Boxe

Do esforço à superação, a história de Chan Man Man

Chan Man Man representou Macau em competições de boxe em 2019 e 2021
Nos últimos tempos, tem apenas calçado as luvas para treinar, mas Chan Man Man confessa-se ansiosa por voltar a competir em eventos de boxe. Já lá vai mais de um ano desde que representou Macau nos Jogos Nacionais da China, mas a escassez de combates não lhe tira o ânimo nem esmorece a paixão: continua a treinar seis dias por semana, “não vá à última hora aparecer uma oportunidade”, sublinha

Texto Tony Lai
Fotografia Cheong Kam Ka

Depois de terminar mais um dia de trabalho como professora estagiária numa escola primária de Macau, Chan Man Man está pronta para se dedicar à sua verdadeira paixão. O caminho depois do trabalho não leva a jovem de 22 anos para casa, nem para restaurantes ou lojas com os amigos. O destino é bem diferente: um prédio industrial na zona da Areia Preta, onde liga as mãos com fitas, calça as luvas e passa horas a aperfeiçoar ‘jabs’, ganchos e ‘uppercuts’, entre sacos de areia e outros pugilistas, quase todos do sexo oposto.

Este é o retrato do dia-a-dia de Chan Man Man, uma pugilista amadora de Macau que já representou o território em competições de boxe a nível regional e internacional. O objectivo, diz em entrevista à Revista Macau, é treinar afincadamente para os Jogos Asiáticos de Hangzhou, cuja edição de 2022 foi adiada para Setembro deste ano. Confiante, confessa que pretende alcançar o melhor resultado possível, mas também continuar a aprender e a acumular experiência através da participação em eventos internacionais.

Das pistas para os ringues

Apesar da paixão pelo boxe, foi nas pistas de tartan – em especial nas corridas de barreiras – que Chan Man Man deu os primeiros passos no desporto competitivo. Em 2017, decidiu experimentar boxe, ingressando num curso de Verão com uma amiga. Desde então, os ringues passaram a ser a sua nova casa.

“Vi muitos filmes sobre boxe na altura e fiquei fascinada com o enredo, as personagens e a mensagem subliminar. Geralmente são pessoas com pouca habilidade e experiência, mas que conseguem alcançar resultados depois de se dedicarem arduamente ao treino”, conta a jovem pugilista.

Além do aspecto físico do treino, a intensidade e versatilidade do boxe são dois dos factores que Chan Man Man mais gosta. No boxe amador – também conhecido como boxe olímpico – um combate tem a duração de três assaltos, cada um de três minutos. A vitória de um pugilista pode ser declarada por pontos, KO ou KO técnico. A pontuação leva em consideração os números de golpes que atingem o adversário, o domínio da luta e a competitividade, e a superioridade técnica e táctica.


“O meu futuro é definitivamente inseparável do boxe”

CHAN MAN MAN
PUGILISTA

“São três assaltos num total de nove minutos durante os quais enfrentamos o adversário completamente sozinhos no ringue”, adianta Chan Man Man, acrescentando que a parte mental é tão importante como a componente física. “É preciso ser rápido e pensar na melhor estratégia quando há oportunidades de atacar o adversário para ganhar pontos, sem descurar a defesa. Além disso, quando enfrentamos adversários diferentes, é preciso termos capacidade para nos adaptar e adoptar estratégias distintas. A versatilidade neste desporto é enorme”, explica.

Em contraste, refere, as corridas de barreiras não apresentam o mesmo tipo de desafios, visto que o foco do atleta está principalmente na estratégia para melhorar a técnica de abordagem aos obstáculos para conseguir ser mais rápido. “O meu nível nas corridas de barreiras era mediano em comparação com atletas de outras regiões, mas acho que tenho mais possibilidades [de sucesso] no boxe”, confidencia, justificando a mudança das pistas para os ringues.

Pouco interesse no feminino

Embora o boxe amador tenha sido introduzido nos Jogos Olímpicos e nos Jogos Asiáticos, em 1904 e 1954, respectivamente, o desporto permaneceu exclusivamente masculino até ao início da década de 2010, ano em que o boxe feminino fez, pela primeira vez, parte do programa dos Jogos Asiáticos. Apenas dois anos mais tarde se deu a estreia nos Jogos Olímpicos.

Mak Kit I representou Macau no boxe feminino nas edições de 2010 e 2014 dos Jogos Asiáticos, e Chan Man Man está prestes a tornar-se na segunda atleta feminina de Macau a subir ao ringue naquele que é o maior evento multidesportivo da Ásia.

A atleta observa que são poucas as mulheres locais interessadas neste desporto de combate. Além de Chan Man Man, outros nomes conhecidos de atletas femininas em Macau envolvidas em desportos de combate nos últimos anos incluem Tang Choi Ieng, considerada a primeira pugilista profissional do território, e Tam Si Long, que pratica Muay Thai, uma modalidade que permite o uso de pontapés, joelhadas e cotoveladas.

