SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

Grandes desafios, grandes ambições

Central de energia solar em Nanchang, capital da província de Jiangxi
A China pretende assumir um papel de liderança global no combate às alterações climáticas. Para tal, o país propõe-se a reduzir a sua “pegada ecológica” de forma acelerada

Texto  Catarina Brites Soares

A META não podia ser mais ambiciosa: a República Popular da China pretende atingir, em menos de quatro décadas, a neutralidade carbónica. A cumprir-se o objectivo, o país será, segundo as autoridades nacionais, o mais eficiente à escala mundial no que toca à redução das emissões de carbono, principal causa das alterações climáticas que ameaçam o futuro do planeta.

O rápido crescimento económico da China nas últimas três décadas, assente numa forte componente industrial, teve como efeito colateral fazer do país o maior emissor do planeta, em termos totais, de gases com efeito de estufa (embora, em termos per capita, a China apresente valores bastante mais baixos do que a maioria dos países desenvolvidos). O Presidente Xi Jinping quer reduzir a “pegada ecológica” chinesa: garantir a neutralidade carbónica até 2060 e atingir o pico das emissões de gases poluentes antes de 2030 são os principais compromissos nesse sentido.

“As mudanças climáticas são um desafio para toda a Humanidade. O desenvolvimento da nação chinesa e o futuro do planeta dependem de solucionar o problema.” O repto está no documento “Responder às Mudanças Climáticas: Políticas e Acções da China”, lançado em Outubro do ano passado pelo Conselho de Estado, o qual discrimina as políticas nacionais para converter o país numa referência capaz de compatibilizar desenvolvimento e sustentabilidade.

Principais metas ambientais da China até 2030

1. Reduzir em mais de 65 por cento a intensidade carbónica do país face ao nível de 2005. O indicador é calculado com base na produção de gases com efeito de estufa por unidade de produto interno bruto

2. Gerar 25 por cento do consumo total de energia do país a partir de fontes não fósseis

3. Aumentar o volume de densidade florestal em seis mil milhões de metros cúbicos em relação ao nível de 2005

4. Aumentar a capacidade instalada de produção de energia eólica e solar para mais de 1,2 mil milhões de kW

O tema é uma preocupação global. No ano passado, a China e os outros 195 países presentes na 26.ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP26), que teve lugar em Glasgow, na Escócia, alcançaram um pacto que procura evitar que as temperaturas subam mais de 1,5 graus Celsius por comparação à época pré-industrial, no seguimento do que havia sido acordado anteriormente, em 2015, através do Pacto de Paris. Pela primeira vez na história das COP, as palavras “carvão” e “combustíveis fósseis” constaram no texto final.

Novo modelo

Reduzir as emissões de gases poluentes é a prioridade das autoridades nacionais. Espera-se que, até 2060, 80 por cento da energia consumida na China provenha de fontes renováveis. Num vídeo enviado à última Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Setembro do ano passado, Xi Jinping garantiu que a China vai deixar de construir centrais de carvão noutros países.

O Governo Central assume que os desafios causados pelas mudanças climáticas são reais, severos e prolongados. “A resposta exige um esforço conjunto de toda a comunidade internacional se queremos deixar um mundo limpo e agradável às futuras gerações. A China honrará as suas promessas”, lê-se no documento “Responder às Mudanças Climáticas: Políticas e Acções da China”. Cumprir os objectivos definidos no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas está no topo da lista.

– LER MAIS | Aposta nos créditos de carbono –

Um dos desafios do país prende-se com a sua exposição ao carvão, fonte de energia particularmente poluente. Também aí estão a ser realizados ganhos: o peso do carvão no “mix” de consumo energético da China caiu de 72,4 por cento em 2005 para 56,8 por cento em 2020, de acordo com o Conselho de Estado.

