Indústrias criativas

Espalhando talento pela Grande Baía

No âmbito do projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, as indústrias criativas e culturais surgem como uma das áreas de destaque. A Revista Macau conversou com artistas locais que estão a utilizar a Grande Baía como palco privilegiado para disseminar o seu talento, de modo a perceber de que forma é que a integração regional beneficia as suas carreiras

Texto Viviana Chan

“Criar produtos culturais de selecção, promover a prosperidade do mercado cultural e enriquecer a vida cultural dos residentes”: o conjunto de objectivos surge nas “Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, como parte do esforço conjunto das três regiões para “um desenvolvimento cultural próspero”. De acordo com quatro empreendedores de Macau ligados ao campo artístico, o projecto da Grande Baía está a abrir novas oportunidades profissionais para os artistas locais do lado de lá das Portas do Cerco, onde o mercado é maior e as possibilidades mais amplas.

Sanchia Lau, designer nascida em Macau ligada ao campo da moda, é um exemplo de criadores locais que estão a utilizar a Grande Baía para ir mais além profissionalmente. Depois de ter estudado design de tecidos na Escola Central de Design de Arte de Saint Martins, no Reino Unido, e design de moda na Academia Central de Belas Artes da China, regressou a Macau, onde fundou em 2017 a marca homónima “SANCHIALAU”. Esta dedica-se a incorporar conceitos artísticos em diversos tipos de produtos, incluindo artigos para o lar e peças de vestuário, entre outros.

Desde cedo, o rápido desenvolvimento da Grande Baía chamou a sua atenção. A empreendedora tem estado envolvida em diferentes projectos do outro lado da fronteira, de instalações artísticas a design de interiores.

“A Grande Baía desfruta de vantagens essenciais no que toca à indústria do design: a proximidade com o mercado e a cadeia de fornecimento”, diz à Revista Macau a também presidente da Associação de Arte e Marca Crossover de Macau e membro da Associação de Design de Guangdong. “Em questão de horas, posso encontrar os materiais necessários para os meus produtos. Ou, em menos de uma hora de viagem pela Ponte do Delta, chego a Hong Kong, onde posso estabelecer conexões globais.”

Promover a singularidade de Macau

Sanchia Lau salienta a importância de ter participado em vários projectos apoiados pelo Instituto Cultural (IC), o que permitiu dar exposição ao seu trabalho, antes do pulo para Guangdong. Em 2017, foi convidada para a realização de um projecto de oficina de moda e arte destinado a jovens a convite do Museu de Arte de Macau. Além disso, é uma das designers representadas no projecto “Galeria de Moda de Macau”, fruto de uma parceria entre o IC e o Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia de Macau. Participou ainda na primeira edição do Programa de Embaixadores Culturais de Macau, promovido pelo IC.

Sanchia Lau, designer e artista

Os elementos culturais do território estão entre as principais fontes de inspiração para Sanchia Lau. “Muitos dos produtos que desenvolvemos incorporam o património cultural de Macau, como as Ruínas de São Paulo e as Casas-Museu da Taipa”, afirma. A designer observa que, com o aprofundamento do intercâmbio artístico entre Hong Kong, Macau e o Interior da China, cada vez mais exposições temáticas da Grande Baía estão a dar atenção aos elementos de Macau. Sanchia Lau sublinha, porém, que a competição na Grande Baía será cada vez mais acirrada. Para desenvolver marcas ou projectos artísticos, é necessário encontrar os melhores canais para exibir os produtos e elevar a eficiência da conversão de visualizações em compras. Por outras palavras, os artistas e as empresas precisam de combinar criatividade artística e mercado para criar valor comercial, diz.