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“Já vi algumas mulheres que gostam de treinar sequências de socos em sacos de areia, apenas como uma actividade recreativa, mas não participam em combates”, diz Chan Man Man. Uma tendência semelhante acontece do outro lado da fronteira, na instituição onde está prestes a concluir a formação. A atleta foi admitida na Universidade de Desporto de Pequim e escolheu a educação física com especialização em boxe. O número de vagas no curso é limitado a 20 por ano, e Chan Man Man foi uma das duas únicas alunas admitidas no ano em que ingressou na instituição.

“Acho que uma das razões [para poucas mulheres se interessarem por este desporto] é que elas têm receio de se aleijarem e ficarem com mazelas”, explica Chan Man Man. “Honestamente, tive lesões mais graves quando participava em corridas de barreiras do que tenho agora como pugilista”, acrescenta.

Impacto da pandemia

Determinada a desenvolver uma carreira no boxe, Chan Man Man participou em combates e competições de diferente envergadura nos últimos anos. Entre as principais competições contam-se a 23.ª Taça do Presidente da Indonésia de Boxe por Convite, em que conquistou a medalha de bronze na categoria de 57kg, em 2019; e os 14.os Jogos Nacionais da China realizados na província de Shaanxi em 2021, onde terminou entre as 16 melhores atletas da modalidade, depois de ser eliminada nos oitavos de final. 

“Tinha como objectivo participar no maior número possível de combates e competições durante os quatro anos do meu percurso universitário”, diz Chan Man Man, que está agora no quarto ano. Mas a pandemia da COVID-19 acabou por lhe mudar os planos, visto que forçou o cancelamento de várias competições ao longo dos últimos anos. Antes da edição de 2021 dos Jogos Nacionais, Chan Man Man não participava em qualquer competição de grande dimensão há pelo menos dois anos.

Até à crise de saúde pública, a atleta também conseguia organizar combates regulares contra adversárias vindas de Hong Kong e do Interior da China, dada a escassez de pugilistas femininas em Macau. No entanto, as restrições impostas desde o início da pandemia da COVID-19, no início de 2020, têm limitado a vinda dessas atletas a Macau. “Desde o evento na Indonésia, continuei a treinar, mas as possibilidades de competir ao mais elevado nível e em eventos de grande dimensão foram muito poucas dadas as repercussões da pandemia”, conta a atleta.

Não baixar os braços

Mas nem os contratempos que surgiram devido à COVID-19 desmotivaram Chan Man Man, que continua a treinar com afinco seis dias por semana – incluindo sessões técnicas, treinos com pesos e exercícios aeróbicos como corrida e natação. As horas de treino, contudo, são agora mais complicadas de marcar, visto que está a realizar um estágio curricular como professora numa escola primária local, o que a obriga a treinar entre turnos de trabalho. “Tenho que me preparar de forma constante, pois, a qualquer altura, podem surgir oportunidades para participar em combates com atletas de outras regiões”, comenta.

Nem as lesões a fazem abrandar. “Se eu tiver pequenas lesões na parte superior do corpo, concentro-me a treinar movimentos e os músculos das pernas, e vice-versa. É importante continuar a treinar de forma regular para não perder a condição física”, salienta Chan Man Man.

Exemplo dessa mesma dedicação foi quando rompeu um dos ligamentos de uma perna e mesmo assim continuou a treinar os socos em sacos de areia sentada no chão. “Se estiver parada, estou constantemente a pensar no que os meus adversários estarão a fazer e em como estarão a melhorar durante esse período”, explica.

Força de vontade

Esta perseverança é comum entre os pugilistas, diz Chan Man Man, apontando como exemplo Mary Kom, um dos seus ídolos. Lendária pugilista amadora da Índia, Mary Kom é a pugilista – nas categorias de boxe feminino e masculino – mais medalhada no Campeonato Mundial de Boxe Amador, a competição internacional mais relevante após os Jogos Olímpicos. 

Para além de oito medalhas no circuito do Campeonato Mundial, incluindo seis de ouro, Mary Kom também conquistou uma medalha de bronze na edição de 2012 dos Jogos Olímpicos e uma medalha de ouro nos Jogos Asiáticos de 2014, na Coreia do Sul.

Mas não são apenas os feitos de Mary Kom dentro do ringue que inspiram a atleta de Macau. “Estou fascinada por ela ser mãe de vários filhos, mas continuar a subir ao ringue e a acumular vitórias, num exemplo de força de vontade e superação”, diz Chan Man Man. “A atitude que ela demonstra serve de inspiração. Quando outras pessoas demonstram que podem ser tão perseverantes, com tanta força de vontade e empenho, porque é que eu não conseguiria fazer o mesmo?”, pergunta.

Para já, a atenção de Chan Man Man está focada na próxima edição dos Jogos Asiáticos, que vai decorrer em Setembro no Interior da China. Como parte da preparação para o evento, a atleta planeia viajar em Fevereiro para Guangxi, onde passará várias semanas a treinar. 

Além dos Jogos Asiáticos e da esperada conclusão da licenciatura no Verão, a jovem pugilista diz ainda não saber o que o futuro lhe reserva. Mas o que é certo, sublinha, é que deve continuar ligada ao mundo do boxe.

“Ainda não tenho certeza do que devo fazer – tanto posso tornar-me numa atleta de boxe a tempo integral, como treinadora nesta modalidade ou até árbitra”, refere. “Mas o meu futuro é definitivamente inseparável do boxe”, conclui.