E-learning

Português na ponta do teclado

Intuitiva, interactiva e inovadora: a página electrónica “Português à Vista” disponibiliza uma nova plataforma digital desenvolvida em Macau, única pelo tipo de utilização que faz das novas tecnologias para o ensino da língua portuguesa

Texto Vitória Man Sok Wa

O Departamento de Línguas e Cultura da Faculdade de Artes e Humanidades da Universidade de São José lançou em Maio uma plataforma digital inovadora de ensino de português, com diversos materiais audiovisuais. Denominada de “Português à Vista”, a ferramenta de e-learning de acesso livre e gratuito está disponível em https://portuguesavista.com. Para o desenvolvimento dos materiais didácticos e exercícios interactivos, foram utilizados conteúdos de vários géneros, muitos dos quais sobre Macau e os países de língua oficial portuguesa.

O projecto foi financiado pelo Fundo do Ensino Superior do Governo da Região Administrativa Especial de Macau (actualmente Fundo Educativo). Oferece cerca de 100 vídeos e centenas de propostas de actividades, que visam desenvolver competências linguísticas de compreensão oral e leitura.

Por detrás do projecto está João Paulo Pereira, docente da Universidade de São José, um investigador dedicado à área do português como língua estrangeira. Para além de Portugal, o académico soma experiências de ensino na Guiné-Bissau, Suíça e São Tomé e Príncipe, tendo-se mudado para Macau em 2013.

Ao verificar a escassez de materiais didácticos e de apoio audiovisual para o ensino do português, João Paulo Pereira teve a ideia de criar uma ferramenta digital de aprendizagem. “Quando, através da então coordenadora do Departamento de Estudos Portugueses, Prof. Vera Borges, tive conhecimento de que existia uma linha de financiamento do [então designado] Fundo do Ensino Superior para o desenvolvimento de projectos de investigação na área da língua portuguesa, decidi apresentar uma candidatura”, explica João Paulo Pereira à Revista Macau.

De acordo com o académico, a plataforma “Português à Vista” conta actualmente com “100 sequências didácticas, baseadas em notícias televisivas, documentários, videoclipes, curtas-metragens, etc., organizadas por temas e por níveis de proficiência linguística (do nível A1, inicial, ao nível C1, avançado)”. Muito do material tem como base conteúdos do “mundo real”, originados por entidades como a TDM – Teledifusão de Macau e o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau).


“Este é um projecto feito em Macau e para Macau”

JOÃO PAULO PEREIRA
RESPONSÁVEL PELA PLATAFORMA “PORTUGUÊS À VISTA”

Embora o projecto tenha envolvido várias pessoas, o processo de desenvolvimento dos materiais didácticos esteve todo a cargo de João Paulo Pereira. Segundo diz, tal implicou uma série de etapas, “desde a selecção dos vídeos e legendagem, até aos pedidos de autorização para inclusão dos conteúdos audiovisuais na plataforma”, passando pela “criação dos critérios e das sequências didácticas”.

Apesar da elevada carga de trabalho para implementar a iniciativa, João Paulo Pereira diz que alguns dos obstáculos enfrentados, nomeadamente ao nível do desenvolvimento de software, foram estimulantes. “Foi um trabalho conjunto entre profissionais de áreas muito diferentes, mas houve uma excelente articulação, tendo a plataforma funcionalidades que não estavam inicialmente previstas.”

Criar os próprios exercícios

Uma funcionalidade inovadora é a possibilidade de o utilizador gerar as suas próprias actividades de estudo, dentro de uma secção intitulada “Auto Exercício”, na qual é possível criar exercícios de compreensão oral. O objectivo é estimular a autonomia da aprendizagem.

“O aluno só precisa de ter a transcrição do texto que quer trabalhar – por exemplo, a letra de uma canção. A plataforma gera automaticamente o exercício”, explica João Paulo Pereira.

Carol Law e Justin Chang são alunos da licenciatura em Estudos de Tradução Português-Chinês na Universidade de São José. Ambos explicam à Revista Macau como o “Português à Vista” os tem apoiado nos seus estudos, referindo que os conteúdos disponibilizados, especialmente as notícias, os auxiliam a compreender a cultura subjacente à língua.