Uma subsidiária da empresa fundada por Sanchia Lau está já presente na ilha de Hengqin, na província de Guangdong, mas a empreendedora afirma que ainda é um grande desafio competir com as empresas de grande dimensão que dominam o mercado no Interior da China. A própria admite que, sem o apoio das autoridades, é difícil conquistar uma parcela maior do negócio. No caso de Macau, a empreendedora aponta para a importância de os artistas locais se juntarem em grupos, para abordarem o mercado da Grande Baía de forma colectiva, em vez de isoladamente. Essa estratégia, na sua opinião, tem maior possibilidade de sucesso.

“Sem Sorriso” com razões para sorrir

Divulgadas em 2019, as Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía mencionam que, tendo em conta que Hong Kong, Macau e as nove cidades da província de Guangdong que integram o projecto têm uma estreita ligação em termos culturais e humanos, a promoção da cooperação cultural oferece benefícios óbvios. A marca criativa co-fundada por Lei Wai Kit é exemplo disso.

Embora a sua formação universitária não esteja relacionada com o campo artístico, foi por aí que tudo começou: foi durante os estudos em Guangzhou que encontrou o seu parceiro de negócios. Além disso, como estudante, adquiriu familiaridade com a capital da província de Guangdong, o que posteriormente lhe viria a ser útil para desenvolver uma carreira profissional na cidade.

Lei Wai Kit co-fundou a marca “Sem Sorriso” – assim mesmo, em português – em 2021. A marca de artigos “streetwear” nasceu em Macau, utilizando uma das línguas oficiais da região e com um “look” associado à cultura hip-hop e do graffiti.

O jovem admite que a marca tem vindo a ser bem aceite no mercado da Grande Baía, não só por ter características únicas, mas também pela sua identidade ligada a Macau. Essa identidade, diz, é um passaporte que facilita a cooperação com entidades da província de Guangdong. “Tanto os serviços públicos como as entidades comerciais têm os braços abertos para projectos artísticos de Macau e Hong Kong”, nota. 

O empreendedor afirma que a iniciativa de criar a marca “Sem Sorriso” foi motivada pela pandemia da COVID-19. O próprio nome está ligado a esse período, uma altura em que as pessoas passaram por muitas dificuldades e era necessário encontrar plataformas para expressar as suas emoções menos positivas. “Tradicionalmente, somos pressionados a manter sempre um sorriso. No entanto, queríamos transmitir às pessoas que estava tudo bem se não quisessem sorrir”, conta Lei Wai Kit.

Lei Wai Kit, co-fundador da “Sem Sorriso”, marca de “streetwear”

Também devido à COVID-19, o jovem decidiu mudar-se para Guangzhou, visto que as dificuldades logísticas ligadas às restrições anti-pandémicas estavam a dificultar o crescimento da sua marca. No entanto, a decisão foi tomada não apenas devido às circunstâncias do momento, mas também a pensar no futuro.

Na opinião de Lei Wai Kit, Guangzhou oferece um leque amplo de oportunidades para artistas e empreendedores ligados às indústrias criativas. Segundo afirma, a cidade possui uma forte cultura de promoção do empreendedorismo e um mercado de consumidores mais amplo em comparação com Macau.

O jovem aponta que a sua marca conseguiu obter diversas oportunidades de exposição em colaboração com outras formas de arte, como, por exemplo, com bandas de música, ou aproveitando o próprio património cultural imaterial de Guangdong, nomeadamente a arte marcial chinesa Weng Chon (também conhecida por Wing Chun).

Lei Wai Kit nota que há uma elevada oportunidade de exposição do seu trabalho na Grande Baía. No Interior da China, existem diversos canais de promoção, tanto online como offline, explica.

“O crescimento de uma marca em Macau normalmente dá-se passo a passo, por isso, o progresso é mais lento. Na Grande Baía, os respectivos serviços governamentais podem oferecer uma ampla variedade de plataformas para as empresas promoverem os seus produtos”, nota o fundador da “Sem Sorriso”. “Os empreendedores provenientes de Macau e Hong Kong recebem apoios especiais, o que acelera o crescimento dos projectos incubados aqui.”

