Empreendedorismo

Criatividade à prova de crises

Kammy Cheong (em pé, à direita) e a equipa do Barra Studio, start-up de Macau ligada ao campo das novas tecnologias
Face aos desafios colocados pela pandemia da COVID-19, três pequenas empresas locais do sector das indústrias criativas e culturais decidiram responder com acções concretas. Ao invés de baixarem os braços, os seus fundadores arregaçaram as mangas e foram em busca de novas oportunidades. A Revista Macau foi conhecer cada um destes casos

Texto Vitória Man Sok Wa

São três jovens empresários de Macau e estão empenhados em demonstrar que há vida (e oportunidades de negócio) para lá da COVID-19. Apostados em seguir os seus sonhos, lançaram projectos empresariais nos anos que antecederam a pandemia. A chegada da COVID-19 trocou-lhes as voltas, mas não lhes roubou o foco: responderam aos desafios com criatividade, procurando novos projectos e novas áreas de negócio para assegurar a continuidade das suas empresas.

Cyan Cheong In Cheng é a fundadora da editora Os Macaenses Publicações Lda., especializada em livros ligados às ciências sociais. Com uma equipa de cinco pessoas, a empresa dedica-se à edição, design, layout e distribuição de livros, bem como ao planeamento de eventos, entre outras actividades.

Desde o seu estabelecimento em 2016, a editora já publicou mais de uma centena de livros, incluindo edições de autor, mas também obras de associações locais, estabelecimentos de ensino e departamentos governamentais. Além de Macau, a empresa tem clientes de Hong Kong e do Interior da China.

Cyan Cheong explica que, antes de avançar com a decisão de criar a sua própria editora, procedeu a uma cuidada análise da indústria em Macau. Concluiu que, embora o mercado fosse pequeno, a concorrência não era elevada e havia ainda espaço de crescimento.

“No início, como a empresa não era conhecida, era difícil arranjar clientes”, recorda. “Tomámos a iniciativa de autofinanciar algumas revistas que se tornaram influentes na sociedade e assim desenvolvemos a reputação da empresa”, conta.

Um abrupto virar de página

Quando a COVID-19 surgiu em 2020, a editora Os Macaenses Publicações viu-se, como muitas outras pequenas e médias empresas (PME), confrontada com vários imprevistos. As regras de controlo pandémico e a necessidade de cumprimento de quarentenas tornaram a gestão da equipa mais complexa, afectando os prazos de entrega dos livros.

“Além dos atrasos, a pandemia também causou muitos cancelamentos de trabalhos e prejuízos para a empresa”, recorda Cyan Cheong, acrescentando que tal teve impacto na dimensão da equipa. “Na altura mais difícil, perdemos pelo menos sete projectos.”

Para ultrapassar as dificuldades criadas pela COVID-19, Cyan Cheong empenhou-se na busca de novas oportunidades no campo editorial para a sua empresa

No entanto, a editora Os Macaenses Publicações não encarou a pandemia como o seu derradeiro capítulo. Para ultrapassar as dificuldades, Cyan Cheong empenhou-se na busca de novas oportunidades no campo editorial, examinando em detalhe vários relatórios académicos sobre o tema e analisando cuidadosamente a política cultural de Macau. Além disso, a empresária dedicou-se a uma observação do que estavam a fazer outras editoras.

Em Setembro de 2020, Cyan Cheong estava pronta para abraçar uma nova estratégia para a empresa. Por exemplo, a editora lançou um conjunto de publicações infantis centradas em Macau.

Uma das obras da nova leva, sobre Ho Yin, líder histórico da comunidade chinesa de Macau durante o século XX, foi lançada em Junho de 2021, em pleno período pandémico. Superou já as 3000 cópias vendidas, número assinalável tendo em conta a dimensão do mercado local.

