uma grande honra ter a possibilidade de estar directamente envolvido com uma área de investigação tão importante e tão prioritária para os interesses da China e para os interesses da humanidade. Sobre a descoberta de vida fora da Terra, é a grande questão que a humanidade perguntou e que ainda está por responder. E estamos cada vez mais perto. Por isso, fico muito honrado e feliz que Macau tenha uma palavra a dizer e um contributo para chegarmos mais rapidamente a essa resposta.