ENTREVISTA

Para além do serviço social: a união dos moradores

Ng Siu Lai, presidente do Conselho de Administração da UGAMM
A União Geral das Associações dos Moradores de Macau (UGAMM), uma das maiores associações tradicionais da cidade, passou de um grupo que providenciava serviços comunitários para uma instituição com um papel importante tanto na rede de serviços sociais da região como no domínio político. A presidente do Conselho de Administração da UGAMM, Ng Siu Lai, falou à Revista Macau sobre a história da organização, também conhecida por “Kai Fong”, e os compromissos para o futuro

Texto  Stephanie Lai

Como foi fundada a UGAMM e quais eram os objectivos aquando da sua criação?

A UGAMM foi formalmente criada em 1983 e é actualmente um grupo composto por 28 associações de moradores, como o nome sugere.

A fundação destas associações de moradores remonta à época dos anos 50. O primeiro conjunto de associações de moradores incluía a “Associação de Bem-Estar dos Moradores de Macau”, a “Associação de Mútuo Auxílio dos Moradores da Marginal” e a “Associação de Mútuo Auxílio dos Moradores de Mong-Há”. Associações deste tipo foram sendo criadas praticamente em todos os bairros e ruas da cidade.

Naquela altura, as associações tinham como função suprir necessidades sociais, complementando os serviços providenciados pelo governo. O único objectivo destas associações de moradores era, pois, apoiar os residentes que enfrentavam algumas dificuldades de subsistência ou problemas de segurança, fomentando, ao mesmo tempo, a união. Por exemplo, nos primórdios das associações de moradores, estas tinham equipas de segurança e inspecção, bem como um serviço próprio de combate a incêndios. Quando patrulhavam os bairros à noite, a missão era garantir que tudo estava bem, já que naquela altura a comunidade não era tão segura e abastada. As associações também ajudavam com os serviços funerários, algo que era realmente caro para algumas famílias mais carenciadas.

28

Número de associações de moradores que compõem a UGAMM

Em 1983, as várias associações de moradores juntaram-se numa única organização. Porquê esta decisão?

Os nossos antecessores queriam ter um grupo mais forte e unido, reunindo as 24 associações de moradores que serviam a comunidade naquela época. Foi essa a razão pela qual uma organização central foi criada em 1983. A decisão teve também como objectivo apoiar a nossa comunidade numa transferência mais tranquila e estável da administração de Macau para a China, assim como criar uma unidade de serviço social mais profissional e centralizada.

De que forma é que a UGAMM apoiou a transferência da administração de Macau para a China?

A UGAMM participou directamente nesse processo. Os nossos líderes na altura, Lao Kuong Po e Ung Si Meng, participaram no processo de consulta e elaboração da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), tendo, por exemplo, organizado alguns fóruns para saber o que os moradores pensavam sobre a Lei Básica.

A UGAMM foi também incumbida de divulgar o processo de transferência da administração de Macau e promover um melhor conhecimento do nosso país junto do público. Foram também realizados alguns encontros e eventos comemorativos. Foi este trabalho que a organização – em conjunto com as várias associações de moradores – fez entre 1983 e 1999.

Alguns dos centros de serviço da UGAMM foram usados para os testes em massa à COVID-19, organizados este ano pelo Governo de Macau

Foi também na década de 80 que, após a criação da UGAMM, os seus membros começaram a envolver-se directamente na política de Macau?

Sim. Na UGAMM, dizemos sempre que temos duas metas: uma é empenharmo-nos no serviço social; outra é participarmos na política.

Além de desempenharmos um papel de apoio à transferência da administração de Macau, nunca interrompemos a nossa participação nas eleições para a Assembleia Legislativa. O nosso primeiro membro a candidatar-se a um lugar de deputado foi Lao Kuong Pao, que representou a União Promotora para o Progresso. Também fomos representados por Iu Iu Cheong e Leong Heng Kao como membros do Conselho Municipal. Estas foram iniciativas que ajudaram a que as opiniões dos moradores locais fossem ouvidas na Assembleia Legislativa.

Nas últimas décadas, a UGAMM também se transformou gradualmente, passando de um grupo de serviço comunitário para uma organização com grande impacto social na RAEM.

Desde a criação da UGAMM, em 1983, foram sendo criados, passo a passo, vários tipos de serviços comunitários: o primeiro foi o nosso centro recreativo para idosos, que se tornou um importante serviço; depois, estabelecemos centros para jovens e ainda uma escola que oferece educação desde o jardim de infância até ao ensino secundário.

Na década de 90, a UGAMM também foi uma das pioneiras a recrutar assistentes sociais qualificados para os seus serviços comunitários. Naquela altura, não era exigido que contratássemos assistentes sociais qualificados, mas os nossos antecessores consideraram que o serviço social não é algo que possa ser feito apenas por puro espírito de missão, também deve exigir alguma capacidade profissional.

Damos tanta ênfase às obras sociais para idosos como às destinadas a jovens e, para estes últimos, também criámos um serviço que vai ao terreno para contactar quem se encontra em situação de risco.

Depois, em 2009, ganhámos o concurso do Governo para o serviço de teleassistência a idosos, o “Peng On Tung”. Foi a primeira vez que participámos num concurso público e temos prestado este serviço desde há cerca de uma década. O nosso esforço também tem sido reconhecido pela sociedade. Começámos como um simples grupo de serviço comunitário, que hoje oferece uma ampla gama de serviços sociais de forma muito profissional.

A UGAMM continua comprometida em prestar à comunidade local serviços complementares aos serviços sociais prestados pelo Governo da RAEM?

