Gastronomia portuguesa

Santos Pinto, os sabores de sempre de coração aberto 

Santos Pinto, um nome incontornável do panorama gastronómico de Macau
Recebe com a mesma simpatia e a mesma camaradagem um turista, um actor famoso, um mochileiro ou o líder de uma das mais bem-sucedidas bandas rock do planeta. Radicado em Macau há quase quatro décadas, o alentejano Santos Pinto é um nome incontornável do panorama gastronómico do território

Texto Marco Carvalho
Fotografia Leong Sio Po

As paredes – cobertas até ao tecto de cachecóis, retratos e memórias de encontros improváveis – exalam uma certa solenidade, um aconchego reminiscente da hombridade das catedrais, mas na Rua do Cunha, no coração da vila da Taipa, Santos só há um: o dono e mais nenhum. 

Nascido em Montemor-o-Novo, no Alentejo, e radicado em Macau desde 1983, Santos Pinto é desde há mais de três décadas responsável por um estabelecimento de comidas que se tornou uma verdadeira embaixada do melhor que a gastronomia típica portuguesa tem para oferecer. Os petiscos confeccionados pelo antigo cabo-cozinheiro da Marinha Portuguesa começaram por aligeirar a saudade de quem, por uma ou outra razão, trocou Portugal por Macau, mas depressa se tornaram um chamariz para clientes de todos os credos, línguas e origens.

“Até 1999, era quase a cantina dos portugueses e isso era algo que me trazia muito orgulho. Era uma paragem obrigatória para a malta portuguesa e para a malta macaense. Vinha cá toda a gente almoçar naquela altura: os funcionários públicos, os juízes, os advogados, o pessoal das empresas”, recorda o cozinheiro, de 73 anos.  “A seguir começou a vir o pessoal de Hong Kong, de Singapura, do Japão, da Malásia, da Coreia. Toda a Ásia cá desaguava. Abri esta casa fez 33 anos em meados de Novembro e durante a maior parte deles tive a sorte de receber clientela internacional”, complementa o proprietário de O Santos Comida Portuguesa. 

Dos sabores constam pratos icónicos da culinária portuguesa como o leitão, a feijoada, o ensopado de borrego, o arroz de marisco, o arroz de pato ou uma vasta variedade de grelhados, mas as iguarias são apenas parte do que o restaurante Santos tem para oferecer. Santos Pinto recebe de braços abertos, não se furta a fotografias e a cantorias com os clientes e, mais do que refeições, brinda quem o visita com o calor e a amizade que distingue o povo português.

“Um dos episódios que mais me marcou foi com uns amigos do Canadá, que falavam francês. Eu nem sabia que havia uma parte do Canadá em que se fala francês. Eles vinham aqui todos os dias: falávamos, cantávamos. Foram espectaculares”, recorda o cozinheiro. 

No radar dos famosos

A fama do estabelecimento já há muito extravasava as fronteiras do território quando, em Março de 2014, Mick Jagger lhe entrou pela porta adentro. A visita do icónico vocalista dos Rolling Stones – um dia depois de o baterista Charlie Watts ter jantado no estabelecimento – ajudou a projectar o nome de Santos Pinto e do seu modesto restaurante para níveis nunca vistos: “O Mick Jagger é uma pessoa normalíssima. Entrou aí com o Ipad debaixo do braço, inspeccionou esta parede de cima a baixo, tirou fotografias. Foi uma visita espectacular. E, depois, foi o eco que ela teve nos órgãos de informação. Foi uma coisa do outro mundo. Correu o planeta todo”, evoca, não sem uma pontinha de orgulho, o antigo marinheiro.

Mas Mick Jagger é apenas um de uma vasta lista de artistas e celebridades que ao longo dos anos ajudaram a transformar o espaço num destino gastronómico incontornável para quem visita Macau. Músicos como Luís Represas e António Chainho, figuras de proa do mundo do desporto, como o antigo seleccionador italiano Marcello Lippi, e astros do grande ecrã, como o actor Chow Yun-fat, de Hong Kong, estão entre os visitantes ilustres do restaurante.

“Tenho ali uma garrafa de vinho que foi assinada pelo Chow Yun-fat, o grande actor de Hong Kong. Ele vinha cá muitas vezes e tinha uma particularidade muito gira. Um amigo dele, que vinha cá com ele e que trabalhava para a TVB, ligava e dizia: ‘Santos, eu quero ir aí almoçar com o meu amigo. Será que podes abrir a porta da cozinha?’”, recorda. “Eles entravam pela porta da cozinha para não serem vistos pela multidão que lá estava fora. A multidão que ali estava caía logo em cima dele se soubesse que ele aqui estava. Ele entrava pela cozinha e ficava a almoçar, descansado, lá em cima”, complementa o cozinheiro.

Fiel às raízes

Em equipa que ganha não se mexe. Fervoroso adepto do Sport Lisboa e Benfica, Santos Pinto adaptou a máxima futebolística à sua forma de estar na vida e nos negócios. Aprendeu o que sabe sobre ingredientes e temperos ao longo dos anos em que andou embarcado, e manteve-se fiel à fórmula que o levou a apostar, em 1989, na abertura de um restaurante em nome próprio, depois de seis anos ao serviço da Messe da Marinha: “Eu só sei fazer comida portuguesa, não vale a pena estar a inventar. Talvez tenha aligeirado um bocadinho o volume de sal que uso, comparando com aquilo que era o hábito em Portugal. Mas eu só faço comida portuguesa”, assume Santos Pinto. 

“O resultado está à vista: as pessoas vêm aqui. Continuam a vir aqui. Trinta anos se passaram e continuo a ter a felicidade de servir dezenas, por vezes centenas, de pessoas por dia. E só não vêm mais por causa desta situação [da pandemia da COVID-19] que se arrasta há três anos. Mas continuam a vir cá e a comida que lhes sirvo é o bacalhau, o leitão, a entremeada, o entrecosto de porco, o arroz de marisco. Não vale a pena estar a inventar”, remata o veterano cozinheiro.