Relações China-Angola

Quatro décadas de cooperação a olhar o futuro

Visita do Chefe de Estado angolano, João Lourenço (esq.), à China, em Setembro de 2018, durante a qual se encontrou com o Presidente chinês, Xi Jinping (dir.)
A República Popular da China e Angola assinalam este ano o 40.º aniversário do estabelecimento de relações diplomáticas oficiais entre as duas nações. A ambição mútua é que a cooperação sino‑angolana continue em sentido ascendente e se alargue a novas áreas

Texto Marta Melo

Foi a 12 de Janeiro de 1983 que a República Popular da China e Angola estabeleceram relações diplomáticas oficiais. O país lusófono é agora um dos principais parceiros comerciais da China no continente africano: no ano passado, as trocas comerciais bilaterais superaram os 27 mil milhões de dólares americanos, o que representa uma variação homóloga de 16 por cento, de acordo com dados dos Serviços de Alfândega da China. Entre os dois países existe um acordo de parceria estratégica, em vigor desde 2010.

“A China tem sido o maior parceiro comercial de Angola, o maior mercado de exportação e uma importante fonte de investimento durante muitos anos”, ao passo que o país de língua portuguesa é “o maior exportador de petróleo” em África para solo chinês, assumiu o Embaixador da República Popular da China em Luanda, Gong Tao, num artigo de opinião publicado em Janeiro no Jornal de Angola, assinalando os 40 anos de relações bilaterais. No texto, o diplomata defende que foram alcançados “resultados importantes no intercâmbio e cooperação em vários domínios”, acrescentando que a relação China-Angola “está na vanguarda da cooperação China-África”.

Também o Presidente chinês fala de uma cooperação com “resultados frutuosos”, que trouxe “benefícios tangíveis” para a China e para Angola. Citado numa nota do Governo Central assinalando as quatro décadas de relações diplomáticas, Xi Jinping considerou que os laços entre os dois países “estão num bom momento de desenvolvimento”.

Os 40 anos de relações sino-angolanas foram marcados por uma visita do novo Ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Qin Gang, a Luanda, que decorreu em Janeiro. Nas vésperas da chegada do diplomata à capital angolana, a China assinou um acordo de financiamento com as autoridades do país lusófono no valor de 249 milhões de dólares americanos, com vista a apoiar a expansão da rede de banda larga na nação africana.

Novo modelo de cooperação

No futuro, Angola quer continuar a estreitar laços com a China e, dos dois lados, há “ambição de crescer cada vez mais”, assinala o Embaixador de Angola em Pequim, João Salvador dos Santos Neto, em declarações à Revista Macau, salientando as “excelentes relações” bilaterais. “Entendemos que os dois países têm potencialidades que se completam”, diz o diplomata. O desejo é que esta cooperação possa também ajudar o crescimento das empresas angolanas e que estas possam ter uma presença com expressão no mercado chinês.

A China “tem muitos desafios” pela frente e Angola “pode, a partir dos seus recursos naturais, contribuir” para encontrar soluções, afirma João Neto. “A China também tem ‘know-how’” que pode ajudar a nação africana no seu desenvolvimento, acrescenta. “É preciso solidificar esta complementaridade entre as duas economias.”


“A China tem sido o maior parceiro comercial de Angola, o maior mercado de exportação e uma importante fonte de investimento durante muitos anos”

GONG TAO
EMBAIXADOR DA CHINA EM LUANDA

Francisco José Leandro, director associado do Instituto de Investigação para os Países de Língua Portuguesa da Universidade Cidade de Macau, acredita que a cooperação entre a China e Angola “vai continuar e vai continuar muito forte”. Pode, no entanto, haver mudanças: “Provavelmente, o modelo de cooperação vai ser alterado na ideia de que é muito importante haver qualificação das pessoas, transferência de tecnologia e sustentabilidade dos projectos”. 

O académico recorda declarações do Presidente angolano, João Lourenço, que “já disse que quer continuar a colaborar com a China no âmbito da defesa”, passando de “uma narrativa que era de comprar material e equipamento a uma narrativa que é muito mais de transferência de tecnologia”. Francisco José Leandro acrescenta: “Isto dá o tom para os outros sectores, muito mais na diversificação da cooperação, na diversificação das trocas comerciais e na transferência de tecnologia”.

O economista e jornalista angolano Carlos Rosado de Carvalho corrobora a necessidade de mais investimento directo chinês de qualidade em Angola. “Com transferência, além de capital, de tecnologia e de ‘know-how’ de gestão”, sublinha.

Parceria em evolução

Na leitura de Francisco José Leandro, as relações entre a China e Angola “têm-se transformado” ao longo dos tempos. Embora as relações diplomáticas tenham sido oficializadas em 1983, o académico fala de contactos que começaram antes.

Já depois de 1983 e até ao final da guerra civil angolana – que durou entre 1975 e 2002, com interlúdios –, Francisco José Leandro observa a existência de uma segunda fase nas relações bilaterais, embora ainda de forma “muito insípida”, por ser “difícil abrir a cooperação” devido à situação interna do país africano. “Não aconteceu muito, mas o que aconteceu foi importante para criar uma certa relação de confiança entre os dois actores”, afirma o académico.

