CABO VERDE

Licenciatura em Estudos Chineses abre novas vias de cooperação

A sessão oficial de abertura da licenciatura decorreu em Novembro
Cabo Verde e a República Popular da China estão agora ainda mais próximos, com a nova licenciatura em Estudos Chineses da Universidade de Cabo Verde. O curso não só eleva para um novo patamar os laços de cooperação entre os dois países, como abre novas oportunidades de emprego para os jovens cabo-verdianos, dentro e fora do país

Texto  Gisela Coelho

RÚBEN Andrade, Eliane Moniz e Edson Semedo são três jovens cabo-verdianos que integram a primeira turma de 18 alunos da Licenciatura em Línguas, Literaturas e Culturas – Estudos Chineses da Universidade de Cabo Verde (Uni-CV). No horizonte, têm expectativas de oportunidades de futuro proporcionadas por uma língua e cultura “diferentes”, da qual esperam vir a ser embaixadores.

O curso de ensino superior arrancou em Novembro do ano passado, com duração de quatro anos. É o primeiro do género no país, sendo coordenado pelo Instituto Confúcio na Uni-CV.

Aos 28 anos, Rúben Andrade mostra-se entusiasmado com o ingresso na licenciatura. O seu objectivo já está traçado: ser professor de mandarim no ensino secundário, para fazer com que outros jovens se “apaixonem” pela língua, como sucedeu consigo.

O diploma universitário pode fazer a diferença em termos de oportunidades, mas Rúben Andrade já veste a pele de tutor. Estudou mandarim no Instituto Confúcio na Uni-CV e agora ajuda quem quer aprender o idioma.

A sua ligação às culturas asiáticas começou na adolescência, com o japonês, seduzido pela animação nipónica. Acabou por mudar para o mandarim, atraído pelo potencial da língua e cultura chinesas em Cabo Verde. “Tirei listas de palavras básicas na internet e comecei a praticar”, recorda.

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O interesse pelo mandarim foi crescendo e aos 16 anos começou a ter acompanhamento de uma jovem cabo-verdiana que tinha estudado na China. “Ela começou a dar-me aulas grátis todos os domingos. Durou poucos meses, mas foi o trampolim que eu necessitava.”

Rúben Andrade pretende, através do mandarim, poder ser útil aos membros da comunidade chinesa radicada na capital cabo-verdiana, a cidade da Praia. “Adaptarem-se à nossa realidade (de Cabo Verde) pode ser um desafio”, refere. “Então, quero transmitir-lhes a cultura cabo-verdiana e ajudá-los a ver o lado bom de estar aqui e aproveitar o que temos.”

Rúben Andrade já esteve duas vezes na China, “um país gigantesco, com uma cultura extremamente rica e diversificada”. Rendido à culinária, vestuário, música, teatro e até à arquitectura, são, porém, a “mentalidade” e os “olhos que farejam oportunidades onde normalmente não as vemos” aquilo que mais o atrai no povo chinês e o leva a querer aprender mais sobre a cultura da China.

Um mundo novo

Menos experiência, mas nem por isso menos interesse pela língua e cultura chinesas, tem Eliane Moniz, de 20 anos. Começou a aprender mandarim há cinco anos, de forma informal, com amigos que estudavam no Instituto Confúcio na Uni-CV. O interesse foi crescendo e acabou por se inscrever também no Instituto, para aprofundar os seus conhecimentos.

“Sempre tive muito interesse por culturas asiáticas. Sempre achei muito interessante a forma de escrita do mandarim”, diz. “A minha irmã começou a aprender mandarim e foi para a China estudar e isso aumentou ainda mais o meu interesse”, revela.

O corpo docente do curso é composto por professores chineses e cabo-verdianos

A licenciatura da Uni-CV surgiu como forma de “aprender algo mais” e obter um diploma universitário. “Espero que essa nova área amplifique o mercado de trabalho e traga mais empregos”, afirma Eliane Moniz.

Um dos atractivos do curso é o facto de os alunos irem estudar para a China durante um semestre. “Sempre quis conhecer o país”, reconhece a jovem cabo-verdiana.

Depois de terminada a licenciatura, Eliane Moniz pretende tornar-se professora de mandarim. “Provavelmente, serei professora de ensino secundário, mas pretendo aprofundar os meus estudos e, futuramente, ser professora universitária e tradutora”, almeja.

Tal como Rúben Andrade, aponta a escrita dos caracteres chineses como um dos desafios na aprendizagem do idioma. “Com o tempo, vai-se levando o jeito e consegue-se escrever melhor e com mais facilidade”, garante.

Promover o mandarim

À semelhança dos seus dois colegas de curso, também Edson Semedo, 22 anos, teve curiosidade em aprender “coisas diferentes”, caminho que o levou a estudar mandarim na escola. “Em 2018, fui para o Instituto Confúcio, acabei por ficar a gostar ainda mais de mandarim e continuei a fazer os meus estudos”, recorda.

O jovem admite que, no início, a aprendizagem do mandarim parece algo complexa. “Os caracteres exigem muito, para praticar e memorizar. Acho que isso é mesmo a parte mais difícil”, diz, acrescentando que a prática torna tudo mais simples.