“Sendo o maior país em vias de desenvolvimento do mundo, a China adoptou uma série de medidas, políticas e acções para combater as alterações climáticas e participar na governança global ao nível do clima, apesar das dificuldades que isto cria à economia e desenvolvimento social do país”, ressalva o Conselho de Estado. No documento oficial que detalha as respostas ambientais, as autoridades nacionais afirmam que o país “está centrado no desenvolvimento de um sector energético ‘verde’ e de baixa intensidade carbónica, e em acelerar a formação de estruturas industriais, modos de produção, formas de trabalho e de vida e configurações espaciais que ajudem a conservar os recursos naturais e a proteger o ambiente”.

Investimento significativo

O académico Joseph Hun-Wei Lee nota que a China é responsável, à escala mundial, por 27 por cento das emissões de gases com efeito de estufa, mas que está em processo de mudança. “O país desenhou e tem implementado medidas significativas para combater as alterações climáticas”, afirma. O professor do Instituto de Pesquisa Ambiental da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, que é também presidente da instituição de ensino superior, destaca medidas como o controlo do consumo energético, o incentivo à produção de energia limpa e o investimento em ecossistemas capazes de absorver dióxido de carbono. A neutralidade carbónica “é uma meta ambiciosa e louvável, construída com base no progresso sólido da última década”, defende Joseph Lee.

O caminho, acrescenta, é promissor, atendendo ao compromisso que o país tem demonstrando. “Tem havido um investimento significativo para promover o desenvolvimento de novas formas de energia, veículos eléctricos e energia solar, entre outras medidas que visam a construção de uma sociedade ecológica”, considera. “Tanto a China como o mundo percebem que temos de combater as alterações climáticas em todas as frentes.”

Resultados à vista

Os esforços ambientais da China já se traduziram em diversos ganhos, desde a redução do peso relativo das emissões de carbono na economia do país ao aumento das zonas verdes

-48%

Diminuição da intensidade carbónica da China entre 2005 e 2020. O país quer atingir uma redução, agora de 18 por cento, entre 2020 e 2025.

15,9%

Consumo energético total do país em 2020 assegurado por fontes não fósseis, uma subida de 8,5 pontos percentuais em relação a 2005.

474

Número total de reservas naturais existentes na China, representando um décimo da massa terrestre do país.

FONTE: CONSELHO DE ESTADO DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA

Limitar o desenvolvimento desordenado de projectos de alto consumo energético e alta emissão de gases com efeito de estufa é uma das prioridades das autoridades nacionais. A par disso, o país está empenhado em soluções que permitam aumentar a sua capacidade natural de absorção de carbono: a China é líder global ao nível dos programas de reflorestação desenhados para reduzir a erosão do solo e a poluição.

Outro sector determinante rumo a um futuro sustentável é o dos transportes, tendo em conta que é responsável por cerca de 10 por cento das emissões de carbono do país, de acordo com a agência noticiosa oficial Xinhua. A China é já, desde 2015, o maior mercado mundial em volume de vendas de veículos eléctricos e híbridos, com uma frota superior a seis milhões de unidades, de acordo com dados de Junho de 2021, havendo planos para que todos os carros novos vendidos no país sejam eléctricos ou híbridos em 2035. Outras medidas incluem um maior recurso ao transporte ferroviário e marítimo, e a correspondente redução do uso do transporte rodoviário.

– LER MAIS | Ambiente também é prioridade em Macau –

Thomas Lei Man Tat, professor assistente da Universidade de São José em Macau, assinala que Pequim está a fazer um esforço para reduzir o impacto das mudanças climáticas. O académico destaca a ambição de atingir o pico de emissões antes de 2030 e a neutralidade carbónica até 2060. “É uma promessa corajosa para um dos países com mais população no mundo. Acredito ser um objectivo exequível”, diz.

O professor do Instituto de Ciência e Ambiente da Universidade de São José releva alguns objectivos traçados já para 2030, como o aumento para 25 por cento da fatia de energia primária para consumo produzida a partir de fontes não fósseis. Outro é atingir uma capacidade instalada de produção enérgica a partir de centrais eólicas e solares superior a 1,2 mil milhões de kilowatts até 2030 – o que, explica Thomas Lei, pode reduzir consideravelmente a dependência do carbono. “A transição vai demorar, mas as metas definidas mostram que o Governo Central está determinado a combater o avanço das alterações climáticas”, diz o académico.