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É já no contexto da reconstrução nacional angolana que as relações bilaterais se projectam e a China se torna no principal financiador do país africano, assinala Carlos Rosado de Carvalho. Na história dos 40 anos de relações bilaterais, o economista assinala como momento mais marcante o primeiro empréstimo da China a Angola, que chega em 2004: tratou-se de uma linha de crédito no valor de dois mil milhões de dólares americanos, contratualizada com o Banco de Exportações e Importações da China, entidade estatal chinesa também conhecida por Eximbank.

“É a primeira vez que um Estado oferece uma alternativa ao sistema de Bretton Woods”, criado no seguimento da Segunda Guerra Mundial, aponta Francisco José Leandro. A solução chinesa então encontrada para apoiar Angola passou por um crédito concessional, isto é, com “um período de amortização muito mais longo, uma taxa de juro muito mais baixa, sem carestias, por oposição aos créditos comerciais”, nota o académico. Associada a esta alternativa chinesa, estava um chamado “oil-backed loan”: empréstimo garantido em petróleo, ou seja, que implicava o fornecimento de quantidades regulares de petróleo, sendo o valor da venda utilizado para o serviço da dívida.

“Os primeiros empréstimos que chegam fazem disparar a economia angolana” e, segundo Francisco José Leandro, a partir desse momento, “há uma intensificação” na relação dos dois países.

Gestão cautelosa

Desde 2004, foram várias as linhas de crédito e empréstimos concedidos por entidades chinesas a Angola. O embaixador da nação africana em Pequim assegura que o país tem tido o “cuidado de não exceder” as suas capacidades de endividamento no que toca ao relacionamento com a China.

Na área das infra-estruturas, o papel das empresas chinesas tem sido particularmente relevante: até hoje, foram responsáveis pela construção em Angola de cerca de 3000 quilómetros de caminho-de-ferro, 20.000 quilómetros de estrada, 100 mil fogos de habitação social, 100 escolas e 50 hospitais, de acordo com dados providenciados pelo embaixador chinês em Luanda. São vários os exemplos de obras, concluídas ou em execução: a Barragem de Caculo Cabaça e o novo Aeroporto Internacional de Luanda são dois projectos actualmente em desenvolvimento considerados essenciais para o país, sendo que a nova estrutura aeroportuária deve entrar em funcionamento ainda este ano.

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Olhando para o que tem sido feito no campo da cooperação sino-angolana, o presidente da Câmara de Comércio Angola-China (CAC), Luís Cupenala, conclui que houve “sempre consistência do ponto de vista do investimento” chinês no país africano. Um caminho que, está certo, vai continuar: “Com a abertura da China [após a pandemia da COVID-19], com certeza, a fluidez da circulação de pessoas, de tecnologia e capitais vai aumentar ainda mais e estamos a prever um incremento maior, sobretudo no investimento privado”. 

Parte da estratégia de desenvolvimento angolana, Luanda quer diversificar a economia nacional, com o objectivo de reduzir a dependência do sector petrolífero e promover uma melhor exploração de outros recursos naturais. Segundo o embaixador João Neto, o país tem vastos terrenos aráveis e recursos hídricos, além de uma costa rica, e necessita da “capacidade tecnológica e financeira da China” para explorar essas mais-valias. “O nosso desejo é que as empresas chinesas se instalem em Angola, que produzam em Angola e que tudo o que for exportado tenha valor acrescentado.”

Neste processo de diversificação, a China pode ser um modelo de desenvolvimento a ter em conta. Afinal, o percurso do país asiático nas últimas décadas levou-o a segunda maior economia do planeta, aponta Luís Cupenala. Pequim pode “ajudar na forma como é que Angola, com base na experiência da China, pode agregar valor”, diz o responsável.


“O nosso desejo é que as empresas chinesas se instalem em Angola, que produzam em Angola e que tudo o que for exportado tenha valor acrescentado”

JOÃO NETO
EMBAIXADOR DE ANGOLA EM PEQUIM

É neste desígnio da diversificação que surge o mais recente investimento da Huawei em Luanda. A empresa chinesa inaugurou no ano passado um parque tecnológico, avaliado em 80 milhões de dólares americanos. Associado ao projecto, com 32 mil metros quadrados, está um plano para promover, nos próximos cinco anos, a formação técnica de 10.000 angolanos em áreas ligadas à tecnologia, digitalização, inovação e telecomunicações.

Além da vertente da formação de quadros, o embaixador de Angola em Pequim considera que a iniciativa da Huawei será igualmente importante para a dinamização do tecido empresarial angolano. “Anualmente serão formados cerca de dois mil jovens angolanos. A partir da formação que obtenham, poderão desenvolver projectos próprios”, aponta João Neto.

A aposta que vem sendo feita na modernização e nas infra-estruturas do país africano com recurso a apoio chinês não se pode dissociar da iniciativa “Uma Faixa, uma Rota”, a que Luanda aderiu em 2018. “Creio que, se olharmos para algumas transformações que ocorrem no nosso país, notamos que há uma participação muito séria das empresas chinesas”, refere João Neto. 

A favor do país africano está também a sua localização que, acrescenta o diplomata, permite que “Angola possa desempenhar um papel fundamental a nível da sub-região e depois esta influência se alastre para outras zonas da África e mesmo do mundo”.