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Pelo meio, Cyan Cheong salienta os apoios disponibilizados pelo Governo da RAEM para ajudar as PME locais a fazer face aos desafios gerados pela pandemia. A editora Os Macaenses Publicações assegurou um empréstimo sem juros no âmbito do Plano de Apoio a PME, programa sob a alçada da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico (DSEDT) e que disponibiliza empréstimos de até 600 mil patacas, com prazo de reembolso de até oito anos.

A empresária explica que o maior desafio experienciado pela indústria editorial se prende com o fluxo de caixa, isto é, a diferença temporal entre as entradas e saídas de capital. Segundo diz, o processo de produção de um livro leva alguns meses, podendo, em certos casos, ultrapassar um ano. Durante esse período, são várias as despesas, mas a obra só começa a gerar receitas uma vez disponível. Além disso, afirma Cyan Cheong, porque se trata de uma indústria pequena e com falta de garantias, é difícil para o sector editorial obter empréstimos junto da banca comercial. Daí a importância do Plano de Apoio a PME.

A editora Os Macaenses Publicações foi também contemplada no âmbito de um pacote de medidas de apoio a residentes e empresas, anunciado pelo Governo em Junho de 2022 e no valor global de dez mil milhões de patacas. Entre as ajudas disponibilizadas, encontrava-se um apoio pecuniário para empresas, o qual podia atingir até 500 mil patacas por destinatário.

Uma realidade ampliada

Kammy Cheong Ka Man é um dos três fundadores do Barra Studio, uma start-up que fornece soluções de marketing através da utilização de tecnologias de realidade aumentada (AR, na sigla em inglês). As ferramentas utilizadas pela empresa permitem sobrepor elementos virtuais à visão normal da realidade e interagir com eles, através do recurso a telemóveis ou tablets.

A empresa, estabelecida em 2017, tem actualmente uma equipa composta por 12 pessoas. A maioria dos seus projectos está ligada ao campo do turismo e do entretenimento, quer para clientes institucionais, quer para resorts integrados locais.

À Revista Macau, Kammy Cheong explica que o trio de fundadores decidiu avançar com a criação do Barra Studio após ter ganho um concurso de empreendedorismo da Universidade de Macau ligado ao desenvolvimento de aplicações para smartphones. A empresa tornou-se num dos projectos apoiados pelo Centro de Inovação e Empreendedorismo da Universidade de Macau e também pelo Centro de Incubação de Negócios para os Jovens de Macau.

A chegada da pandemia veio baralhar as contas do Barra Studio. “Enfrentávamos incerteza quanto ao futuro e desconhecimento em relação à direcção do mercado”, recorda Kammy Cheong. “Ficámos muito perdidos.”

Face à pandemia, o Barra Studio decidiu investir no desenvolvimento de novas capacidades no campo da realidade aumentada

Para salvar a empresa, o empresário e restante equipa focaram-se então na criação de soluções inovadoras e flexíveis, procurando desenvolver novas capacidades e novos produtos de realidade aumentada. “Entre 2020 e 2021, concentrámo-nos na investigação e desenvolvimento em tecnologias de realidade aumentada online, para podermos fornecer ao mercado novos serviços e capacidade técnica durante e depois da pandemia.”

A aposta deu frutos quando Macau entrou numa fase de estabilidade da situação pandémica e de subsequente normalização da prevenção da COVID-19. A DSEDT lançou um concurso para novos projectos para promover o desenvolvimento da economia comunitária e o Barra Studio pôde colocar em prática as novas competências que tinha adquirido. Desde então, a empresa criou já vários produtos de realidade aumentada para iniciativas promocionais levadas a cabo pelo Governo de Macau, incluindo instalações interactivas para os eventos especiais “Arraial na Ervanários”, “Arraial na Taipa” e “Arraial em Coloane”.

Eventos diferenciados

Aos 30 anos, também Sunny Chio Song Hei decidiu transformar um sonho em realidade: o calendário marcava o ano de 2013 quando a Like Entertainment & Productions Co. Ltd., empresa que organiza eventos e oferece serviços de produção, foi fundada. “Há dez anos, graças a uma década dourada de crescimento económico rápido da cidade, existiam muitas oportunidades, recursos e energias para iniciar, sem hesitar, um negócio na área dos meus sonhos, entretenimento cultural”, recorda o empresário.