A magia da integração regional

No campo das indústrias criativas, não são só empreendedores que estão a fazer uso da Grande Baía para fazer crescer os seus projectos empresariais. Muitos performers ligados às artes do palco, bem como artistas plásticos e profissionais do cinema, entre outros, estão a aproveitar as oportunidades oferecidas pela integração regional.

Raymond Iong Tat Chi, mágico

Raymond Iong Tat Chi, icónico mágico local com mais de 35 anos de carreira, é um dos pioneiros nesse âmbito, tendo-se iniciado na exploração do mercado de Guangdong ainda antes mesmo da transferência de administração de Macau. O artista começou a expandir a sua carreira profissional para a província vizinha a partir de 1996, bem antes de outros. O motivo foi simples: o mercado de Macau era pequeno demais para sustentar uma vida como artista profissional.

Quando surgiu a possibilidade de se tornar instrutor de magia em Guangdong na década de 1990, Raymond Iong aproveitou imediatamente para começar a criar uma base em Guangzhou. O veterano mágico indica que as autoridades do Interior da China valorizam muito as artes do palco, oferecendo bastante apoio aos artistas.

“Quando comecei a trabalhar no Interior da China, inicialmente quase não tinha espectáculos, porque ninguém me conhecia, mas depois ganhei alguns prémios internacionais de magia e muitos departamentos governamentais, incluindo alguns governos a nível distrital, começaram a convidar-me para desenvolver projectos”, recorda. Desde então, muito mudou: hoje, o mágico afirma que Guangzhou serve, inclusive, como plataforma para encontrar oportunidades de trabalho não só no resto do país, mas mesmo além-fronteiras. “Acredito que as metrópoles da Grande Baía também sejam uma boa plataforma de promoção”, afirma.

Actualmente, as autoridades do Interior da China oferecem muito suporte aos artistas e empreendedores de Macau e Hong Kong, incluindo até mesmo apoio monetário, nota Raymond Iong. Mesmo no passado, quando essas políticas ainda não existiam, o mágico reconhece que recebeu sempre muita ajuda institucional.

Surfar a onda do “cantopop”

O impacto do projecto da Grande Baía a nível nacional está também a gerar crescente interesse noutras províncias chinesas pela cultura cantonense, inclusive pela música pop da região, conhecida como “cantopop”. É agora comum ver artistas provenientes da Grande Baía a participar em programas televisivos de variedades transmitidos a nível nacional.

Hennes Ng, cantor

Hennes Ng, cantor de Macau, é um dos performers a tentar “surfar” a onda de interesse em torno da Grande Baía. O artista, que canta em cantonense e já participou em Macau em espectáculos organizados pelo IC, iniciou a sua carreira regional em Hong Kong, mas acabou por focar-se no mercado de Guangdong. “Hong Kong possui um mercado significativo, mas já está saturado”, indica.

Ao tomar conhecimento do lançamento de uma série de políticas voltadas para empreendedores de Hong Kong e Macau pelas autoridades da Área de Nansha da Zona Piloto de Comércio Livre de Guangdong, o cantor decidiu tentar apostar numa carreira musical do outro lado da fronteira. A motivação de Hennes Ng foi simples: desejava estar mais próximo do seu mercado-alvo e explorar novas oportunidades de promoção, em particular após observar o rápido desenvolvimento das redes sociais no Interior da China.

As autoridades de Nansha e os meios de comunicação social locais demonstram uma atitude positiva em relação aos jovens artistas de Macau e Hong Kong, diz. Além de ter recebido oportunidades de trabalho para actuar em programas de televisão e eventos públicos, Hennes Ng revela ter sido convidado para cooperar com empresas estatais em transmissões online ao vivo (“live streaming”). Embora seja ainda um novato no campo do “live streaming”, especialmente no que toca ao comércio electrónico, em forte expansão no Interior da China, o artista está confiante de que este tipo de plataformas lhe pode oferecer novas oportunidades profissionais.