Portugueses em Macau

Portugal no coração, mas a casa é de todos

Uma comunidade em constante reinvenção. É assim que Amélia António caracteriza a comunidade portuguesa radicada no território. A presidente da Casa de Portugal em Macau afirma que a cultura portuguesa permanece viva na cidade e desperta, aparentemente, mais interesse do que nunca junto da comunidade chinesa

Texto Marco Carvalho

Todo o mundo é composto de mudança. Amélia António não evoca directamente a obra do príncipe dos poetas portugueses, mas o verso – um dos mais conhecidos da poesia lírica de Luís de Camões – ecoa com irrefutável familiaridade no retrato que a dirigente da Casa de Portugal em Macau traça da comunidade portuguesa radicada na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), volvidas que estão mais de duas décadas sobre o regresso do território à administração chinesa.

Desde 2005 à frente dos destinos da maior associação de matriz portuguesa de Macau, Amélia António viu a comunidade encolher, depois crescer de novo, rejuvenescer-se e transformar-se, ao ponto de ocupar espaços e assumir funções que não desempenhava tradicionalmente. Muda-se o ser, muda-se a confiança e para a presidente da Casa de Portugal em Macau, a perspectiva da reinvenção constante é a que melhor define a forma como a comunidade portuguesa evoluiu nas duas últimas décadas.

“A comunidade portuguesa com origem fora de Macau é hoje bastante mais jovem do que era, eventualmente, aquando da transição”, esclarece Amélia António. “Das pessoas que chegaram a Macau nos últimos anos, a maior parte é gente jovem que vinha orientada para o desempenho de determinadas actividades, a maioria talvez já com alguma indicação”, complementa a dirigente associativa.

Em Agosto do ano passado, um total de 0,3 por cento da população de Macau era natural de Portugal. De acordo com o relatório final do Censos 2021, das 682.070 pessoas que constituíam, na altura, a população do território, 2213 nasceram em Portugal, contra as 1835 contabilizadas em 2011. A comunidade é pequena, reconhece Amélia António, mas a sua grandeza não se mede pela força dos números, afirma.


“A comunidade portuguesa com origem fora de Macau é hoje bastante mais jovem do que era”

AMÉLIA ANTÓNIO
PRESIDENTE DA CASA DE PORTUGAL EM MACAU

“No dia em que a comunidade portuguesa não tiver uma actividade sistemática e permanente em Macau, uma presença em Macau, há muita coisa que se vai alterar. Aquelas características da cidade multicultural, com uma herança cultural que atravessa vários séculos, que influenciou a cultura local e que teve importância a todos os níveis – da arte à gastronomia, passando pela maneira de viver –, acabarão por se apagar”, sustenta a dirigente associativa. “A influência da comunidade portuguesa, na minha opinião, é muito importante para manter essas características, para manter aquilo que definia Macau como uma zona diferente da restante República Popular da China”, acrescenta.

Alma portuguesa, raízes locais

A missão de salvaguardar o legado cultural português em Macau foi um dos desígnios que nortearam a criação, a 1 de Junho de 2001, da Casa de Portugal em Macau. Desde então, o organismo conseguiu vincar posições em domínios tão distintos como o panorama desportivo, cultural ou mesmo educativo do território, através de uma singular aposta na formação profissional. 

“O trabalho que a Casa tem feito em termos de divulgação cultural e na formação de novos valores, não só através dos eventos, mas sobretudo através das actividades da Escola de Artes e Ofícios – os workshops, os cursos, as exposições –, é uma forma muito prática, e muito próxima das pessoas, de transmitir o conhecimento de uma cultura diferente. Através da arte é possível passar muito da maneira de ser, da maneira de estar no mundo, da maneira de lidar com tudo o que nos rodeia”, sublinha a também advogada. “Através da arte, estas coisas tornam-se mais acessíveis às pessoas. Esta aposta tem permitido que a comunidade local, nomeadamente a comunidade chinesa, possa usufruir de um maior acesso à cultura portuguesa”, reforça Amélia António.

O trabalho desenvolvido pela Casa de Portugal em Macau ao longo dos últimos 21 anos permitiu, por exemplo, que cabeçudos e gigantones percorressem as ruas do território em vistosos cortejos, que crianças de diferentes proveniências e estratos culturais vibrassem com robertos e marionetas e que miúdos e graúdos descobrissem os segredos e os encantos de ofícios como a azulejaria, a joalharia ou a pintura de porcelana. 

As actividades culturais são fundamentais para apresentar a cultura portuguesa

A Casa de Portugal em Macau é uma casa portuguesa, com certeza, mas é também – e cada vez mais – uma parte fundamental de Macau. Do Festival de Artes ao Arraial de São João, passando pelo Festival da Lusofonia e pelo Festival Fringe, a Casa de Portugal em Macau está, desde há vários anos, presente nos principais momentos da vida cultura do território e é cada vez mais procurada pela população local, garante a dirigente.

“Há áreas específicas da actividade da Escola de Artes e Ofícios que são, sobretudo, frequentadas ou procuradas por alunos locais, pessoas que têm uma vaga ideia do que é Portugal e querem conhecer mais, querem aprender. Nos últimos anos – pelo menos nos últimos três anos –, em todas as actividades que organizámos para crianças, quase 90 por cento dos inscritos foram crianças locais”, nota Amélia António. “No meu entender, estas actividades são muito importantes, exactamente por propiciarem uma abertura a novos horizontes, a uma cultura diferente. Permitem que, quer os crescidos, quer as crianças, possam perceber que o mundo é maior, que há muitas maneiras de estar e que há muito a aprender por esse mundo fora. Eu acho que este é um dos aspectos fundamentais do trabalho que a Casa tem conseguido fazer ao longo de todos estes anos”, assume.

A exemplo do que sucede com as demais associações lusófonas da RAEM, a Casa de Portugal em Macau também foi convidada a criar o seu próprio espaço de representação no edifício-sede do Secretariado Permanente do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. Amélia António diz que a organização que lidera nunca voltou as costas aos desafios lançados pelas autoridades locais, mas lembra, ainda assim, que a vocação do organismo sempre teve uma natureza distinta, a de aproximar os povos através da cultura.

“Acho que temos um papel diferente. Quando alguém nos pede apoio para qualquer evento, para qualquer realização em que a nossa presença possa ser uma mais-valia – para a divulgação, para dar mais valor, para dar mais impacto a qualquer evento –, nós, desde que possamos, estamos sempre abertos para ajudar. A nossa posição é tentar fazer sempre o máximo a todos os níveis, mas, sobretudo, na área cultural, até porque não há quem o faça”, esclarece.