A equipa foi crescendo, passando de três para 15 elementos. O número de eventos organizados foi também subindo, superando a marca dos 500, incluindo projectos com gigantes mundiais do sector da música, como a Universal Music Group e a Sony Music Entertainment.

No caso da Like Entertainment e Sunny Chio, antes da COVID-19, a empresa tinha planeado levar a cabo uma série de concertos de grande escala em Macau, com a presença já confirmada de várias estrelas do Interior da China, Hong Kong e Macau. Porém, os concertos foram suspensos devido à pandemia. Inconformado face à dificuldade em organizar espectáculos musicais, o empresário apostou na criação de um outro tipo de eventos, diferenciados e inovadores. Assim nasceu, entre outros, o “Mak Mak Mega Fun Carnival”, lançado em 2021.

O “Mak Mak Mega Fun Carnival” foi um dos projectos lançados pela Like Entertainment para fazer face às mudanças no mercado introduzidas pela COVID-19

“Durante a pandemia, como viajar se tornou mais difícil, surgiu uma maior procura no mercado por actividades familiares. Por isso, eu e os meus parceiros criámos este projecto de turismo cultural com temas para famílias”, refere Sunny Chio. O evento faz uso da mascote oficial do turismo de Macau, o “Mak Mak”, procurando que mais turistas e residentes possam conhecer melhor Macau através do consumo de produtos locais.

De maneira a melhor gerir o risco, Sunny Chio começou também a diversificar os seus investimentos. Entre outras medidas, avançou para o sector da restauração, usando um negócio em Zhuhai para conhecer o novo mercado e estudar possíveis oportunidades na Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau.

Chave(s) para o sucesso

Cyan Cheong reconhece que a pandemia não trouxe só desafios. “Pelo menos para as PME, as rendas e os salários dos funcionários estão agora mais baixos”, comenta. “É mais fácil atrair jovens para indústrias para lá do jogo, um sector normalmente com salários mais atractivos. De modo geral, este ajustamento económico é bom para Macau diversificar as suas indústrias.”

Kammy Cheong, por seu lado, confessa que, no início da pandemia, passou por uma fase de depressão. No entanto, realça três elementos que ajudaram o Barra Studio a ultrapassar as dificuldades. Em primeiro lugar, possuir um objectivo claro: “Tínhamos confiança que a tecnologia de realidade aumentada poderia ter novas aplicações de mercado”, recorda. Em segundo, ter uma estratégia clara: “Temos um plano sobre como expandir a empresa nos próximos três a cinco anos e sobre qual a estratégia de mercado a adoptar”, refere. Por fim, o jovem sublinha a importância de uma visão comum: “Eu, os meus sócios e a nossa equipa esperamos aproveitar o nosso profissionalismo e experiência na área da tecnologia e design para desenvolver projectos inovadores e interactivos”.

O empresário também salienta o apoio das autoridades locais. “Vemos que o Governo de Macau investiu diversos recursos na diversificação da economia e em start-ups”, diz. “Isso é muito importante porque é um apoio na fase inicial dos negócios”, aponta o jovem. Na sua opinião, a tecnologia de realidade aumentada oferece “grandes potencialidades para fazer avançar Macau rumo a uma economia diversificada e moderna”, um dos grandes objectivos do Governo do território.

Olhando para os piores dias da pandemia, Sunny Chio admite que ocorreu um processo de selecção natural no mercado, com as empresas que resistiram à COVID-19 a terem possibilidades de ir mais longe no futuro. No seu caso, diz, foi importante o apoio familiar, principalmente da mulher. Com um segundo filho recém-nascido, Sunny Chio diz encontrar também aí um sentido de esperança e vitalidade renovada.