BIENAL DE VENEZA

Mostrar o “milagre” de Macau

Os artistas Ung Vai Meng (esq.) e Chan Hio Io (dir.)
O trabalho do colectivo YIIMA, dos artistas Ung Vai Meng e Chan Hin Io, vai representar Macau na Bienal de Veneza 2022. Com apoio do curador João Miguel Barros, a obra ilustra as memórias sócio-culturais de Macau

Texto  Matias Samorim

“PARA mim, Macau é um milagre, onde durante quatro séculos, portugueses, chineses e muitos outros viveram sem grandes conflitos. Um laboratório onde todas as culturas podem florescer”, diz  Ung Vai Meng à Revista Macau.

Um milagre que o artista e antigo presidente do Instituto Cultural vai partilhar no Pavilhão de Macau na 59.ª Bienal Internacional de Arte de Veneza 2022, em parceria com o fotógrafo Chan Hin Io e o curador João Miguel Barros.

O júri reunido pelo Instituto Cultural seleccionou a “Alegoria dos Sonhos” entre 24 propostas apresentadas por 60 curadores e artistas locais.

Esta será a sétima vez que Macau participa na Bienal de Veneza, a mais antiga e maior plataforma para o intercâmbio de arte contemporânea, criada em 1985.

Chan Hin Io e Ung Vai Meng com o curador João Miguel Barros

No anúncio do resultado, o júri defendeu que a proposta “disseca a história singular e a miscigenação cultural de Macau”, indo assim ao encontro do tema da Bienal deste ano, “The Milk of Dreams”.

A exposição vai recorrer a vários suportes, incluindo uma enorme estátua, com quatro metros e meio de altura, projecção de vídeo e fotografias de grandes dimensões, com mais de dois metros de altura. Uma delas foi tirada numa casa tradicional chinesa, diz Ung Vai Meng, “muito antiga, mas que tem uma fotografia do Mário Soares”. O então Presidente português visitou a família chinesa durante uma das suas passagens por Macau.

O projecto vai também incluir casas tradicionais da comunidade macaense e católica. “É a verdadeira vida de Macau. É para documentar um momento, porque se calhar para o próximo ano esta casa, esta loja, este ambiente, já não existe”, explica o artista.


“Macau é um laboratório onde todas as culturas podem florescer”

UNG VAI MENG

A proposta para o Pavilhão de Macau começou em 2018, quando Ung Vai Meng e Chan Hin Io, o colectivo YIIMA (da expressão para “irmãos gémeos” em cantonês) organizaram uma exposição no Museu Berardo, em Portugal.

Uma das fotografias incluída nessa mostra era de uma casa que fora destruída pelo tufão Hato, que atingiu Macau em Agosto de 2017. “Há muitos cenários que já não existem”, diz o artista.

Obra interactiva

Todas as fotografias são reais, tiradas no local, mas nem por isso perdem um lado fantástico, por exemplo, com a presença de Ung Vai Meng e de Chan Hin Io vestidos de anjos. “Os anjos não têm limitações de espaço ou de tempo”, explica o artista.

Chan, o outro irmão gémeo, ri-se e assegura: “Este projecto foi pensado pelo Ung Vai Meng e pelo [João Miguel] Barros. Eu só estou ali para representar”.

A proposta inicial previa mesmo um ecrã táctil que permitisse aos visitantes do espaço de Macau em Veneza espreitarem ao pormenor as fotografias, mas o plano está a ser repensado por causa da pandemia da COVID-19, admite Ung Vai Meng.

A obra “Alegoria dos Sonhos” disseca a “história singular e a miscigenação cultural de Macau”

Outro destaque do Pavilhão de Macau será um quiosque de alumínio que irá albergar uma casa chinesa transplantada para Itália, com mais de 600 objectos. “As pessoas podem entrar no espaço, como se fosse um aquário, para ver tudo”, explica o artista.

“Um grande desafio” ainda por completar, diz Ung Vai Meng, é a tradução para italiano e inglês dos nomes de todos os 600 objectos, que farão parte de um enorme livro, com mais de 400 fotografias, que estará à disposição dos visitantes.

Os três mentores do projecto já foram entretanto à província vizinha de Guangdong, no Interior da China, encomendar a estátua, que será de madeira ou fibra de vidro, com um revestimento dourado. 

As peças terão que ser enviadas para Veneza até ao início do próximo ano de modo a que a montagem no Pavilhão de Macau – localizado mesmo em frente ao Arsenal, o principal edifício da Bienal – possa acontecer a tempo da abertura do evento, a 23 de Abril.

Durante os sete meses da Bienal, que decorre até 27 de Novembro, a “Alegoria dos Sonhos” vai tentar que “as pessoas conheçam melhor a Macau real, com a temperatura ambiente, com pessoas cá dentro”, ilustra Ung Vai Meng.