Carol afirma que a ferramenta a tem ajudado bastante na compreensão oral da língua portuguesa, uma das áreas em que a estudante sente mais dificuldades. “Com esta plataforma, posso praticar mais, com um horário flexível”, explica. “Apenas planeio um número de exercícios para terminar durante a semana, já que posso fazê-los no meu tempo livre.”

Por seu lado, Justin acrescenta que, ao contrário da maioria dos exercícios disponíveis em formato digital, o sistema utilizado pelo “Português à Vista” classifica os materiais de acordo com o respectivo nível de proficiência linguística necessário.

Ambos os alunos elogiam o facto de a plataforma permitir a repetição dos exercícios por diversas vezes. Segundo dizem, isso contribui para um melhor domínio da língua.

“Para mim, a plataforma é como uma preparação pré-aula. E também posso discutir os conteúdos com os meus colegas na aula”, afirma Carol.

Já Justin encara o sistema como uma ferramenta pós-aula, que o ajuda a rever a gramática, “refrescar” o vocabulário e praticar a compreensão oral. “Os conteúdos audiovisuais legendados podem ser pausados e repetidos a qualquer altura”, nota.

O português, essa língua plural

O académico João Paulo Pereira sublinha que “o português é uma língua plural e as variedades que existem reflectem essa pluralidade”, desde o português do Brasil àquele que é utilizado, por exemplo, em Moçambique. “Não é possível ensinar todas as variedades para além da europeia – a que vigora em Macau –, mas o professor pode promover o contacto do estudante com essas variedades e trabalhar aspectos específicos das mesmas”, refere o especialista. A plataforma “Português à Vista” pode ajudar, já que inclui vídeos ligados a diferentes países lusófonos, com sugestões de exercícios para trabalhar as respectivas especificidades linguísticas.

O docente nota que é importante que os estudantes de português em Macau tenham contacto com outras variedades da língua além da europeia. “Alguns poderão ir trabalhar para países africanos de língua oficial portuguesa e é vantajoso que conheçam as características do português que aí é falado”, diz. “Se queremos que o português seja de facto uma língua pluricêntrica e de comunicação global, é necessário ter em conta essa diversidade. É essa a grande riqueza desta língua.”

A plataforma “Português à Vista” foi oficialmente apresentada numa sessão pública que decorreu no final de Maio

A viver e ensinar em Macau há nove anos, João Paulo Pereira afirma que o interesse pela língua portuguesa tem registado um grande crescimento. “Aumentou a oferta educativa e o número de alunos. Este é um fenómeno que se enquadra na política da China de intensificação das relações políticas e económicas com os países de língua oficial portuguesa.”

O académico considera que “basta olhar para os números” para compreender como o ensino da língua portuguesa tem beneficiado bastante dessa orientação política das autoridades centrais, com o impacto a sentir-se também do outro lado das Portas do Cerco. “Em 2010, eram seis as universidades no Interior da China que ofereciam licenciaturas em português. Em 2020, já havia 30. O número de estudantes, no mesmo período, subiu de 300 para 4000”, sublinha.

“Claro que isto coloca grandes desafios a essas instituições de ensino superior em termos de professores qualificados e materiais didácticos, para além da adequação dos programas às necessidades do mercado”, acrescenta João Paulo Pereira. “Macau e as suas universidades podem beneficiar com isso, pois têm recursos qualificados, havendo boas oportunidades para o estabelecimento de parcerias.”

Também aí, a plataforma “Português à Vista” pode desempenhar um papel, diz o docente. Tendo em conta a organização linguística do chinês, distinta daquela utilizada no português, é possível ajudar os estudantes do Interior da China a perceber essas diferenças através dos vários vídeos legendados em chinês e dos “muitos conteúdos sobre Macau” disponíveis no sistema, afirma João Paulo Pereira. Porque, se “este é um projecto feito em Macau e para Macau”, pode ser útil a qualquer falante do idioma de Confúcio que queira aprender a língua de Camões.