Samba, Carnaval e futebol continuam a ser os principais cartões de visita do Brasil a nível global. Macau não é excepção, ainda que seja cada vez maior o número de cidadãos chineses que procuram o país sul-americano pelo seu potencial económico e até turístico. O retrato do actual panorama das relações sino-brasileiras é traçado por Jane Martins e Carla Fellini, dirigentes da Casa do Brasil em Macau
Texto Marco Carvalho
São três das maiores paixões dos brasileiros, ao ponto de terem ajudado a pintar uma aguarela estereotipada do país sul-americano. A noção de que o Brasil tem a bola no pé, o samba no sangue e o Carnaval na alma é indiscutivelmente redutora, mas continua a abrir portas onde quer que haja um brasileiro. Uma concepção que também ajuda a projectar a imagem de um povo de bem com a vida e que tem sido, em Macau, um trunfo para chegar ao coração de residentes e de visitantes.
“No início do ano, nós organizámos um workshop a convite do Fórum de Macau [Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa]. Foi um workshop de samba, dois dias dedicados ao samba. As pessoas inscreviam-se e iam aprender a dançar durante duas horas. A iniciativa foi tão bem aceite que o nosso vice-cônsul em Hong Kong nos contactou a pedir que organizássemos uma segunda acção de formação”, revela Carla Fellini. “A sala encheu e o sucesso da iniciativa chegou até eles, no Consulado de Hong Kong. Os chineses gostam muito desta interacção, deste jingado nosso. Têm algumas dificuldades para se adaptar, mas fazem de tudo para aprender. No final, sai um samba meio chinês, meio brasileiro e isso é algo que nos deixa muito felizes”, acrescenta a vice-presidente da Casa do Brasil em Macau.
Mas a imagem de que o Brasil goza junto da população de Macau está a alterar-se aos poucos, sustenta a presidente da associação, Jane Martins. O protagonismo económico a que o país está associado desde o início do novo milénio tem contribuído para um novo olhar sobre a maior nação de expressão portuguesa. Domínios como o turismo, o investimento e o ambiente despertam cada vez mais interesse.
“A Casa do Brasil em Macau é uma casa aberta a todos desde 2009”
CARLA FELLINI
VICE-PRESIDENTE DA CASA DO BRASIL EM MACAU
“A comunidade chinesa sabe que a relação entre o Brasil e a China é economicamente muito forte. Eles já não vêem apenas o lado cultural. O turismo também aproxima um pouco. Nós tivemos essa experiência na Exposição de Turismo de Macau”, explica Jane Martins. “Foram muitas as pessoas que nos abordaram no sentido de perceber se alguém promove viagens turísticas organizadas entre Macau e o Brasil. Teve até uma moça chinesa que falava bem português que nos disse que viajou de propósito para o Pantanal só para tentar ver uma onça”, complementa.
Embaixadoras por convite
Realizada no final de Setembro, a Expo Internacional de Turismo (Indústria) de Macau (MITE, na sigla em inglês) é um dos certames no qual a presença da Casa do Brasil – e das demais associações lusófonas do território – é solicitada com cada vez maior frequência.
A associação fica feliz por poder dar o seu contributo e por poder promover o Brasil em Macau, ainda que a comunidade seja pequena e os recursos de que a entidade dispõe sejam limitados. “Temos recebido inúmeros convites para a participação em feiras. Uma das últimas em que participámos foi a MITE, a feira de Turismo. Mas também temos participado em feirinhas em São Lázaro, contribuímos para a Semana Cultural e participamos nas paradas do Instituto Cultural e do Ano Novo Chinês. São estas as iniciativas em que participamos e isto representa trabalho para cinco meses”, explica Carla Fellini.
A cooperação e o intercâmbio cultural com as autoridades de Macau, por um lado, e com o Fórum de Macau, por outro, estão, em grande medida, na génese da própria Casa do Brasil em Macau.
A presença de brasileiros no território é secular e as relações sino-brasileiras remontam quase aos primórdios da presença portuguesa no sul da China, mas a Casa do Brasil foi das últimas associações lusófonas de Macau a ser fundada na Região Administrativa Especial de Macau. “A Casa do Brasil em Macau é uma casa aberta a todos desde 2009. A Casa do Brasil foi criada na sequência de um convite do Fórum [de Macau]. À época, a Dra. Rita Santos era Secretária-Geral adjunta do Fórum e ela notou a ausência de uma associação brasileira em Macau. O convite foi feito à Jane Martins e nós topámos a parada e estamos aí… há quase 13 anos”, realça a vice-presidente da associação.
Jane Martins recorda as mudanças pelas quais a comunidade passou ao longo dos anos. “Eu moro em Macau há 36 anos. Já tivemos uma primeira associação em 1987. Quando cheguei a Macau, havia quatro brasileiros. Neste momento, sou a segunda brasileira mais antiga em Macau. Aos poucos foram chegando mais pessoas, mas o movimento associativo nunca foi muito forte”, conta. “Quando a Festa da Lusofonia surgiu, em 1998, pediram-me que fizesse alguma coisa a título particular para que o Brasil estivesse representado. E durante os primeiros anos foi assim que o Brasil esteve representado. Mas como as outras barracas eram de associações, foi-nos pedido para formar uma associação brasileira”, adianta Jane Martins.
O desenvolvimento de Macau na década passada ofereceu à cidade uma projecção internacional inédita e o território tornou-se um destino apetecível, mesmo do outro lado do planeta. De quatro brasileiros em meados da década de 1980, a comunidade engrossou, superou primeiro a barreira das dezenas e, depois, a das centenas, numa tendência que só esmoreceu quando a pandemia da COVID-19 paralisou o planeta. Actualmente, residem em Macau cerca de 300 brasileiros, segundo estimativas das dirigentes.
“Em Macau, há brasileiros em vários sectores. Há professores de português na universidade e em escolas. Há sacerdotes e pastores evangélicos. Há bailarinas, que trabalham nos espectáculos dos casinos e há pilotos, que voam na Air Macau”, elenca Carla Fellini. “Mas a comunidade é pequena, já foi maior. Mas devido à pandemia, diminuiu mais ainda”, remata a vice-presidente da associação, que está, ainda assim, convicta de que os acordes do samba vão continuar a fazer dançar as diversas comunidades de Macau durante muitos e bons anos.