Em muitos desses serviços, estamos a trabalhar em conjunto com o Governo da RAEM, por isso trata-se mais de uma parceria. A nossa vantagem é que, como grupo cívico, temos muita flexibilidade na alocação de pessoas e recursos, e somos capazes de responder a quaisquer mudanças nas necessidades sociais. Assim como na década de 80 identificámos as necessidades de serviços de lazer para idosos e jovens, também em 2009 respondemos à chamada do Governo para disponibilizar teleassistência 24 horas por dia aos idosos, através de um aparelho que complementa o apoio ao domicílio. Entretanto, já expandimos os nossos serviços à Região da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau.

A UGAMM já expandiu os seus serviços à Região da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau

Onde se situam os centros de serviços da UGAMM na Região da Grande Baía?

Em 2018, estabelecemos um centro de serviços em Sanxiang, na cidade de Zhongshan; depois, em 2019, criámos um centro de serviços abrangente em Hengqin. No final do ano passado, lançámos um novo centro de serviços na área de Gongbei, em Zhuhai, e este ano também iniciámos a operação de mais três centros de serviços em Hengqin. Isto demonstra que a UGAMM é capaz de acompanhar de perto quaisquer novas necessidades sociais dos residentes, incluindo idosos.

Quais são as principais diferenças entre essas filiais na Região da Grande Baía, em termos do tipo de serviços que a UGAMM oferece ou da comunidade alvo?

O de Sanxiang é dirigido a residentes de Macau, porque muitos reformados optaram por viver aí. Portanto, o nosso centro de serviços é como um ponto de encontro para eles, e também os ajudamos em questões como os regulamentos para a compra de imóveis locais, ou até mesmo em disputas com vizinhos.

Durante a pandemia da COVID-19, esse centro desempenhou um papel bastante importante, porque, através de nós, o governo de Sanxiang distribuiu máscaras a esses residentes, numa altura de escassez. Também ajudámos esses idosos a viver em Sanxiang na obtenção de medicamentos e outros bens de primeira necessidade. Além disso, o centro é um meio para disseminar, junto destes residentes, informação sobre quaisquer mudanças de políticas em Macau, e também localmente, em Zhongshan.

Os centros de serviço em Hengqin, por outro lado, não se destinam apenas a residentes de Macau, mas também a residentes locais do Interior da China. Estamos a trabalhar com o governo local para fornecer serviços sociais lá e isso, por si só, é um formato inovador no Interior da China, pois estamos a levar o nosso modelo de serviço social para lá.

Hengqin é uma cidade de migrantes: tem residentes que vêm de Macau, pessoas do extremo norte do país, bem como das cidades vizinhas de Zhuhai e Zhongshan. Assim, para os residentes de Macau que aí vivem, os principais problemas que requerem a nossa ajuda são a familiarização com as políticas e leis locais. Quanto às famílias do Interior da China que moram em Hengqin, muitas incluem pais idosos que moram com os filhos ou filhas que trabalham. Este é um grupo de pessoas que ajudamos disponibilizando serviços de aconselhamento, fisioterapia, actividades de lazer e uma cantina onde podem desfrutar de um local de encontro e refeições subsidiadas. Os jovens casais que moram em Hengqin – muitos deles são de outras partes do Interior da China – necessitam muito de creches para crianças. Assim, atendemos a essa necessidade e também organizamos algumas actividades familiares ao fim-de-semana, que são bastante populares.

Os centros de serviço no Interior da China são apoiados pelas entidades governamentais?

Em Hengqin, o formato é mais como se o governo local adquirisse os nossos serviços sociais. Mas, em Sanxiang, a operação depende dos recursos internos da UGAMM, ou dos nossos doadores, por assim dizer.

Desde a sua criação, a UGAMM tem providenciado vários tipos de serviços comunitários

A pandemia da Covid-19 tem sido um período difícil e já dura há quase dois anos. Durante este período, de que forma a UGAMM tem apoiado a comunidade local?

No início, muitos sentiram-se stressados e sem saber como reagir. Para nós, garantir máscaras nos primeiros seis meses da pandemia foi uma grande dor de cabeça, pois o fornecimento era escasso. Mas, desde o princípio, temos apoiado totalmente as medidas de prevenção da COVID-19 lançadas pelo Governo da RAEM.

Por exemplo, transformámos algumas das nossas instalações em pontos de venda de máscaras subsidiadas pelo Governo. Essa medida durou até há pouco tempo, quando o fornecimento de máscaras estabilizou. Também disponibilizámos três dos nossos centros de serviço para os testes em massa à COVID-19, promovidos pelo Governo de Macau.

Mesmo quando a COVID-19 nos criou os maiores obstáculos, não interrompemos os nossos serviços que vão ao terreno apoiar as famílias: continuámos a disponibilizar refeições e apoio ao domicílio aos idosos; a nossa linha de teleassistência Peng On Tung 24 horas por dia também não foi interrompida.

Também lançámos uma linha directa para aconselhamento, direccionada a estudantes, idosos ou pessoas com necessidades, na altura em que as escolas e creches tiveram de encerrar.

Para as pequenas e médias empresas, realizámos três rondas de questionários para saber o que pensam do ambiente de negócios e qual o apoio político de que precisam. Todos os dados recolhidos foram transmitidos ao Governo da RAEM.

Quanto ao público em geral, ajudámos na actualização de informações sobre o programa de vales de consumo e o código de saúde, bem como na educação sobre boas práticas de higiene, para se protegerem durante a pandemia.