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Os planos de Edson Semedo passavam por ir aprender mandarim na China: o objectivo era ganhar “mais experiência” através de uma aprendizagem imersiva da língua e cultura chinesas. Só que a pandemia da COVID-19 e as restrições ao nível das viagens internacionais trocaram-lhe as voltas e acabou por ficar em Cabo Verde. Foi então que surgiu a oportunidade de integrar a primeira turma da licenciatura em Estudos Chineses da Uni-CV.

“Eu gosto muito de aprender línguas diferentes. Acho que é muito importante. Quantas mais línguas aprendemos, mais ambição”, defende o jovem, avançando que quer ficar “mais engajado no meio do ensino e trabalhar na área da cooperação ou nas escolas”, para dar o seu contributo para “desenvolver o mandarim em Cabo Verde”.

De Fujian para a Praia

Ruan Zuoying, natural da província de Fujian, chegou a Cabo Verde em Setembro de 2019, no âmbito de um projecto-piloto de introdução do mandarim nas escolas secundárias de três concelhos do país (Mindelo, Praia e Assomada), iniciado em 2017. Agora é um dos quatro professores chineses que integram o corpo docente da licenciatura em Estudos Chineses da Uni-CV.

“Rúben”, nome adoptado por Ruan Zuoying em Cabo Verde, já fala português e crioulo, línguas que usa para ensinar os caracteres chineses aos seus alunos. Se a parte da escrita é a “mais difícil” do mandarim, já a parte oral “não é muito complicada” para os estudantes cabo-verdianos, porque “é muito semelhante ao crioulo”, diz.

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A sua “paixão” sempre foi pela língua materna, sendo licenciado e mestre no ensino do mandarim para estrangeiros. Hoje, diz-se bem integrado em Cabo Verde, tendo anteriormente leccionado mandarim em dois liceus locais. “Gosto muito de estar em Cabo Verde”, garante, elogiando a “simpatia das pessoas”.

Ruan Zuoying explica que, no âmbito da licenciatura em Estudos Chineses da Uni-CV, “o importante é a língua”, mas também há uma componente de conhecimento sobre a China. “Temos muitas lojas chinesas em Cabo Verde, mas, na verdade, os cabo-verdianos não conhecem bem o país, nem as pessoas da China. O curso é também uma forma de se conhecer a cultura chinesa”, garante o docente, dizendo acreditar que a licenciatura pode servir para aproximar mais a população de Cabo Verde e os cerca de 2000 chineses radicados no país.

Cronologia de uma licenciatura

Para que a licenciatura em Estudos Chineses fosse uma realidade, houve um longo caminho a percorrer. O primeiro passo foi a constituição de um Instituto Confúcio na universidade, em 2015, com o apoio da Universidade de Estudos Estrangeiros de Guangdong, recorda Ermelinda Tavares, directora cabo-verdiana do organismo dedicado à promoção do mandarim.

O projecto de criação de uma licenciatura começou a ser concebido pelo Instituto a partir de 2017, no seguimento de um protocolo com o Ministério da Educação de Cabo Verde para a introdução do ensino do mandarim nas escolas secundárias dos concelhos do Mindelo, Praia e Assomada. O objectivo do curso superior era já formar professores locais para leccionarem a língua chinesa nas escolas de Cabo Verde.

A proposta ficou concluída em 2018 e foi aprovada no ano seguinte, tendo sido depois assinado um memorando de entendimento entre o Instituto Confúcio e a Faculdade de Ciências Sociais, Humanas e Artes da Uni-CV para a criação da licenciatura. A acreditação oficial do currículo ficou completa em meados do ano passado e as aulas arrancaram a 29 de Novembro, com 18 alunos, apoiados por um corpo docente composto por professores chineses e cabo-verdianos.

As aulas da licenciatura em Estudos Chineses decorrem no novo campus da Universidade de Cabo Verde, cuja construção foi financiada pela China

“A maioria dos alunos teve a oportunidade de estudar anteriormente a língua chinesa no liceu e outros no Instituto Confúcio”, explica Ermelinda Tavares. Um dos requisitos preferenciais para entrada na licenciatura foi a apresentação de um certificado de nota positiva no teste de proficiência em língua chinesa conhecido por HSK.

Na óptica da directora do Instituto Confúcio, a licenciatura representa o reforço da “velha amizade e cooperação” entre os povos de Cabo Verde e da China, mas também uma oportunidade de empregabilidade para os futuros licenciados, nomeadamente como professores de mandarim no ensino secundário. Além disso, “a probabilidade de ganharem bolsas de pós-graduação para a China é grande”, acrescenta.

Entretanto, as aulas de mandarim também prosseguem no Instituto Confúcio na Uni-CV, em sistema de aulas livres para o público em geral, alunos de outros cursos da universidade, professores e alunos recém-graduados do ensino secundário. No final de Novembro, havia mais de 30 alunos inscritos no Instituto, estando cinco já a frequentar um nível avançado de aprendizagem.